Fio-de-luz Fio de Luz — O Confronto
Ele chegou em casa tarde, mais uma vez. Estava cansado. Passou pela sala de jantar: a mesa, vazia. Ela não o havia esperado para jantar. Fazia sentido — ela devia estar furiosa com ele.
Havia dias em que ele chegava tarde; mal conversavam, já não jantavam juntos. No começo, ela ainda o esperava com a mesa posta, mas, ultimamente, já estava dormindo quando ele chegava. Em algumas noites dava para perceber que ela havia chorado.
Hoje a casa estava silenciosa — até demais. Ouviu apenas o som dos próprios sapatos, sentindo o piso ranger sob os passos. Tirou o paletó, a gravata e começou a desabotoar a camisa.
Ao entrar no quarto, viu a luz acesa. Ela estava sentada na penteadeira, de robe, com uma taça de vinho em uma mão e batia os dedos da outra na mesa, de forma nervosa e repetitiva. À sua frente havia uma pilha de documentos e o anel que ele havia furtado da viúva.
Ela estava séria e não olhou para ele quando disse, sem levantar:
— Precisamos conversar.
Ele suspirou.
— Precisa ser agora? — respondeu, já exausto. — Estou cansado.
— Sim. Agora. Eu preciso ouvir de você — disse ela, rispidamente.
— Ouvir o quê? O que houve? O que são esses papéis?
Ele se aproximou e tentou beijá-la, mas ela se esquivou e levantou.
— É uma pesquisa que fiz. Sobre esse anel e sobre uma companhia de diamantes originária da África do Sul. Qual é a sua relação com eles?
Ele a fitava, incrédulo. “O que será que ela havia descoberto?”, pensou.
— E por que tanta obsessão com aquela viúva?
Ele fez uma careta. “Será que era isso? Ela desconfia de uma infidelidade?”
— Descobri seus compromissos em Nova Iorque — todos coincidiam com locais em que ela também estava. E pior: descobri que ela esteve em sua suíte e foi embora pouco antes de eu chegar! O cheiro dela ainda estava no quarto quando cheguei! — Ela falava alto e andava pelo quarto, gesticulando, furiosa.
— Você a trouxe para nossa casa! Nosso lar! Me deu esse anel sujo, da sua amante!
— O que está dizendo? Já te disse que não tenho nada com ela! — Ele respondeu à altura.
— Mentira! — gritou ela, jogando os papéis sobre ele.
Ele os pegou e começou a folheá-los.
— Por que está me investigando? — perguntou, agora também irritado.
— Porque a única explicação que vejo é que você está me traindo com aquela mulher e que juntos planejam me dar um golpe! — ela gritou, a voz trêmula.
Ele a observou em silêncio.
— Viu? — ela continuou, agora com voz mais baixa, tentando conter as lágrimas. — Você não tem respostas! Por que não me responde? Não tente inventar nada, nem me dar explicações evasivas. Eu não te vejo há dias; você diz que a agenda está lotada, mas sei muito bem que não há compromisso registrado.
Falava olhando intensamente para ele. Nervosa, mas firme. — A única forma que encontrei para tentar te entender foi investigar. E é um absurdo ter que investigar meu próprio marido porque ele não é capaz de responder com honestidade.
Ele suspirou novamente, coçou os olhos — não queria encará-la.
— Me responda! — ela gritou outra vez, já sem conter as lágrimas.
Já era hora. Não poderia mais esconder seu passado dela.
— Tudo bem. Eu vou contar. — Ele apontou para uma poltrona, convidando-a a sentar. — Mas preciso que se acalme e não me interrompa. Tome, beba um pouco do vinho. — Ele encheu novamente a taça e lhe entregou.
Foi até o cofre no closet, buscou uma pasta de documentos, entregou a ela e sentou-se na poltrona oposta. Esfregou o rosto; sua cabeça latejava.
— Meu pai era filho de um joalheiro em Kimberley, na África do Sul. Meu avô queria que ele seguisse os negócios da família — era uma loja pequena, mas próspera. Meu pai, porém, queria mais. Descobriu que cientistas nos Estados Unidos haviam desenvolvido diamantes em laboratório — por pressão e calor, usando grafite como matéria-prima. Assim, não seria preciso comprar uma mina nem contratar mineradores; bastaria comprar o material. Conheceu um minerador; tornaram-se amigos e abriram uma sociedade. Como meu pai tinha mais recursos e o conhecimento técnico, suas ações eram maiores: 55%, para ser exato.
— Quando conseguiram fabricar o primeiro diamante — aquele que está no anel que lhe dei — minha mãe estava grávida de mim. A companhia cresceu e dava lucros. Mas quando eu tinha cerca de dez anos, houve um acidente no laboratório, e meu pai foi uma das vítimas.
Ele levantou, foi até a janela e observou o jardim.
— Minha mãe recebeu uma indenização, mas o sócio do meu pai aproveitou-se do luto para enganá-la e ficou com a empresa. Tivemos de vender a casa, fomos morar em um lugar mais humilde e vivemos com a indenização por um tempo. — Ele fez uma pausa. — Quando ela ficou doente, gastou a maior parte do dinheiro com tratamentos. Melhorou, mas ficamos quase sem recursos.
Ele suspirou e tomou um gole do vinho dela. Sentia falta de sua mãe; ainda podia lembrar-se do cheiro do perfume dela.
— Quase passamos fome, mas minha mãe conseguiu emprego numa joalheria, e logo cedo eu comecei a trabalhar também.
— Você nunca me contou sobre isso — ela sussurrou, um pouco mais calma.
— Sim. Desde que me mudei, quando minha mãe faleceu, ocultei partes da minha história. Não queria que o velho sócio chegasse até mim. Ela sabia que havia sido vítima de um golpe e tentou reaver seus direitos. No leito de morte, prometi continuar sua luta e me vingar.
(Mas ele não lhe contaria que observava o velho de longe há muito tempo — e que talvez tivesse relação com sua morte. Que foi lhe visitar no hospital e viu o horror nos olhos do velho quando o reconheceu.)
Ela o observava em silêncio, fez um sinal para que continuasse — conhecia-o bem; sabia que havia mais.
— O sócio do meu pai não apenas enganou minha mãe. Ela tinha certeza de que ele teve culpa no acidente. Dizia que meu pai desconfiava que o sócio queria tirá-lo da liderança. E também dizia que aquele anel pertencera a ela — que, quando conseguisse comprar a parte do sócio, o anel voltaria ao seu dedo e passaria às futuras gerações.
— Como ela poderia saber que o sócio causou o acidente? — perguntou ela.
— Alguns empregados antigos nos visitaram após a morte de meu pai. Um deles confidenciou que a prensa principal, a que explodiu, precisava de manutenção — mas o sócio não queria gastar. Também houve um investigador que disse à minha mãe que meu pai ainda estava vivo quando os escombros caíram, e que o sócio foi a última pessoa vista com ele. Provavelmente, ele não avisou ninguém.
— E ninguém fez nada? — perguntou ela.
— Aí está a questão. O empregado desapareceu, e o relatório oficial não mencionou nada disso. Quando minha mãe contestou, disseram que ela estava fora de si, por causa do luto. — Ele fez uma pausa. — Imagino quanto dinheiro foi gasto em subornos.
Após algum tempo em silêncio, ele ouviu a voz dela:
— Então você quer vingança? — murmurou.
— Sim. Minha mãe tinha uma cópia autenticada do testamento do meu pai, que passava seus bens, incluindo sua participação na empresa, para seus herdeiros. Juntei outras provas — agora, com mais recursos e tecnologia que minha mãe possuía na época. A companhia de diamantes, que hoje pertence à viúva, é a mesma que meu pai ajudou a fundar. Quando o sócio morreu, vi uma brecha; por isso me aproximei dela.
Ela o olhava fixamente.
— Então você pretende jogar sujo, assim como fizeram com seu pai — disse ela, finalmente.
— Só quero tomar aquilo que me é de direito.
Ele se sentou novamente e a observou com carinho, dessa vez. Pegou a mão dela e a beijou.
— Desculpe se te causei angústia. Não queria te envolver. Não há nada íntimo entre mim e aquela mulher.
Ela sorriu, levantou-se, pegou o anel na penteadeira e o colocou no dedo. Foi até o marido e sentou-se em seu colo. Deu-lhe um breve beijo nos lábios e disse, em voz baixa e firme:
— Não seja tolo — ela passou as mãos em seu cabelo — diga-me, em que posso ajudá-lo.
Então ele sorriu, aliviado em saber que não estava mais lutando sozinho.
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