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Além do Subsolo. - Por Anderson Rocha

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Além do Subsolo Reflexos do Abismo

Cada passo na calçada parece ecoar muito além do concreto frio sob meus pés, repercutindo em algum canto escuro da minha mente. O sol fraco e o céu nublado reforçam a sensação de que algo invisível me acompanha, pairando sobre mim como uma ameaça iminente. Cada rosto na rua parece ocultar um segredo sombrio, olhos que me seguem com uma intensidade velada.

Chego ao trabalho e o prédio se ergue à minha frente, silencioso e ameaçador, apesar de sua aparente normalidade. Hesito na entrada, um calafrio descendo pela coluna enquanto olho o botão do elevador. Respiro fundo e subo pelas escadas.

No escritório, tento me concentrar, mas as palavras nos e-mails parecem distorcidas, fugindo do meu controle. O zumbido das luzes fluorescentes ganha uma estranha vibração, pulsando como aquela luz vermelha do corredor impossível. Um arrepio desliza pela minha pele quando percebo que todos os meus colegas estão quietos demais, imóveis demais. Parece que o tempo parou, ou talvez eu esteja fora dele.

Levanto-me bruscamente, sentindo o olhar deles me seguir, silenciosamente acusatório. Corro até o banheiro, a porta batendo com força atrás de mim. No espelho, meu reflexo parece alterado, o rosto um pouco mais pálido, os olhos maiores e assustados.

De repente, a luz pisca uma, duas, três vezes. Na terceira vez, a imagem muda e não é mais meu rosto que está ali, mas sim o das mulheres de branco, suas bocas escancaradas em um grito silencioso, olhos vazios refletindo algo terrível além da minha visão. Grito, cobrindo meu rosto com as mãos trêmulas.

— Não pode ser real — murmuro para mim mesma, a respiração acelerada rasgando o silêncio.

O banheiro parece menor, as paredes mais próximas, o teto mais baixo. A porta desapareceu, substituída por uma superfície sólida e úmida coberta pelo mesmo musgo negro do corredor subterrâneo. Meu coração dispara enquanto começo a bater contra as paredes, desesperada, sufocada pelo cheiro pútrido que invade minhas narinas.

— Por favor, não de novo — imploro.

Um som de passos lentos ecoa do lado de fora. Algo está se aproximando, pesado, determinado. A voz das mulheres retorna, um coro suave e arrepiante:

— Você é nossa agora, Sofia.

Paralisada de medo, encosto-me à parede úmida, os olhos arregalados fixos onde a porta costumava estar. Então, uma rachadura aparece na parede, expandindo-se lentamente. Uma mão ossuda, com unhas longas e amareladas, emerge da fenda, seguida pelo braço cadavérico do homem alto e grotesco.

Seu rosto se revela lentamente, olhos fundos como poços infinitos, o sorriso macabro esticando a pele apodrecida.

— Achou mesmo que poderia escapar de nós? — sua voz ecoa, profunda e cavernosa.

Minha visão começa a escurecer, minha consciência deslizando para longe, afundando em um abismo do qual sei que talvez nunca retorne. Mas, antes que o escuro me engula completamente, uma faísca de resistência se acende em mim.

— Não! — grito com toda força que ainda resta em mim.

A parede volta ao normal em um piscar de olhos. A porta retorna ao seu lugar. Estou novamente no banheiro do escritório, a respiração entrecortada, as pernas bambas.

Olho ao redor, desorientada. Abro lentamente a porta e encontro tudo exatamente como deixei, colegas trabalhando normalmente, teclados clicando, conversas sussurradas. Ninguém parece notar minha ausência ou minha crise.

Volto à minha mesa em silêncio, cada passo mais pesado que o anterior. Minha mente gira em círculos. Estou enlouquecendo? Ou existe realmente um lugar além do real, onde criaturas sinistras espreitam, esperando pacientemente para reivindicar minha alma?

Enquanto me sento, percebo um pequeno papel sobre o teclado. As mãos tremem enquanto o pego, virando-o lentamente para ler o que está escrito.

Em letras vermelhas, uma única frase:

"Você já pertence ao Sete Além."

O papel cai das minhas mãos, pousando suavemente sobre a mesa. O escritório parece fechar-se ao meu redor, e percebo, com um terror profundo, que talvez nunca mais consiga distinguir entre o que é sonho e o que é real.

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