As Aventuras de Robin Hood Capítulo 04
Mal a porta começou a se abrir, um homem se enfiou de través para impedir que fosse fechada e entrou rápido. Ainda jovem, forte e de um tamanho descomunal, usava um hábito comprido, escuro, com capuz e mangas largas. Um cordão lhe servia de cinto, com um imenso rosário pendurado do lado, e a mão dele se apoiava num grosso e nodoso cajado de corniso.
Vestido da mesma maneira, um velho seguia humildemente o bem- disposto frade.
Após as saudações habituais, todos se juntaram à mesa com os recém- chegados, voltando a alegria e a confiança. Os moradores, no entanto, não tinham se esquecido do assobio no andar de cima e da resposta na floresta, mas disfarçavam a apreensão para não assustar os hóspedes.
— Bom e bravo lenhador, aceite minhas congratulações, sua mesa está admiravelmente bem servida! — exclamou o corpulento frade, devorando um enorme pedaço de assado. — Se não esperei que me convidassem para a ceia foi pelo fato de meu apetite, tão agudo quanto a lâmina de um punhal, não permitir delongas.
A maneira de falar e os modos do desinibido personagem estavam mais para os de um soldado no rancho do quartel do que para os de um homem da Igreja. Naquele tempo, contudo, os frades tinham grande liberdade de ação e eram muito numerosos; a sincera religiosidade e as virtudes da maioria deles mantinham o respeito que o povo estendia à classe inteira.
— Bom homem da floresta, que a bênção da santíssima Virgem derrame sobre a sua casa a felicidade e a paz! — disse o monge mais velho, abrindo um primeiro naco de pão, enquanto o seu companheiro devorava o que tinha à frente, regando tudo com sucessivas talagadas de cerveja.
— Os bons irmãos hão de perdoar a demora para abrir a porta — desculpou-se Gilbert. — A prudência…
— É claro… prudência nunca é demais — concordou o frade mais moço, tomando fôlego na mastigação. — Um bando de ferozes vigaristas anda por essa área. Há uma hora, se tanto, fomos abordados por dois miseráveis que, apesar de negarmos, insistiam em acreditar que escondíamos em nossos alforjes algumas amostras desse vil metal chamado dinheiro. Por são Bento! Bateram na porta certa e eu já me preparava para entoar nas costas deles um cântico a porretadas, quando um assobio, ao qual eles responderam, deu-lhes o sinal para a retirada.
Todos os demais à mesa se entreolharam com ansiedade e somente o frade, que filosoficamente continuava seus exercícios gastronômicos, parecia não se preocupar.
— Grande é a Providência de Deus! — prosseguiu ele após um curto silêncio. — Sem os latidos de um de seus cães, que reagiram aos assobios, não teríamos visto a casa e, já que a chuva começava também a cair, só nos restaria o consolo da água cristalina; como rezam, aliás, as regras da nossa
Assim dizendo, o monge encheu e esvaziou mais um copo de cerveja.
— Bom cachorro — acrescentou o religioso, se inclinando para fazer um afago no velho Lance que, por acaso, se deitara a seus pés. — Nobre animal!
Entretanto, rejeitando a atenção do monge, Lance se pôs de pé, esticou o pescoço, farejou e rosnou forte.
— Aqui, Lance! Aqui! — chamou Gilbert, passando a mão no pelo do animal. — O que houve?
Como se respondesse, o cão deu um salto até a porta e lá, sem latir, novamente farejou, atento, virou a cabeça para o seu dono e pareceu pedir, com os olhos inflamados de raiva, que lhe abrisse a porta.
— Robin, passe o meu bastão e pegue o seu — disse Gilbert em voz
— Conte comigo — disse o frade mais moço. — Tenho um braço de ferro, punhos de aço e um porrete de corniso. Tudo à disposição dos senhores, em caso de ataque.
— Obrigado — respondeu o guarda-florestal. — Achei que as regras da ordem proibissem o uso da força com tais propósitos.
— Elas antes de tudo ditam que se deve prestar socorro e assistência a meus semelhantes.
— Tenham paciência, meus filhos — disse o monge mais velho. — Não sejam os primeiros a atacar.
— Seguiremos o conselho, meu Vamos antes…
Mas Gilbert foi bruscamente interrompido na explicação do plano de defesa por um grito assustado de Marguerite. A pobre mulher acabava de entrever, no alto da escada, o ferido que se dizia moribundo. Paralisada de medo, ela apontava para o local da sinistra aparição. Todos os olhares buscaram na direção indicada, mas a escada voltara a estar vazia.
— Vamos, Maggie querida — disse Gilbert, antes de continuar com o plano de defesa. — Não trema desse jeito. O pobre coitado lá em cima não saiu da cama. Está fraco demais para isso. Devemos ter mais pena dele do que medo, pois se for atacado nem vai ter como se defender. Foi uma ilusão de óptica, Maggie.
Dizendo isso, o bom homem procurava, na verdade, disfarçar seus receios, pois somente ele e Robin sabiam a verdade a respeito do ferido. Provavelmente o bandido estava combinado com os de fora, mas era preciso, mantendo a vigilância, não demonstrar que se temia a sua presença na casa, pois caso contrário as mulheres perderiam a cabeça. Gilbert deu uma olhada significativa para Robin e este, sem que ninguém percebesse e sem fazer mais barulho do que um gato em sua ronda noturna, subiu até o último degrau da escada.
A porta do quarto estava entreaberta e os reflexos da claridade da sala chegavam até lá. Já num primeiro relance, Robin viu o ferido que, em vez de estar na cama, tinha metade do corpo para fora da janela aberta e falava em voz baixa com alguém lá embaixo.
Rastejando pelo chão, nosso herói chegou até bem perto do bandido e ouviu o seguinte diálogo:
— A moça e o cavaleiro estão aqui — dizia o — Acabo de vê-los.
— Como é possível? — estranhou quem estava do lado de
— Assim é. Pela manhã eu estava prestes a liquidá-los, quando o diabo resolveu se meter. Uma flecha vinda de não sei onde me estraçalhou a mão e eles escaparam.
— Maldição do inferno!
— Quis o acaso que, perdidos, viessem pedir abrigo na casa do mesmo bom sujeito que me recolheu, banhado em sangue.
— Melhor Não nos escaparão mais.
— Vocês são quantos?
— Sete.
— Eles apenas quatro
— O mais difícil é entrar. A porta parece bem trancada e ouve-se uma matilha de cães.
— Não vamos nos preocupar com a porta. É até melhor que esteja trancada durante a luta e assim a bela e o irmão não vão poder mais
— O que está pensando fazer?
— Ora, não vê? Ajudá-los a entrar pela janela. Tenho ainda a mão direita em bom estado e vou amarrar aqui nessa barra de apoio os lençóis da cama e as cobertas. Preparem-se para subir.
— Acha mesmo? — exclamou de repente Robin, pegando o bandido pelas pernas para lançá-lo janela abaixo.
A indignação, a raiva e o forte desejo de afastar os perigos que ameaçavam a vida dos seus pais e a liberdade da bela Marian centuplicaram suas forças. Em vão o bandido resistiu ao impulso repentino, mas perdeu o equilíbrio, desapareceu no espaço. Caiu, não sobre a terra dura, mas numa cisterna cheia d’água, que havia sob a janela.
Surpresos com a queda inesperada do companheiro, os homens do lado de fora fugiram para a floresta, e Robin desceu à sala para contar o ocorrido. O riso foi geral, mas depois sobreveio a apreensão. Gilbert achou que os malfeitores, refeitos do susto, voltariam a atacar a casa. Então todos se prepararam novamente para os repelir e o velho frade, padre Eldred, propôs uma oração coletiva, invocando a proteção do Altíssimo.
O frade mais moço, com o apetite enfim saciado, não se opôs. Pelo contrário, com um vozeirão entoou o salmo Exaudi nos,23 mas Gilbert pediu- lhe silêncio e, com todos de joelhos, o padre Eldred rezou em voz baixa uma fervorosa oração.
A prece ainda durava quando se ouviram gemidos entrecortados por assobios, vindos de onde ficava a cisterna. Era a vítima de Robin que pedia ajuda aos fugitivos. Envergonhados por terem saído correndo, eles se aproximaram sem fazer barulho, ajudaram o ferido a sair do banho, levaram-no quase morto até a estrebaria e se puseram a deliberar sobre um novo plano de ataque.
— Mortos ou vivos, precisamos pegar Allan Clare e sua irmã — disse o chefe do bando de mercenários. — É ordem do barão Fitz-Alwine e prefiro enfrentar o diabo ou ser mordido por um lobo raivoso do que voltar de mãos vazias. Sem as trapalhadas desse imbecil do Taillefer, já estaríamos de volta no castelo.
Os leitores já devem ter adivinhado que Taillefer era o sacripanta tão bem tratado por Robin e não perdem também por esperar, pois o barão Fitz-Alwine em breve lhes será apresentado. Por enquanto, basta que saibam que este vindicativo personagem havia jurado de morte Allan, primeiramente pelo fato de ele amar e ser amado por lady Christabel Fitz- Alwine, sua filha, estando esta prometida a um rico senhor de Londres; em seguida por Allan, além do mais, ter em mãos certos segredos políticos que, se revelados, acarretariam a ruína e morte do barão. Devemos lembrar que, naqueles tempos feudais, o barão Fitz-Alwine, senhor de Nottingham, tinha direito de alta e baixa justiça24 em todo o condado, sendo fácil para ele empregar seu marechalato25 na execução de suas vinganças pessoais. E que marechalato, Deus do céu! Taillefer era o mais belo exemplo dos instrumentos utilizados pelo barão.
— Vamos, rapazes, de adaga em punho, sigam-me. Em caso de resistência, não poupem ninguém… Mas, de início, vamos agir com
Depois dessas explicações aos sete patifes a serviço de lorde Fitz-Alwine, ele vigorosamente bateu com o cabo da espada à porta da casa e gritou:
— Em nome do barão de Nottingham, nosso alto e poderoso senhor, ordeno que abra e nos entregue… — mas os uivos dos cachorros cobriram a sua voz e mal se ouviu o restante da frase. — Ordeno que nos entregue o cavaleiro e a jovem que se escondem nessa casa.
Gilbert automaticamente se virou para Allan e, com um gesto indagativo, pareceu querer confirmar alguma culpa sua.
— Culpado, eu? — respondeu Allan. — Posso jurar, amigo guarda- florestal, não tenho culpa em crime nenhum nem em qualquer ação desonrosa ou censurável. Meus únicos erros, como bem sabe…
— Que seja! Estão sob meu teto e aos hóspedes devemos socorro e proteção, dentro do possível.
— Vai abrir ou não, rebelde dos infernos? — gritou o chefe dos
— Não, não abrirei.
— É o que veremos.
E fortes pancadas de clava fizeram estremecer a porta, que teria cedido, não tivesse uma barra de ferro transversal por dentro.
O objetivo de Gilbert era ganhar tempo para terminar os preparativos de defesa. Confiava na provisória resistência da porta, e quando tomasse ele mesmo a iniciativa de abri-la, os bandidos teriam pela frente com quem falar.
Assumiu ares de um comandante de cidadela diante de um assalto: distribuiu as diferentes funções, designou o lugar de cada um, inspecionou as armas e recomendou prudência e sangue-frio, antes de tudo. De coragem nem era preciso falar, pois todos em volta já a haviam demonstrado.
— Agora, boa Maggie — disse Gilbert à esposa —, suba para um quarto com a nobre senhorita. As mulheres serão desnecessárias aqui.
A contragosto elas obedeceram o que foi dito.
— E você, Robin — continuou o guarda-florestal —, vá dizer ao velho Lincoln que precisamos dele. Poste-se em seguida numa das janelas do alto para vigiar os bandidos.
— Não vou me limitar a vigiar — revoltou-se o rapaz, que desapareceu brandindo seu arco. — Mesmo no escuro, posso acertar um alvo.
— Bom, o Allan tem uma espada e o nosso padre um bordão que pode ser usado à vontade, já que as regras da ordem não se opõem.
— Deixe então que eu tire o ferrolho da porta — ofereceu-se o jovem frade. — Quem sabe meu cajado inspire respeito ao primeiro que entrar.
— Que seja! Vamos nos manter afastados uns dos outros — respondeu Gilbert. — Fico nesse canto, de onde posso fazer chover flechas sobre os intrusos. Allan aqui, pronto a ajudar onde for preciso. Você, Lincoln…
Nesse momento, entrou na sala um velho de estatura colossal, armado com um porrete proporcional ao seu tamanho.
— Você, Lincoln, do outro lado da porta, de frente para o nosso frade. Os dois bastões podem agir em alternância. Antes, porém, afaste a mesa e as cadeiras, para que o campo de batalha esteja livre. Vamos apagar a luz, pois a lareira produz claridade suficiente. Quanto a vocês, meus bravos cães — acrescentou o guarda, passando a mão nos seus buldogues —, sobretudo você, Lance, meu amigo, sabe a quem deve morder. Estejam atentos. O padre Eldred, que por enquanto reza por nós, logo vai estar rezando pelos estropiados e mortos.
Frei Eldred, de fato, continuava com todo fervor ajoelhado num canto da sala, de costas para os demais atores daquele drama.
Enquanto se organizava a defesa, os salteadores, cansados de martelar em vão a porta, tinham mudado de tática e a casa corria agora grande perigo. Felizmente Robin, do alto do seu posto de observação, estava de vigia.
— Pai — ele avisou em voz baixa, do alto da escada. — Os bandidos estão juntando lenha junto à porta e vão atear fogo. São ao todo sete, sem contar o ferido, provavelmente em mau estado.
— Pela santa missa! — exclamou Gilbert. — Não vamos deixar que tenham tempo para isso. A madeira está bem seca e num piscar de olhos a casa pode arder como uma fogueira de são João. Abra a porta rápido, pode abrir, irmão beneditino.26Cuidado, todo mundo!
O monge, pondo-se na lateral, esticou o braço, suspendeu a barra de ferro, abriu a tranca e uma quantidade de folhas e gravetos invadiu a sala pela porta entreaberta.
— Hurra! — gritou o chefe dos bandidos, já se precipitando sala adentro. — Vamos!
Foi só o tempo de dar esse grito e não conseguiu avançar nem um passo. Lance saltou no seu pescoço, os porretes de Lincoln e do frade se abateram juntos sobre sua nuca e o homem rolou imóvel no chão.
A cena se repetiu com quem vinha logo atrás.
Idem com o terceiro, mas os quatro restantes conseguiram entrar sem ser atacados como os seus precursores, pois os cães não tinham ainda largado as presas. Uma luta ferrenha teve início, luta essa que Gilbert e Robin, de onde estavam, poderiam terminar pela via rápida despejando as flechas das suas aljavas nos inimigos, que atacavam com lanças. Sem querer, entretanto, derramamento de sangue, Gilbert preferiu deixar ao beneditino e a Lincoln a glória de liquidar os capangas do barão Fitz- Alwine, contentando-se, assim como Allan Clare, em esquivar-se das lanças dos adversários. De modo que o único sangue a escorrer vinha das mordidas dos cachorros. Chateado por nada poder fazer e querendo provar sua destreza, Robin, que foi digno aluno de Lincoln na ciência do porrete, assim como de Gilbert na do arco, empunhou um cabo de alabarda e juntou suas pancadas àquelas, terríveis, dos seus parceiros.
Quando o rapazote entrou na luta, um dos bandidos, um colosso, verdadeiro Hércules, soltou risadas maldosas de desdém, deixou de lado Lincoln e o frade e se voltou para o adolescente. Mas Robin não se deu por achado, desviou-se da estocada de lança que poderia tê-lo atravessado e respondeu com uma pancada reta e horizontal, jogando o bandido contra a parede.
— Bravo, Robin! — aplaudiu Lincoln.
— Com os diabos! — murmurou o patife, que vomitava golfadas de sangue e parecia prestes a expirar.
Porém, aprumando-se, ele fingiu estar ainda sob o efeito da pancada e, enfurecido, atacou o rapazote com a ponta da lança em riste.
Seria o fim de Robin! O infeliz, triunfante, deixara de se pôr em guarda. A lança o transpassaria como um raio, se o velho Lincoln, que a tudo vigiava, não derrubasse o criminoso com uma cacetada perpendicular, bem no topo do crânio.
— Com esse são quatro! — ainda riu o velho empolgado.
E é verdade, era o quarto bandido por terra, restando apenas três outros na sala, mas que pareciam mais dispostos a escapar dali do que a continuar na briga.
Diga-se que o enorme pau de corniso, manejado pelo irmão beneditino, não deixava em paz os costados dos agressores.
Que belo espetáculo aquele, do padre de cabeça descoberta e tomado por santa cólera, com as mangas arregaçadas até os cotovelos e a batina comprida erguida até os joelhos!
O arcanjo Gabriel combatendo o demônio não pareceria mais assustador.
Enquanto o heroico monge continuava a peleja de arma em punho, deixando Lincoln boquiaberto, Gilbert, com a ajuda de Robin e Allan, amarrava firmemente os braços e as pernas dos que estavam fora de combate, mas ainda respiravam. Dois deles pediam clemência e o terceiro estava morto. O chefe, ainda preso entre as mandíbulas de Lance, berrava apavorado, conseguindo de vez em quando juntar forças para pedir aos companheiros:
— Matem o cachorro! Matem!
Mas não era ouvido e, mesmo que fosse, defender-se para eles era mais importante do que socorrer,
Um homem, porém, que tinha sido esquecido, se atreveu a vir ajudá-lo: Taillefer, que quase se afogara na cisterna e fora deixado moribundo no piso do galpão. Esse mesmo Taillefer, reanimando-se com o barulho do combate, se arrastara até o campo de batalha e se preparava para esfaquear o bravo Lance. Atento, Robin pegou-o pelos ombros, derrubou-o de costas, arrancou-lhe a faca das mãos e pesou o joelho no peito dele até que Gilbert e Allan o amarrassem.
A tentativa de Taillefer acabou apressando a morte do chefe dos bandidos. Lance havia ficado furioso, como todo cachorro quando se tenta tirar um osso da sua boca, e cravara mais profundamente os dentes afiados na garganta da vítima. A artéria carótida e as veias jugulares foram estraçalhadas, esvaindo-se a vida do malfeitor, junto com o sangue.
Percebendo a morte do líder, os bandidos nem por isso desistiram da refrega. Esta, no entanto, não poderia durar muito tempo mais e até a fuga tornara-se impossível, pois Lincoln fechou e trancou a porta. Estavam presos como numa ratoeira.
— Piedade! — gritou um deles atordoado, machucado e moído pelas cacetadas do monge.
— Nada de piedade! — respondeu o frade. — Não queriam afagos? Pois bem, terão!
— Misericórdia, pelo amor de Deus!
— Para nenhum de vocês!
E o pau de corniso voltava a descer incessante, erguendo-se para descer de novo.
— Piedade, piedade! — gritaram todos ao mesmo
— Antes de qualquer coisa, armas no chão! Eles assim fizeram.
— De joelhos!
Os bandidos se ajoelharam.
— Ótimo, tenho só que limpar meu bastão.
O jovial irmão chamava limpar o bastão distribuir ainda uma última e forte saraivada de pancadas nas costas dos derrotados. Feito isso, ele cruzou os braços e, apoiando o cotovelo direito numa ponta da sua arma fatídica, numa posição de Hércules triunfante, disse:
— Cabe agora ao dono da casa decidir a sorte de vocês.
Gilbert Head tinha nas mãos a vida dos patifes. Podia determinar a morte deles, segundo os usos e costumes daquela época em que cada um se encarregava da justiça, mas o bom guarda-florestal tinha horror ao derramamento de sangue que não fosse em caso de legítima defesa. Decidiu-se, então.
Os seis feridos foram postos de pé e procurou-se reanimar um pouco os que estavam em pior estado. De mãos amarradas às costas e presos uns aos outros como os condenados a trabalhos forçados, foram levados por Lincoln, assistido pelo religioso mais jovem, a algumas milhas da casa, numa das partes mais fechadas da floresta, e lá abandonados às próprias reflexões.
Taillefer não foi incluído no comboio.
— Gilbert Head — dissera ele, no momento em que Lincoln ia amarrá-lo aos colegas —, Gilbert Head, deixe-me amarrado numa cama. Preciso lhe dizer algo, antes de morrer.
— Nada disso, cão ingrato! Deveria é enforcá-lo numa árvore aqui por perto.
— Por favor, me ouça.
— Não! Acompanhe os outros.
— Ouça. O que tenho a dizer tem extrema importância.
Gilbert se preparava a negar ainda, mas teve a impressão de ouvir escapar da boca de Taillefer um nome que despertava nele todo um mundo de dolorosas recordações.
— Anete! Acho que ele pronunciou o nome de Anete! — murmurou Gilbert, debruçando-se de imediato junto do ferido.
— Foi o nome que pronunciei — respondeu num sussurro o
— Pois então fale! Diga o que sabe de Anete!
— Aqui não. Lá em cima, quando estivermos
— Estamos sozinhos.
Era o que achava Gilbert, pois Robin e Allan estavam ocupados a cavar, a certa distância da casa, uma cova para enterrar o morto, enquanto Marguerite e Marian continuavam fechadas num dos quartos.
— Não, não estamos — disse Taillefer, mostrando o velho monge que rezava junto ao cadáver do bandido.
Apoiando-se no braço de Gilbert, o ferido tentou se levantar do chão, mas foi imediatamente rechaçado.
— Não toque em mim, homem sem fé!
O infeliz voltou a cair de costas e o guarda-florestal, arrependido, ergueu-o um pouco. A lembrança de Anete mitigava a sua cólera.
— Gilbert — falou Taillefer com voz cada vez mais sumida —, causei muito mal a você, mas vou tentar reparar.
— Não é o que lhe peço, apenas ouço o que tem a dizer.
— Ah, Gilbert! Tenha pena de mim! Não me deixe morrer… Estou sem ar… Mantenha-me vivo por mais um momento. Contarei tudo. Lá em cima! Lá em cima!
Gilbert se preparou para sair e pedir que Robin e Allan o ajudassem a transportar o moribundo até uma cama, quando este, achando estar sendo abandonado, fez novo esforço para se erguer um pouco e disse:
— Não sabe mesmo quem sou, Gilbert?
— É um assassino, um maldito, um traidor! — gritou Gilbert já na porta.
— Sou pior do que tudo isso, Gilbert. Sou Ritson, Roland Ritson, o irmão da sua mulher.
— Ritson? Ritson? Santa Virgem, mãe de Deus! Será possível?
E Gilbert foi se ajoelhar ao lado do homem que se debatia nos últimos estertores da agonia.
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