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Alice no País das Maravilhas

Capítulos 12

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Alice no País das Maravilhas UMA PISCINA DE LÁGRIMAS

Está cada vez mais interessanto! — gritou Alice. Ela estava tão surpresa que, por um momento, até se esqueceu de como falar corretamente. — Agora estou me esticando como se fosse a maior luneta do mundo! Adeus, pés!

 

Quando olhou para baixo, eles pareciam quase fora do seu campo de visão, de tão distantes.

 

— Oh, pobres pezinhos! Quem colocará meias e sapatos em vocês agora, meus queridos? Eu que não vou, pois estarei longe demais para me preocupar. É melhor se virarem como conseguirem. Se bem que preciso ser boazinha com eles — ponderou Alice. — Ou poderão não andar para o lado que eu quiser. Deixe-me ver: ah, já sei! Todo Natal vou presenteá-los com um novo par de sapatos!

 

E seguiu planejando como resolveria o problema.

 

— Precisarei enviar pelo correio. Será muito engraçado: mandar um presente para meus próprios pés! O endereçamento vai ficar muito esquisito!

 

Ao Digníssimo Pé Direito. Tapete, perto da Lareira (com amor, Alice).

 

— Céus, que absurdo estou falando!

 

Justamente nessa hora ela bateu com a cabeça no teto do salão: Alice agora tinha três metros. Em um instante, agarrou a chavezinha dourada e se apressou na direção do jardim.

 

Pobre Alice! Tudo o que ela podia fazer era deitar-se de lado para olhar o jardim com um dos olhos. Atravessar a porta estava mais difícil que nunca! Sentou e voltou a chorar.

 

— Você deveria se envergonhar! — ela disse. — Uma menina grande como você chorar assim! Pare agora, estou mandando!

 

Mas continuou do mesmo jeito, derramando galões de lágrimas até formar uma piscina ao redor de si mesma, com dez centímetros de profundidade e cobrindo metade do salão.

 

Depois de um tempo, escutou baixinho um som de passos e, apressadamente, secou os olhos úmidos para ver quem vinha. Era o Coelho Branco que voltava, vestido de um jeito esplêndido, com um par de luvas de pelica em uma das mãos e um grande abanador na outra. Com a maior pressa do mundo, resmungava:

 

— Ai, a Duquesa! Ai, a Duquesa! Ela vai ficar uma fera por eu tê- la deixado esperando!

 

Alice se desesperou a ponto de pedir ajuda para qualquer um. Então, quando o Coelho Branco se aproximou, lá foi ela, com uma voz e tímida:

 

— Com licença, senhor…

 

E o Coelho partiu descontrolado, deixando cair as luvas e o abanador, escapando para a escuridão o mais rápido que podia.

 

Como o salão estava quentíssimo, Alice pegou as coisas do chão e ficou se abanando:

 

— Poxa vida, poxa vida! Está tudo tão esquisito hoje! Ontem tudo correu normalmente. Será que fui trocada durante a noite? Deixe-me pensar… vejamos: será que eu era eu mesma quando acordei esta manhã? Estou quase achando que levantei da cama me sentindo um pouco diferente. Se eu não sou mais a mesma, a pergunta inevitável é: quem, neste mundo, eu sou? Esse é o enigma!

 

Então, começou a pensar em todas as crianças da mesma idade que conhecia, para ver se tinha sido trocada por alguma delas.

 

— A Ada com certeza eu não sou — ela disse. — Porque o cabelo dela é todo cacheado e o meu não tem cachos. E com certeza não posso ser a Mabel, porque eu sei várias coisas e ela não sabe quase nada! Além disso, ela é ela e eu sou eu. Minha nossa, que confusão! Vou me testar para ver se ainda sei de tudo o que sabia: quatro vezes cinco igual a doze. Quatro vezes seis igual a treze. Quatro vezes sete igual a… Caramba! Assim eu nunca vou chegar no vinte. Mas a tabuada não quer dizer que fui trocada, vamos tentar Geografia. Londres é a capital de Paris, Paris é a capital de Roma, e Roma… Minha nossa, está tudo errado! Devo ter virado a Mabel. Vou tentar recitar “O pequenino crocodilo”.²

 

Alice então cruzou as mãos sobre seu colo como se fosse uma professora e passou a repetir uma canção, mas sua voz estava rouca e estranha. As palavras não surgiam como deveriam. Ela recitou:

 

— O pequenino crocodilo Da cauda no capricho

 

Sacode as águas do Rio Nilo Com o seu reboliço.

 

Cheinho de felicidade estica o gogó

 

pra receber com amizade lindos peixes, ô dó!”

 

— Tenho certeza de que a canção não é assim — a pobrezinha disse.

 

Com os olhos lacrimejando, continuou o raciocínio:

 

— Devo mesmo ter virado a Mabel e vou precisar morar naquela casinha acanhada, quase sem nenhum brinquedo e cheia de lição pra fazer! Não, eu já me decidi: se eu for mesmo a Mabel, fico aqui embaixo! Nem adianta enfiar a cabeça na toca para me chamar. Se me chamarem de volta, vou olhar para cima e perguntar: “Quem é que eu sou? Respondam isso primeiro e, se eu quiser ser a tal pessoa, subo. Senão, fico aqui até que eu me transforme em outra”. Minha nossa — disse Alice —, como eu queria que me chamassem! Já estou muito cansada de ficar sozinha!

 

Ao dizer isso, notou com surpresa que havia calçado uma das luvas do Coelho Branco.

 

“Como é que eu fiz isso?”, pensou Alice. “Devo estar diminuindo de volta.”

 

Levantou-se e foi até a mesa para se medir. Alice tinha agora um pouco mais de meio metro e encolhia cada vez mais. Ela logo percebeu que o abanador a fazia diminuir e jogou-o no chão a tempo de evitar que encolhesse a ponto de desaparecer.

 

— Essa foi por pouco! — ela disse, bem assustada com a mudança repentina, mas contente por ainda existir. — Vamos para o jardim!

 

E correu o quanto podia até a portinha, mas caramba, estava trancada de novo, com a chavezinha dourada ainda sobre a mesa.

 

“Estou pior do que nunca!”, pensou a coitada da criança. “Eu nunca estive tão pequenininha, nunca! E é horrível!”

 

Seus pés escorregaram enquanto dizia essas palavras e tchibum! Em um segundo ela já estava coberta de água salgada até o queixo. Sua primeira impressão foi de que tinha caído no mar.

 

“Nesse caso, posso voltar de trem”, refletiu.

 

Alice foi à praia certa vez e concluiu que, em qualquer parte do litoral, você encontrará máquinas de banho³, crianças cavando na areia, uma fileira de pousadas e, atrás disso tudo, uma estação de trem.

 

Porém, logo entendeu que estava na piscina das lágrimas choradas por ela mesma quando media três metros.

 

— Eu queria não ter chorado tanto! — ela disse, nadando em busca de alguma saída. — Agora acabarei afogada nas minhas próprias lágrimas. Será a coisa mais esquisita que já vi, em um dia em que já está tudo muito estranho!

 

Foi então que ouviu algo se debater na piscina. Chegou mais perto para ver o que era. De início, pensou que fosse uma morsa ou um hipopótamo, mas então se recordou de como estava miúda e percebeu que era só um camundongo que também havia escorregado ali dentro, como ela.

 

“Será que adianta falar com esse camundongo?”, pensou Alice. “É tudo tão fora do normal aqui embaixo que ele, muito provavelmente, também deve falar. Além disso, tentar não vai fazer mal nenhum.”

 

Então, lá foi ela:

 

— Ó Camundongo! Você por acaso sabe como sair desta piscina? Já me cansei de ficar nadando por aqui, viu, ó Camundongo!

 

Alice achou que essa era a maneira correta de se dirigir a um camundongo. Nunca tinha feito isso antes, no entanto, recordava-se de ter visto na Gramática latina do irmão, “Um camundongo… de um camundongo… para um camundongo… um camundongo… ó camundongo!”.

 

O Camundongo a olhou de modo inquisitivo e pareceu piscar um de seus olhinhos, mas não disse nada.

 

“Talvez ele não entenda a minha língua” pensou Alice. “Ouso dizer que é um camundongo francês, companheiro de Guilherme, o Conquistador.”4

 

É que, dado seu vasto conhecimento de História, Alice não tinha muita clareza sobre quão antigos eram os acontecimentos.

 

Então, recomeçou o assunto.

 

Ou est ma chatte? — A frase, que significa “onde está minha gata?”, era a primeira do livro de francês de Alice.

 

O Camundongo saltou com violência da água e parecia se tremer inteiro de pavor.

 

— Perdoe-me, por favor! — suplicou Alice, com medo de ter ferido os sentimentos do animalzinho. — Esqueci que você não gosta de gatos.

 

— Não gosto de gato! — guinchou o Camundongo, veemente. — Você gostaria de gatos se fosse eu?

 

— Bem, talvez não — disse ela, em um tom calmo. — Não fique bravo por isso. Ah, eu adoraria lhe mostrar nossa gata, a Diná. Você passaria a ter carinho por gatos se ao menos pudesse vê-la. Ela é muito querida e tranquila.

 

E continuou, meio para si mesma, enquanto se espreguiçava pela piscina.

 

— Ela ronrona tão boazinha perto da lareira, lambendo as patas e limpando o focinho. É fofinha e ótima para fazer carinho. E ela é impossível caçando roedores… ai, perdoe-me, por favor! — suplicou novamente.

 

Desta vez, o Camundongo estava todo arrepiado e Alice teve certeza de que tinha sido ofensiva.

 

— Não falaremos mais dela se você não quiser — ela disse.

 

— Não mesmo! — berrou o Camundongo.

 

Tremia das orelhas à ponta do rabo.

 

— Até parece que eu falaria de um assunto desses! Nossa família sempre odiou gatos, esses animais sórdidos, baixos, vulgares! Não me faça ouvir esse nome de novo!

 

— E não vou mesmo! — ela disse, apressada para mudar de assunto. — Você… você gosta de… de… de cachorros?

 

O Camundongo não respondeu, então Alice continuou, ansiosa:

 

— Tem um cachorrinho tão lindo perto da nossa casa, eu adoraria lhe apresentar! Um pequeno terrier de olhos claros, sabe, com aquele pelo marrom bem enrolado! E ele busca as coisas que você arremessa. Depois, se senta implorando pelo jantar e tudo o mais… não consigo lembrar nem metade das coisas que ele é capaz de fazer… e ele pertence a um fazendeiro, sabe? O dono dele o acha

 

muito útil, diz que vale pelo menos cem libras! E o dono diz que ele mata tudo quanto é rat… ai, poxa vida! — choramingou Alice. — Parece que o ofendi outra vez!

 

O Camundongo fugiu dela com toda força, provocando ondas em toda a piscina enquanto nadava.

 

Então Alice o chamou delicadamente.

 

— Camundongo, meu querido! Volte aqui, não falaremos mais nem de gato nem de cachorro já que você não gosta deles!

 

Ele ouviu, deu meia volta e flutuou lentamente em direção a Alice.

 

— Vamos para a beirada, lá eu contarei minha história e você vai entender por que é que odeio gatos e cachorros — ele disse.

 

Já era hora de ir, pois a piscina estava ficando congestionada com os pássaros e animais que tinham caído nela: havia um Pato e um Dodô, um Periquito Arco-Íris, uma Águia e mais um punhado de bichos interessantes. Alice abriu caminho e toda a patota emplumada a seguiu até a beirada. 

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