Skip to main content

Além do Subsolo. - Por Anderson Rocha

© Todos os direitos reservados.

Além do Subsolo Despertar no Sete Além

 

Além do Subsolo

 

Termino de digitar o último e-mail do dia, as palavras na tela embaçando diante dos meus olhos cansados. Meus dedos hesitam sobre o teclado, o cansaço pesando nas articulações, antes de clicar em “enviar”. O escritório está envolto em um silêncio opressivo, quebrado apenas pelo zumbido baixo e constante do ar-condicionado.

Desligo o computador, o monitor escurecendo com um clique seco, e me levanto da cadeira, sentindo o corpo rígido, os músculos protestando após horas sentada. Caminho até o interruptor na parede e, ao apagar as luzes, a escuridão engole o ambiente como uma onda.

Foi então que a vi — uma sombra no canto do meu olho, indistinta, mas inconfundivelmente presente. Meu coração dá um salto, um frio rasteja pela minha nuca. Não estou sozinha.

Com passos rápidos, quase tropeçando nos próprios pés, corro para o corredor. A sensação de ser observada é sufocante, como se algo estivesse se aproximando, sua respiração roçando minha pele. Aperto o botão do elevador com força, o dedo trêmulo, virando a cabeça a cada instante. A sombra cresce, esticando-se pelas paredes, avançando em minha direção.

— Vamos, vamos! — sussurro para mim mesma, o pânico escalando pela garganta.

O elevador demora uma eternidade. O silêncio é rasgado apenas pelo som da minha respiração entrecortada. Quando as portas finalmente se abrem com um ding metálico, entro correndo e esmurrando o botão do subsolo, como se isso pudesse apressar o fechamento das portas. Elas deslizam, e no último segundo vejo a sombra se aproximar, quase tocando a entrada, antes de ser engolida pelo metal.

O elevador começa a descer e, por um instante, respiro aliviada. Mas então, um tremor sacode a cabine. As luzes piscam, um zumbido elétrico corta o ar, e o chão parece se inclinar sob meus pés.

— O que está acontecendo? — murmuro, agarrando-me às paredes frias.

O visor digital, que deveria marcar os andares — 19, 18, 17 — entra em colapso, os números piscando em um caos indecifrável. De repente, a queda livre me engole. Meu estômago vira do avesso. Grito enquanto o elevador despenca, passando do vigésimo andar em uma velocidade impossível, além do subsolo, além de qualquer lógica.

Será que há algo além disso? Algo que não deveria existir?

As portas se abrem com um rangido lento e sinistro. Uma luz vermelha pisca no fim de um corredor escuro à minha frente, pulsando como um coração moribundo. O ar fica gelado, cortante como lâminas, e um som indistinto — murmúrios, o arrastar de algo pesado — ecoa ao longe. Tento apertar os botões do elevador para subir, minhas mãos tremendo tanto que mal os alcanço. Nada funciona.

O frio é insuportável agora, minha respiração saindo em nuvens de vapor que se dissipam no ar úmido. Não há escolha. Com o coração na garganta, saio do elevador.

O corredor é estreito, as paredes úmidas e cobertas por um musgo negro que exala um cheiro de podridão. O chão está escorregadio, gelado sob meus sapatos, e a luz vermelha pisca intermitentemente, lançando sombras distorcidas que dançam como espectros.

Estou sozinha, mas sinto que não estou. Algo está atrás de mim.

Viro-me para a direita — nada. Para a esquerda — vazio.

Então, um sussurro rasga o silêncio, tão perto do meu ouvido direito que sinto o arrepio descer pela espinha:

— Sim, é ela — diz uma voz feminina, baixa e rouca.

Giro o corpo, o coração disparado, mas não há ninguém.

Outro sussurro, agora à esquerda:

— É ela que devemos levar conosco.

Minha mente gira, o medo me sufoca. De repente, minhas pernas fraquejam, e eu desabo no chão úmido, o impacto reverberando nos meus ossos.

Estou deitada, o corpo pesado como pedra, incapaz de me mover. O pânico me devora, um grito preso na garganta que não consegue escapar. Minha visão está embaçada, mas vejo algo se aproximando pelo corredor.

Uma figura absurdamente alta emerge da escuridão. Usa um chapéu preto, o rosto oculto nas sombras, mas há algo grotesco nele — a pele parece apodrecida, esticada sobre ossos protuberantes, os olhos fundos como abismos que sugam a luz. Seus passos são lentos, deliberados, o som das botas ecoando como um tambor fúnebre.

Atrás dele, duas mulheres surgem. Vestem branco, os cabelos longos e emaranhados flutuando como se estivessem submersas. Elas levitam, os pés pairando acima do chão, os olhos brancos e vazios cravados em mim.

Tento me arrastar, gritar, qualquer coisa, mas meu corpo é uma prisão.

O homem se aproxima, cada passo amplificando o terror que me rasga por dentro. As mulheres flutuam mais perto, suas vozes agora um coro sussurrante:

— Ela é nossa.

Ele está quase sobre mim, o fedor de morte enchendo minhas narinas. Sua mão ossuda, com unhas longas e amareladas, estende-se para o meu rosto. Seus dedos tocam minha boca — frios e viscosos — e sinto algo invadindo-me, uma presença escura rastejando para dentro de mim.

Então, eu grito. Um som primal, arrancado das profundezas da minha alma, ecoa pelo corredor...

...e, de repente, estou na minha cama.

Meu corpo está rígido, encharcado de suor, o despertador do celular berrando ao meu lado.

— Foi um sonho — sussurro, ofegante, enquanto o peso da paralisia do sono me solta aos poucos.

Meu nome é Sofia, e eu juro que ainda sinto o frio daquele lugar — o Sete Além — nas minhas mãos trêmulas.

Respiro fundo. O ar do quarto parece pesado, como se carregasse um resquício daquele pesadelo.

Levanto-me devagar, as pernas bambas, o chão frio sob meus pés descalços. O relógio no celular marca 6:45 da manhã. Caminho até o banheiro, o corredor da minha casa estranhamente silencioso, o eco dos sussurros ainda zumbindo nos meus ouvidos.

Abro a torneira do chuveiro, o vapor subindo em nuvens quentes que embaçam o espelho. A água quente escorre pelo meu corpo, lavando o suor e o medo, mas não apaga a sensação de que algo me observa.

Enrolo-me na toalha, os cabelos loiros pingando, e passo um pano no espelho.

Meu reflexo me encara — olhos azuis arregalados, pele pálida demais — mas, por um instante, juro que vejo a luz vermelha piscando atrás de mim.

Desço as escadas, cada degrau rangendo sob meu peso, e entro na cozinha. A luz do sol tenta atravessar as cortinas fechadas, mas o ambiente permanece opaco, quase sufocante. Coloco a chaleira no fogão, o chiado da água fervendo preenchendo o silêncio.

Pego o pó de café no armário, o aroma forte subindo enquanto despejo duas colheres no filtro. Meus movimentos são mecânicos, rotineiros, mas minhas mãos tremem ao segurar a xícara.

O café preto desce quente pela garganta, mas não aquece o frio que sinto no peito.

Enquanto lavo a xícara na pia, olho pela janela — o céu está cinzento, pesado, como se o Sete Além tivesse vazado para o mundo real.

Subo de volta ao quarto para me arrumar. Escolho uma blusa azul-escura e uma calça preta, passo os dedos pelos cabelos molhados para domá-los e calço os sapatos. Pego minha bolsa, o peso dela familiar no ombro, mas há algo errado no ar enquanto me preparo para sair.

Paro na porta do quarto, hesitante, e viro-me para trás.

Lá estão elas — as duas mulheres de branco, paradas no centro do cômodo, os vestidos esvoaçantes, os olhos vazios me encarando. Elas deslizam lentamente para dentro do armário, desaparecendo nas sombras como se nunca tivessem existido.

Meu coração para por um segundo. O café quase volta pela garganta enquanto fecho a porta com força, as mãos trêmulas na maçaneta.

Será que foi só paralisia do sono? Ou será que eu nunca saí do elevador, daquele corredor, do Sete Além?

Saio para o trabalho, o mundo lá fora parecendo normal.

Mas eu não sei mais onde estou de verdade.

 

0.0/5 pontuação (0 votos)
Visualizações8


  • Na Literaz, a leitura gratuita é possível graças à exibição de anúncios.
  • Ao continuar lendo, você apoia os autores e a literatura independente.
  • Obrigado por fazer parte dessa jornada!

Deixe um comentário

Você está comentando como visitante.
  • Na Literaz, a leitura gratuita é possível graças à exibição de anúncios.
  • Ao continuar lendo, você apoia os autores e a literatura independente.
  • Obrigado por fazer parte dessa jornada!