APAIXONADO PELA BABÁ DAS MINHAS SOBRINHAS CAPÍTULO 8 – OS MEDOS DE FLÁVIA
*Flávia narrando**
O segundo dia na mansão Hawthorne amanheceu nublado em Manhattan. O céu carregado de cinza parecia combinar com o frio que sentia nas costas ao lembrar da noite anterior. Até então, tudo havia corrido bem no trabalho – ou quase. Ainda me perguntava o que o senhor Hawthorne pensaria ao lembrar da minha rebeldia, e da forma como reagi ao seu presente. Sorri ao lembrar como um vestido azul sem de seda sem graça ficou todo colorido. Mas antes que pudesse ruminar mais, as gêmeas invadiram meu quarto como um furacão de cores.
— Fláviaaaa! — gritaram Mel e Bia, pulando em meu colo antes que eu pudesse reagir. Estavam desgrenhadas, de pantufas de coelho rosa e verde, com mechas de cabelo presas de qualquer jeito. Seus olhos brilhavam como se carregassem o sol que faltava lá fora.
— Nossa, que energia! — ri, beijando a testa de cada uma. — Que bom que acordaram cedo. Mas… o que é isso nas mãos de vocês?
Mel ergueu um pincel sujo de tinta azul-turquesa, eufórica:
— Continuamos seu trabalho! A casa tá toda colorida agora!
— Colorida? — engoli seco, imaginando paredes riscadas e móveis manchados.
Bia deu uma risadinha marota:
— É surpresa, Flávia! Até a Rosália adorou. E o Pedro também ajudou!
— Pedro… o segurança?
— Simm! — responderam em uníssono, escapulindo pela porta antes que eu as interrogasse. — Vamos nos arrumar pro colégio!
Desci as escadas correndo e confesso que meu coração estava um pouco acelerado. No salão principal, o ar gelou. Rosália, a governanta, passou com um broche de fênix cintilante no coque. Sônia, a cozinheira, exibia unicórnios saltitantes no avental antes imaculado. Até Pedro, na entrada, ostentava uma gravata com dragões dourados.
— Lindo, né? — sussurrou Mel, aparecendo do nada.
— Acho que o tio Hawt vai adorar a xícara dele também! Era tão sem graça agora está colorida também!
Ao dizer isso subiu correndo toda feliz.“Tio Hawt”. Pensei.
E como se o tivesse invocado. Quando me virei Rafael Hawthorne. Apareceu estava ali. Parado na curva da escada, traje impecável, olhos frios varrendo cada detalhe do caos colorido. Seu olhar cruzou o meu por um segundo – e foi suficiente. Tudo em mim travou.
— Flávia. — A voz dele cortou o silêncio, grave. — Apronte as gêmeas para o café sairemos em breve.
— S-sim, senhor. — A resposta saiu automática, mas meu corpo não se moveu. Seus passos ecoaram atrás de mim, lentos, até que desapareceram no corredor.
“Droga.” Apertei as mãos para parar de tremer. “Não é ele. Não é igual.” Mas o coração batia como se quisesse fugir do peito. Até quando um simples olhar me faria reviver tudo de novo?
As risadas das gêmeas ecoavam lá em cima, inocentes. Sorri amarga. Pelo menos a mansão cinzenta de Hawthorne agora tinha cores – mesmo que eu pagasse por elas mais tarde.
Momentos depois, desci novamente com as gêmeas para o café da manhã, ainda tentando limpar as unhas de Mel, marcadas por tinta roxa. As risadas das meninas ecoavam, mas meu sorriso congelou quando Rafael Hawthorne retornou. Mel e Bia correram até ele, segurando as pernas dele.
— Bom dia, tio Hawt! — falaram em uníssono
— Bom dia princesa! — disse ele se abaixando para beijar o rosto delas.
Ao sentar-nos à mesa, os olhos dele não saiam de cima de mim novamente. Rafael ergueu a sua xícara para tomar café quando viu o desenho de Mel, uma criatura verde que cuspia "fogo" em forma de corações, estudando-a. Por um instante, os cantos de sua boca tencionaram — quase um sorriso. Quase. Mas quando seus olhos se voltaram para mim, qualquer calor desapareceu.
Ele murmurou algo, que somente Mel ouviu, baixando a xícara. Seu olhar era um corte limpo, inexpressivo, depois saiu dali com a xícara na mão:
— Ele adorou! — cochichou Mel, puxando minha manga. — Viu como levou pro escritório?
Eu não respondi nada, porém sabia que teria que defender as gêmeas mais tarde, afinal foi eu que incentivei tamanha “arte não?” Pensei.
Até aquele momento, eu estava esperando ser repreendida novamente pelo senhor Rafael, mas não esperava ficar tão assustada com o seu olhar e sua voz quando desci para pegar o material escolar das pequenas na sala de estudos.
Seus olhos ainda me queimavam. Aquele olhar... Não era raiva. Era algo mais profundo, mais “familiarc. Como se estivesse decifrando cada curva do meu corpo sob o uniforme. Meu estômago revirou.
— Flávia. — Ele pronunciou meu nome como uma ordem, aproximando-se. — Apronte as gêmeas. O carro as espera.
Seu sotaque arrastou a palavra "apronte" como um dedo percorrendo minha nuca. XNão. Não é igual. Rafael não é como ele.” Mas meu corpo não ouvia. Travou. Seus olhos — castanhos, pesados, “ávidos” — eram idênticos aos daquele homem, anos atrás, que me encurralou contra a parede com um sorriso sujo. A mesma luxúria disfarçada de casualidade.
— Sim, senhor — engoli em seco, as mãos trêmulas puxando as gêmeas para a porta.
No carro, enquanto ele mesmo dirigia, eu me agarrei à bolsa das meninas como um salva-vidas. Meu coração martelava tanto que mal ouvia Bia cantarolar. No retrovisor, me olhou brevemente — um gesto normal, rápido —, mas eu encolhi os ombros, fingindo ajustar o cinto. “Não olhe. Não é ele. Não está te desejando.” Mas as memórias voltavam: mãos ásperas puxando meu cabelo, respiração embriagada no meu pescoço, a gargalhada dele quando eu supliquei para parar.
— Flávia? Tudo bem? — Mel tocou meu braço, e eu forcei um aceno.
“Droga.” Apertei os olhos, envergonhada. Dois anos de terapia, e ainda tremia como uma criança ao sentir um olhar masculino. Até o segurança, até meu “patrão”. Rafael não havia feito nada. “Nada”. Mas bastava um segundo daquele olhar para eu sentir minhas pernas se abrirem à força novamente, para o pânico inundar minha garganta. Até ontem a noite quando sorri para Rafael depois da minha rebeldia acreditava que tudo tinha mudado, mas não bastou imaginar coisas e agora estou em pânico.
— Olha, Flávia! — Bia apontou para a xícara esquecida no porta-copos, o dragão de Mel sorrindo sob a luz do sol. — O tio Hawt “gostou”. Ele só não sabe como dizer.
Eu olhei para o desenho, as cores vibrantes contrastando com o couro frio do carro. Talvez ela estivesse certa. Talvez eu estivesse enxergando monstros onde só havia sombras.
Mas no fundo, sabia: algumas sombras ainda tinham garras. Mais tarde, porém Rafael me chamou para o seu escritório.
O escritório cheirava a madeira encerada e poder. Sentei-me na cadeira de couro, as mãos suadas coladas ao colo, enquanto ele fechava a porta com um clique suave. Seu olhar atravessou a sala como uma faca, mas desta vez, havia algo diferente — a xícara pintada por Mel repousava sobre a mesa, o dragão verde encarando-me com seus corações de fogo.
— Senhor Hawthorne, se me chamou para me repreender sobre os desenhos nas roupas dos empregados, eu entendo. Jamais deveria ter chegado a esse ponto. Eu só queria me desculpar por isso…
— Senhorita Carter — começou ele, os dedos tamborilando levemente no braço da poltrona. — Sei que está mentindo para proteger as gêmeas.
— Senhor, eu…
— Pare. — A voz dele foi suave, quase cansada. — As meninas já confessaram. Com orgulho, diga-se. — Um canto da boca dele subiu, brevemente, como se a xícara à sua frente o traísse. — Mel até me ameaçou: “Se brigar com a Flávia, apago todos os seus e-mails!”.
Um riso escapou de mim, cortado pela surpresa. Rafael Hawthorne “sorrindo”? Era como ver uma estátua de gelo rachar.
— Elas me protegeram? — murmurei, mais para mim mesma.
— E você as protegeu. Um ciclo adorável. — Ele inclinou-se para frente, os cotovelos apoiados na mesa. — Mas não é sobre isso que quero falar.
O ar ficou pesado novamente. Meus dedos se enterraram no tecido do vestido, buscando firmeza.
— Contratarei seguranças particulares para as gêmeas — anunciou, os olhos fixos nos meus, como se testasse minha reação. — Eles as acompanharão em todos os lugares. Inclusive com você.
— Entendo — disse, a voz mais firme do que esperava. — É necessário.
Ele arqueou uma sobrancelha, surpreso.
— Nenhuma objeção?
Mesmo que quisesse discordar, não podia. As meninas realmente mereciam proteção. Eu, como mulher, sabia perfeitamente o quanto nós — mulheres e crianças — precisamos de segurança em um mundo que nos devora com olhares e ameaças.
— Não vejo problema algum, senhor.
— Não mesmo? — Ele inclinou a cabeça, estudando minha reação como um cientista diante de uma cobaia.
Balancei a cabeça, e ele respondeu com um "Ótimo" seco.
— Amanhã você conhecerá os novos seguranças: Heitor e Lucas. Ok?
“Heitor. Lucas.” Nomes comuns, mas que soavam como sinos de alerta. Mais rostos desconhecidos. Mais olhares que poderiam esconder intenções tortas. Mas mantive o rosto impassível.
— Era só isso? Já posso me retirar? — perguntei, os dedos apertando a borda da cadeira.
— Sim. Era só isso — respondeu ele, ainda com aquele olhar penetrante. Porém, havia algo novo ali… uma faísca de curiosidade? Preocupação? Tinha medo de decifrar.
Assenti, levantando-me antes que minhas pernas traíssem o tremor. Mas ao virar para sair, sua voz me deteve:
— Flávia.
“Não olhe para trás.” Virei.
Ele estava de pé, a luz da janela cortando seu rosto em claros e escuros.
— Elas precisam de você. — A voz dele, baixa, quase humana. — Não deixe que… medos… as afastem disso.
Fiquei paralisada. Era um aviso? Uma admissão? Antes que pudesse perguntar, ele virou-se para a estante, encerrando a conversa.
Saí do escritório antes que minha respiração descompassada traísse o pânico. Mas assim que fechei a porta, as gêmeas surgiram como fantasminhas de trás de uma estátua grega, puxando meu braço com urgência.
— Flávia! — Mel sussurrou, colando os lábios no meu ouvido. — Precisamos te mostrar algo que encontramos no sótão. Mas é segredo!
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