Fio-de-luz Fio de luz – O diamante e a cicatriz
Sentado em sua grande mesa de mogno, no escritório opulento que um dia sonhara ter, o velho tomava seu uísque e admirava aquele anel.
Uma grande pedra em formato de pera cintilava sob a luz.
Então olhou para a mão direita e viu a cicatriz — uma antiga queimadura. Sorriu de canto.
Lembrava-se bem de como a conseguiu.
O dia estava quente demais. Ele pensava que talvez o inferno tivesse uma temperatura semelhante. Detestava trabalhar naquelas minas. Um dia, quem sabe, seria dono de tudo aquilo.
Mas, por enquanto, as costas ardiam, o suor escorria e as mãos ganhavam novos calos.
Ele olhava em volta e pensava consigo: “que lugar miserável.”
Ainda assim, juntava suas economias — seus dias ali estavam contados.
Se conseguisse esconder uma delas, uma só, não precisava ser grande. Uma pequena pedrinha daquelas já aceleraria seus planos.
Mas os capatazes pareciam ter olhos de águia, e havia a revista na saída. Tinham que ficar nus, toda vez. Era humilhante.
Até que, numa tarde voltando do inferno, ele viu um rapaz bem-vestido, andando e lendo o jornal ao mesmo tempo.
E, para surpresa de ninguém, tropeçou e quase caiu por conta da própria distração.
“Que imbecil”, pensou o minerador.
Mas havia algo naquele rapaz que chamou sua atenção.
Decidiu segui-lo — talvez conseguisse furtar-lhe algo valioso. Ele estava tão distraído…
Continuaram andando até que o rapaz começou a atravessar a rua sem olhar para os lados. Um carro vinha em alta velocidade.
Num impulso, o minerador correu e o empurrou, fazendo com que ambos caíssem no chão.
— Meu Deus! Está louco?! — gritou o rapaz, irritado.
Mas logo a raiva deu lugar à gratidão ao perceber que aquele homem havia salvado sua vida.
— Você é que devia olhar por onde anda, idiota! — retrucou o minerador.
O rapaz sorriu, pediu desculpas e, em agradecimento, ofereceu-se para pagar-lhe um café.
— Café? — o minerador bufou. — Quero é uma cerveja. Está quente demais pra café.
Assim ele conheceu aquele rapaz.
Depois de alguns copos, o jovem se apresentou: era filho de um joalheiro local, ambicioso, cansado da vida atrás do balcão do pai.
Tinha alguns planos, e também alguns segredos.
À medida que a noite avançava, as línguas se soltaram.
— Tem um homem nos Estados Unidos que conseguiu fazer diamantes em laboratório — confidenciou o rapaz, animado. — Imagine só… ter um diamante sem precisar de uma mina!
O minerador riu, incrédulo.
— Isso é balela. Mentira.
— Claro que não! — insistiu o rapaz. — Basta grafite e um laboratório capaz de gerar pressão e calor. É o futuro da indústria dos diamantes. Imagine: acabar com o monopólio e com toda essa exploração miserável! Tenho quase tudo que preciso.
O minerador ficou pensativo.
Talvez essa fosse sua chance.
Uma amizade nasceu a partir daquele dia. E os dois começaram a trabalhar juntos.
Depois de anos de tentativas — e algumas explosões — finalmente criaram algo lindo: um diamante artificial.
Ninguém diria que não fora minerado. Era grande e lapidado em formato de pera.
Seria a amostra do triunfo, o símbolo do novo império.
O jovem queria dar o anel à esposa, grávida e cansada das dificuldades.
Mas o ex-minerador, agora sócio, detestava aquela mulher. Se o diamante fosse de alguém, seria dele.
Ainda assim, disfarçou:
— O diamante pertence à companhia. É o símbolo do nosso esforço. Deve ficar aqui, na sede, como lembrete de onde viemos. Com essa belezura, sua patroa não vai precisar se preocupar com dinheiro — ele vai entrar aos montes.
E entrou.
Os investidores se renderam à ideia. O mundo queria o novo.
Mas ele queria mais.
O tempo passou, e os rendimentos da companhia só aumentaram.
Não havia mais insegurança financeira.
Mas aquele rapaz, com toda sua elegância, tomava os holofotes e ele permanecia na sombra.
Ele queria também o destaque, o glamour da fama. Queria tudo. Isso o corroía.
Numa tarde quente, dia de fiscalizar o laboratório, enquanto eles ouviam o supervisor relatar as metas alcançadas e justificar as falhas quando houve um clarão, seguido de um barulho ensurdecedor.
As estruturas da local ficaram abaladas. A prensa de alta pressão — aquela que precisava de manutenção — havia explodido.
Entre gritos e fumaça, o ex-minerador viu o jovem caído, preso sob uma estrutura metálica. Ainda respirava e pedia por ajuda.
Correu até ele, tentou remover a peça, mas o metal estava incandescente. A queimadura em sua mão latejou.
Ele, calculista, analisou a situação, talvez, pensou, aquela fosse sua chance outra vez.
— Vou buscar ajuda — disse.
Mas apenas saiu.
A ajuda nunca chegou.
Nos dias seguintes, foi ele quem cuidou de “tudo o que restava”.
Com lágrimas falsas e promessas mentirosas, foi gentil e solícito com a viúva.
A mulher, abalada pela perda precoce do amado marido assinou vários documentos — “apenas documentos para agilizar o inventário”, dizia ele.
Em pouco tempo, metade da companhia já estava em seu nome.
Após isso, ele precisou apenas de um contador inescrupuloso e um cartório que foi generosamente recompensado para fazer vista grossa.
E assim ele se tornou o único dono da companhia que um dia fora de dois.
Pagou à viúva uma quantia “honrosa”, o bastante para criar o filho e calar as perguntas.
E o resto foi silêncio.
Agora, décadas depois, o velho olhava o anel entre os dedos enrugados.
Seu primeiro diamante.
Seu troféu.
Seu pecado.
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