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Alice no País das Maravilhas

Capítulos 12

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Alice no País das Maravilhas QUEM ROUBOU AS TORTAS?

O Rei e a Rainha de Copas estavam sentados em seus tronos. Uma multidão se reunia em torno deles: eram todos os tipos de passarinhos e criaturas, além do baralho completo. O Valete, de pé, estava acorrentado atrás do trono sob vigia de dois soldados, um de cada lado. Perto do Rei estava o Coelho Branco, com um trompete em uma das mãos e um pergaminho na outra. No centro da corte estava uma mesa, com grande prataria e recheada de tortas: elas pareciam tão gostosas que Alice ficou esfomeada só de vê-las…

 

“Queria que terminassem logo esse julgamento e servissem logo o rango”, pensou.

 

Mas não parecia haver essa possibilidade, então Alice começou a observar tudo que estava ao seu redor para passar o tempo. Ela nunca estivera em um tribunal antes, mas já lera a respeito nos livros. Ficou contente de saber o nome de praticamente tudo e todos os que estavam ali.

 

— Aquele é o juiz — disse para si mesma —, por causa da peruca enorme.

 

O juiz, a propósito, era o Rei. Como usava a coroa por cima da peruca, não parecia nada confortável, bonito menos ainda.

 

— E aquela é a banca do júri — Alice disse para si mesma. — E aquelas doze criaturas — ela foi obrigada a dizer “criaturas”, perceba, porque alguns eram animais e, outros, pássaros —, imagino que sejam os membros do júri.

 

Disse essa última palavra duas ou três vezes, orgulhosa por conhecê-la: ela achava — corretamente — que pouquíssimas meninas de sua idade saberiam o significado de “membros do júri”. No entanto, a palavra “jurado” também serviria.

 

Os doze jurados estavam atarefadíssimos escrevendo em suas lousas.

 

— O que eles estão fazendo? — Alice perguntou ao Grifo. — Eles não têm nada para anotar, o julgamento nem começou.

 

— Estão anotando os próprios nomes — sussurrou o Grifo, em resposta. — Por medo de se esquecerem antes do fim da sessão.

 

— Que estupidez! — exclamou Alice, indignada, mas foi rapidamente interrompida pelo berro do Coelho Branco:

 

— Silêncio no tribunal! — E o Rei colocou os óculos para olhar em volta, procurando quem falava.

 

Alice conseguia perceber, como se olhasse por cima de seus ombros, os jurados todos escrevendo “que estupidez!” nas lousas. Ela até adivinhou que um deles não sabia soletrar a palavra “estupidez”, e precisou perguntar ao vizinho.

 

— Essas lousas estarão uma bagunça até o final do julgamento! — pensou Alice.

 

O lápis de um dos jurados rangia. Isso, evidentemente, Alice não era capaz de suportar: ficou atrás dele, buscando uma oportunidade de tomar para si aquele lápis. Fez isso de maneira tão ligeira que o pobrezinho do jurado (era Bill, a Lagartixa) não foi capaz de entender o que havia acontecido. Assim, depois de caçá-la por todos os lados, Bill foi obrigado a escrever com o dedo pelo resto do dia — o que não adiantou nada, pois seus dedos não deixavam nenhuma marca na lousa.

 

— Oficial, leia a acusação! — disse o Rei.

 

Foi então que o Coelho Branco deu três sopradas no trompete, desenrolou o pergaminho e leu o seguinte:

 

— A Rainha fez umas tortas Em um belo dia quente.

 

O Valete roubou as tortas E fugiu sorridente!

 

— Apresentem o veredito! — o Rei disse ao júri.

 

— Ainda não, ainda não! — o Coelho interrompeu, apressado. — Tem muita coisa antes disso!

 

— Chame a primeira testemunha! — disse o Rei.

 

O Coelho Branco tocou mais três vezes o trompete e convocou:

 

— Primeira testemunha!

 

A primeira testemunha era o Chapeleiro. Trazia uma xícara de chá em uma das mãos e um pedaço de pão com manteiga na outra.

 

— Perdoe-me, Majestade — ele disse —, por trazer isso comigo. Ainda não havia terminado de tomar meu chá quando fui intimado.

 

— Já deveria ter terminado — disse o Rei. — Começou quando?

 

O Chapeleiro olhou para a Lebre de Março, que o acompanhou corte adentro, de braços dados com a Preguiça.

 

— Catorze de março, eu acho — disse o Chapeleiro.

 

— Quinze — disse a Lebre de Março.

 

— Dezesseis — disse a Preguiça.

 

— Anotem isso — o Rei disse ao júri, e todos os jurados impulsivamente anotaram as três datas em suas lousas, fizeram uma conta de adição com as datas e reduziram a resposta a um valor em dinheiro.

 

— Retire seu chapéu — o Rei disse ao Chapeleiro.

 

— Não é meu — respondeu o Chapeleiro.

 

Ladrão! — exclamou o Rei, voltando-se ao júri, que imediatamente relatou o fato.

 

— São para vender — o Chapeleiro disse, explicando-se. — Nenhum deles é meu. Eu sou um chapeleiro.

 

A Rainha colocou seus óculos e fitou o Chapeleiro, que empalideceu, inquieto.

 

— Apresente seu depoimento — disse o Rei. — E não fique nervoso, senão mando executarem você agora mesmo.

 

Aquilo não pareceu encorajar em nada a testemunha, que seguiu se movendo freneticamente, sempre com o olhar constrangido em direção à Rainha. Nesse estado de confusão, o Chapeleiro mordeu um pedaço da xícara em vez do pão com manteiga.

 

Bem nesse momento, Alice sentiu algo curioso. Ela estava crescendo outra vez. Primeiro pensou em se levantar e deixar a corte. Mas, após refletir um pouco, decidiu permanecer enquanto houvesse espaço para ela.

 

— Queria que você não me espremesse assim — disse a Preguiça, que sentava ao seu lado. — Eu mal consigo respirar.

 

— Não posso fazer nada — ela disse, resignada. — Estou crescendo.

 

— Você não tem o direito de crescer aqui — disse a Preguiça.

 

— Ora, não diga besteira — ela afirmou, atrevida. — Você sabe muito bem que também está crescendo.

 

— Sim, mas eu cresço em um ritmo razoável — disse a Preguiça. — Não desse jeito ridículo. — Levantou-se emburrada e foi para o outro lado da corte.

 

Tudo isso acontecia sem que a Rainha parasse de olhar para o Chapeleiro. Só depois que a Preguiça atravessou lentamente o tribunal, ela disse a um dos oficiais:

 

— Tragam-me a lista de cantores do último espetáculo! — O que estremeceu o Chapeleiro de tal maneira que até seus sapatos escaparam dos pés.

 

— Apresente seu depoimento — o Rei repetiu, irritado —, senão ordeno sua execução, não me importa se estiver nervoso ou não.

 

— Eu sou pobre, Majestade — começou o Chapeleiro, com voz trêmula. — Não tinha começado a tomar meu chá… faz uma ou duas semanas… e o pão com manteiga minguando… e o chá cintilando…

 

— O chá estava fazendo o quê? — disse o Rei.

 

Começa com “c” — respondeu o Chapeleiro.

 

— É óbvio que chá começa com “c”! — disse o Rei. — Você acha que eu sou idiota? Continue!

 

— Eu sou pobre — continuou o Chapeleiro —, e a maioria das coisas cintilaram depois disso… foi quando a Lebre de Março disse que…

 

— Eu não disse — interrompeu a Lebre, com a maior pressa.

 

— Disse sim! — gritou o Chapeleiro.

 

— Eu nego! — retrucou a Lebre de Março no mesmo tom.

 

— Ele nega — disse o Rei. — Esqueçam essa parte.

 

— Bom, de qualquer maneira, a Preguiça disse… — continuou o Chapeleiro, olhando ao redor com impaciência para ver se ela também negaria.

 

Mas a Preguiça não negou, pois estava dormindo.

 

— Depois — continuou o Chapeleiro —, cortei mais um pedaço de pão com manteiga…

 

— Mas o que a Preguiça disse? — perguntou um membro do júri.

 

— Disso eu não lembro — disse o Chapeleiro.

 

— Você precisa lembrar — afirmou o Rei. — Ou ordenarei sua execução.

 

O coitado do Chapeleiro derrubou a xícara de chá e o pão com manteiga antes de se ajoelhar.

 

— Eu sou pobre, Majestade — ele começou.

 

— Seu discurso é muito pobre — disse o Rei.

 

Um dos porquinhos-da-índia vibrou e foi imediatamente suprimido pelos oficiais.

 

(Como essa palavra “suprimido” é um pouco estranha, vou explicar como tudo aconteceu: eles pegaram uma sacola de lona, amarrada com cordas, e enfiaram o porquinho-da-índia lá dentro, pela cabeça. Depois, sentaram-se em cima do saco.)

 

— Que legal poder presenciar tudo sendo feito — Alice comentou sozinha. — Já li sobre isso nos jornais, quando a notícia a respeito do julgamento informa que: “As tentativas de aplausos foram imediatamente suprimidas pelos oficiais da corte”. Eu não tinha entendido o significado até agora.

 

— Se isso é tudo o que sabe, está dispensado — disse o Rei.

 

— Não consigo despensar — disse o Chapeleiro. — Agora já pensei.

 

— Então sente-se e pronto — respondeu o Rei.

 

Neste momento, outro porquinho-da-índia vibrou e foi suprimido também.

 

“Viva, acabaram-se os porquinhos!”, pensou Alice. “Agora vai melhorar.”

 

— Prefiro terminar meu chá — disse o Chapeleiro, olhando impaciente para a Rainha, que lia a lista de cantores.

 

— Você pode ir — disse o Rei.

 

Imediatamente, o Chapeleiro saiu correndo do tribunal tão rápido que sequer calçou os sapatos.

 

— … e arranquem a cabeça dele lá fora — a Rainha disse a um dos oficiais, mas o Chapeleiro já estava longe e inalcançável.

 

— Próxima testemunha — disse o Rei.

 

Era a vez da cozinheira da Duquesa. Trazia consigo uma caixa de pimenta. Alice adivinhou quem era antes mesmo de ela entrar na corte, pelo jeito com que as pessoas perto da porta começaram a espirrar todas de uma vez.

 

— Apresente seu depoimento — disse o Rei.

 

— Apresento nada — disse a Cozinheira.

 

O Rei olhou nervoso para o Coelho Branco, que disse em voz baixa:

 

— Vossa Majestade deve interrogar esta testemunha.

 

— Bom, se devo, então devo — disse o Rei, com certa melancolia.

 

Após cruzar os braços e franzir o rosto até que seus olhos quase desaparecessem, disse em um tom grave:

 

— De que são feitas as tortas?

 

— De pimenta, principalmente — disse a Cozinheira.

 

— Melaço — disse uma voz sonolenta atrás dela.

 

— Prendam essa Preguiça! — gritou a Rainha. — Cortem a cabeça da Preguiça! Removam a Preguiça do tribunal! Suprimam! Espremam! Arranquem seus olhos!

 

Por alguns minutos, o tribunal inteiro afundou no caos ao buscar uma solução para se livrar da Preguiça. Quando se organizaram novamente, a Cozinheira havia desaparecido.

 

— Não tem problema! — disse o Rei, muito aliviado. — Próxima testemunha!

 

E acrescentou, baixinho, à Rainha:

 

— Querida, de verdade, você deve interrogar a próxima testemunha. Ela me dá enxaqueca!

 

Alice viu o Coelho Branco fuçando na lista, muito curiosa para saber quem seria a próxima testemunha.

 

Até agora eles não têm evidência de nada — disse consigo mesma.

 

Imaginem a surpresa de Alice quando o Coelho Branco leu, com a máxima potência de sua vozinha:

 

— Alice! 

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