A Mulher da Capa Preta Capítulo 3
A Obsessão
A chuva caía incessante do lado de fora, uma cortina de gotas grossas que escorriam pelas vidraças embaçadas do pequeno apartamento de Arthur. Ele estava sentado à mesa da cozinha, com a luz pálida do abajur criando sombras alongadas nas paredes. O lugar estava uma bagunça: papéis espalhados, livros abertos em páginas marcadas, e um mural improvisado pendurado na parede com notas rabiscadas à mão. Cada pedaço de papel, cada linha escrita, tinha algo em comum: Carol.
Arthur passou os últimos dias vasculhando arquivos antigos, fazendo visitas a bibliotecas e conversando com pessoas que conheciam a história da Rua das Flores. A senhora que havia dito ser a mãe de Carol desapareceu da casa logo após sua visita, deixando a propriedade ainda mais deserta e sombria. Nenhuma pista, nenhuma confirmação de sua existência. Como se ele tivesse falado com um fantasma.
Ele tinha voltado ao cemitério duas vezes, vagando entre as lápides à noite, mas não havia sinal de Carol. Apenas o silêncio frio e o som dos ventos noturnos assobiando entre as árvores. Cada vez que retornava, sentia sua obsessão crescer, como uma maré escura que ameaçava afogá-lo. Ele não comia direito, não dormia — apenas pensava nela.
Na mesa à sua frente, uma foto desbotada mostrava um grupo de dançarinos em um baile, tirada em algum momento da década de 1950. Carol estava lá, exatamente como ele a havia visto, usando o mesmo vestido preto e a capa longa, como se o tempo não tivesse tocado seu rosto pálido e delicado. Mas isso era impossível. Como uma foto tão antiga poderia mostrar a mesma mulher?
Ele pressionou os dedos contra as têmporas, tentando dissipar a dor de cabeça constante que o acompanhava desde aquela noite. A resposta estava ali, em algum lugar entre as notas e os registros que ele conseguira reunir. Precisava entender quem — ou o quê — ela realmente era. E quanto mais tentava desvendar o mistério, mais a linha entre a realidade e a loucura se tornava tênue.
Foi então que ouviu um som — um leve toque de algo batendo na janela, quase imperceptível. Arthur congelou, o coração disparado. Girou lentamente na cadeira, os olhos fixos no vidro molhado da janela. Lá fora, apenas o escuro. Mas o som veio de novo. Uma batida suave, insistente.
Levantou-se devagar, cada passo pesado. Aproximou-se da janela e puxou a cortina com um movimento brusco.
Nada. Apenas a noite e a chuva.
Ele soltou a respiração que nem percebeu estar prendendo e fechou as cortinas novamente. Mas, quando se virou, quase caiu para trás. No meio da sala, onde antes só havia o piso vazio, agora estava a capa preta.
Exatamente a mesma capa que ele havia deixado dobrada no quarto de Carol. E Arthur não ousou tocá-la.
Arthur ficou paralisado, a mente incapaz de processar o que via. Como aquilo havia parado ali? O coração batia tão forte que ele pensou que explodiria a qualquer momento. Aproximou-se com cuidado, como se esperasse que a peça de roupa ganhasse vida e o atacasse.
A capa estava seca e impecável, dobrada perfeitamente como se tivesse sido colocada ali com cuidado. Tremendo, ele estendeu a mão e novamente exitou.
Então, algo deslizou de dentro do tecido e caiu no chão: um pequeno envelope de papel amarelado. Arthur o pegou com dedos trêmulos e, respirando fundo, o abriu.
Dentro, apenas uma palavra, escrita em uma caligrafia inclinada e delicada.
“Encontre-me.”
Ele sentiu o estômago revirar. A letra era familiar. Era dela.
Por um instante, Arthur pensou em fugir, sair daquele apartamento e nunca mais voltar. Mas a outra parte — a parte que ansiava por ela, a parte que não conseguia mais distinguir entre desejo e desespero — era mais forte. Ele apertou o papel nas mãos e, como em um transe, pegou seu casaco e saiu pela porta.
A noite parecia mais escura do que o normal. As ruas desertas, o som dos carros distantes abafado pela neblina pesada que se erguia do asfalto molhado. Arthur caminhava rápido, com uma pressa inquietante. Ele não sabia ao certo para onde ia, mas seus pés pareciam guiá-lo. As vozes em sua cabeça sussurravam baixo, e, a cada passo, ele sentia a presença dela se aproximando.
Foi então que percebeu onde estava.
Em frente ao cemitério.
Ele não sabia como havia chegado lá, mas o portão de ferro estava bem à sua frente, as barras escuras brilhando sob a luz fraca dos postes. O lugar parecia diferente à noite — mais vivo, de uma maneira doentia, como se as sombras se mexessem nas bordas de sua visão.
E no impulso, Arthur entrou.
O ar gelado o envolveu, e o silêncio parecia pesado, opressor. Cada passo ecoava nos túmulos, cada respiração formava nuvens brancas no ar úmido. Ele não sabia o que esperava encontrar, mas uma certeza crescia dentro de si: Carol estava ali.
Caminhou entre as lápides, os olhos varrendo a escuridão à procura de um sinal, qualquer coisa. E então, a viu.
Ela estava em pé, ao lado de uma lápide solitária, no meio de um pequeno campo de grama alta. A capa preta que antes ele viu em seu apartamento agora envolvia os ombros dela novamente, e o vestido preto fluía como sombras líquidas ao redor de seus pés. Os olhos, aqueles olhos hipnóticos e profundos, estavam fixos nele.
Arthur sentiu uma onda de emoções conflitantes: medo, desejo, raiva. Ela estava ali, real e intangível ao mesmo tempo, e ele precisava saber.
— Por quê? — ele gritou, a voz reverberando entre as lápides. — O que você quer de mim?
Ela apenas sorriu — um sorriso lento e triste.
— Eu queria dançar — respondeu, sua voz soando como o vento entre as árvores. — Só mais uma vez.
Arthur deu um passo para trás, as palavras dela o perfurando como gelo. Dançar? Era por isso que ela o havia atraído ali? Para uma última dança em meio aos mortos?
— Isso não faz sentido! — ele gritou, sentindo a sanidade escorrer por entre os dedos como areia.
— Nada faz sentido para aqueles que não aceitam — ela murmurou, e começou a andar em sua direção, passos leves e graciosos que não faziam som algum.
Arthur ficou paralisado, o olhar preso ao dela. Quando ela parou à sua frente, a capa roçando em seus pés, ele sentiu o mundo girar. Ela estendeu a mão, e ele, como um autômato, segurou-a. O frio o envolveu, mas havia uma paz ali, uma quietude que ele não conseguia explicar.
— Venha — ela sussurrou. — Só mais uma dança.
E então, sem saber por quê, Arthur a seguiu. E eles dançaram.
Rodopiaram entre as lápides, movendo-se em um ritmo que parecia vir de algum lugar distante e inatingível. Arthur sentia que estava se desfazendo, cada passo o levava mais fundo em um abismo onde tempo e espaço não existiam. Era um pesadelo e um sonho ao mesmo tempo.
Mas, mesmo enquanto sentia seu corpo se tornar mais leve e seu espírito se desprender, uma parte de si gritava.
"Ele queria entender. Precisava entender.
E quando a dança finalmente cessou, ela se inclinou e sussurrou em seu ouvido: 'Obrigada!'
E então, como uma sombra ao amanhecer, ela desapareceu. Arthur caiu de joelhos, os olhos arregalados e vazios. Ela havia partido de novo.
Mas não por muito tempo.
Ele sabia.
Ela voltaria. E ele estaria ali para encontrá-la. Sempre.
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