Stories - Parte 1: Rainy Days [2]
"Então me diz o que eu faço
Pra tentar te esquecer"
19 de Junho - Noite de Sábado
Daniel abriu a porta da cozinha com tanta força que bateu na parede assustando a moça que lavava a louça. Ainda não havia se acostumado com a presença dela pela casa, limpando e arrumando tudo. Aparentemente a mãe desaprendeu a executar trabalhos domésticos desde que o marido se tornou diretor médico no Hospital de Referência Macrorregional de São Francisco do Sul.
E por falar nela, Cristina Schmidt está na mesa com os olhos grudados na tela do celular quando o filho entra parecendo um furacão. Seu corpo estremece com o barulho da porta batendo.
— Você poderia tentar não quebrar as portas? Ainda precisamos da casa por mais alguns dias — ela mexe as mãos como se tivesse acabado de fazer as unhas, o que pode muito bem ser verdade, pois seu esmalte cor vinho não tem uma só imperfeição.
Daniel a ignora. Está emburrado demais para conseguir lidar com as “coisas de Cristina” como nomeou os dramas da sua genitora.
— Terminou de empacotar suas roupas? — ela lança a pergunta quando o filho abre a geladeira.
— Num tô no clima pra isso — os nós dos dedos dele estão esbranquiçados de tanta força que aplica ao segurar o copo. — Me deixa em paz, falow!
A boca de Cristina fez um O.
— Não está no clima — Cristina repetiu as palavras, fazendo aspas no ar. — E posso saber onde você estava para ter perdido o seu clima? Porque até onde eu sei você está de castigo por causa daquela sua gracinha com o corretor.
Dias atrás, quando os pais ainda procuravam uma casa que combinasse com seu novo status social, o corretor tinha ligado com o objetivo de marcar uma visita ao lindo condomínio arborizado na região mais nobre da cidade. A mãe estava no banho e esqueceu o celular no sofá, e quando Daniel atendeu informou ao entusiasmado homem que infelizmente seus pais mudaram de ideia quanto a mudança. Foi assim que o casal Schmidt quase perdeu sua casa dos sonhos.
Por sorte, Cristina entrou em contato querendo saber o que tinha acontecido e a confusão foi desfeita. Só que Daniel acabou encrencado.
— Não é da sua conta! — falou após um gole imenso. Ele colocou o copo de vidro na pia evitando olhar para aquela moça. Sentia vergonha por ter uma completa estranha limpando a sujeira deles.
— Está vendo Gigi! Esse é o tratamento que recebo — a mãe falou com sua melhor voz de rainha do drama. — Faço de tudo por esse menino e ele me paga com ingratidão. Nem de mãe, ele consegue me chamar!
A tal Gigi olha para trás por cima do ombro. Cristina continua a falar.
— Se quer um conselho nunca tenha filhos — se encostou na cadeira de madeira acolchoada colocando a mão fina nos olhos como se quisesse chorar. — Tive três e nenhum me ama. Nenhum! — ela aumentou o tom de voz. Daniel revirou os olhos, já ouviu isso tantas vezes que tinha decorado. — O meu filho mais velho foi estudar na capital e nunca vem em casa ou telefona. Nem no dia das mães! E os gêmeos… Esse daqui você acabou de ver como é agressivo comigo, e a Sarah é quieta, comportada, mas é uma pedra de gelo! Não sei lidar com as esquisitices dela…
Daniel bufa alto e sai da cozinha enquanto a mãe continua a falar o quanto sofre com a rejeição dos seus filhos ingratos. Na escada, a caminho do quarto, passa pelo pai, Ulisses Schmidt, parece animado.
— Teve treino de basquete hoje? — o pai pergunta, sabendo sobre o castigo.
Daniel entorta a boca como resposta.
— Sua mãe concordou que você não pode perder os treinos. É importante você se entrosar com os colegas de time. — Ulisses continuou a tagarelar. — No condomínio onde vamos morar tem uma quadra. Você não vai precisar ir longe para jogar.
Esse era o motivo de toda a irritação de Daniel nas últimas semanas. Todos os adultos dessa casa só sabem falar sobre o quão maravilhoso é esse novo lugar e sequer perguntam como ele está realmente se sentindo. Ele não queria se mudar. Viveu a vida inteira nesta casa e não via nenhum problema que os obrigasse a ter que ir embora.
— Que bom — Daniel respondeu sem nenhuma empolgação. Ele estava no pico do estirão de crescimento. Daniel já era o garoto mais alto da sua turma na escola, assim como no seu grupo de amigos. Esperava chegar à mesma altura do pai que também foi jogador de basquete na infância e juventude.
— Aconteceu alguma coisa? — Ulisses o segura nos degraus por um momento. Seus olhos estudam o rosto do filho. — Percebi que tem andado desanimado ultimamente…
O garoto olha para a mão pousada em seu ombro. Será que poderia ter um momento franco com o pai? Ele seria capaz de lhe dar conselhos sobre como fazer a vizinha parar de vê-lo apenas como um amigo? Alguma artimanha Ulisses tinha, afinal conseguiu casar com uma mulher cheia de caprichos.
— Já sei! — Ulisses disse e Daniel praticamente viu quando o cérebro dele deu um estalo. — Você está nervoso por causa do próximo jogo, não é?
Claro que o pai achava que sua vida girava em torno do esporte, a última vez que conversaram de verdade Daniel era apenas um garotinho. Quando não se é presente fica difícil perceber que as crianças cresceram.
— É. — o garoto mentiu.
— É só manter o foco. Talento você tem de sobra!
Daniel retribuiu o sorriso que o pai lhe abriu antes de continuar seu caminho. Ele errava mais do que acertava, mas Ulisses pelo menos tentava conversar com o filho.
Já no quarto, Daniel sente como se fosse o maior idiota do planeta. Tantas garotas por aí e ele tinha que gostar justamente da que era praticamente uma freira. A cabeça de Lis não conseguia conceber nada que não fosse relacionado com livros e estudos, os olhos dela brilham apenas quando suas notas ficam em primeiro lugar geral na escola. Como pôde ter sido burro o bastante para pensar que alguém assim corresponderia aos seus sentimentos?
Enterrou o rosto no travesseiro com lágrimas escorrendo por toda parte. Não é tão durão quanto fez todos os seus amigos e colegas de escola acreditarem, Daniel é capaz de chorar assim como todo mundo.
— O que aconteceu? Ela disse não? — perguntou Sarah. Estava no canto do quarto como uma sombra, a irmã gêmea de Daniel tinha essa mania estranha de observar outros em segredo.
Daniel balançou a cabeça.
— É culpa sua! — falou.
— Minha?
— Você me convenceu a fazer isso. Enfiou na minha cabeça que eu tinha que me declarar pra ela. — gemeu. Só poderia ser um pesadelo. Foi apressado demais e agora nunca mais poderia encarar a amiga de infância depois desse fora.
Daniel virou a cabeça tentando controlar novas lágrimas que ameaçavam sair.
— Só achei que estava na hora de você falar a verdade. — Sarah foi dissimulada. A verdade é que sabia muito bem que a vizinha iria agir dessa forma. Não desejava o mal do irmão, só achava que o melhor era ele superar essa paixonite do que sofrer por anos. — Se ela não é capaz de gostar de você do mesmo jeito, só mostra o quanto é cega!
Sarah subiu na cama colocando a cabeça do irmão no colo. Ajudou a secar as lágrimas dele.
— Ela jura que vai encontrar alguém melhor que você? Aquela nerd? — ela sacudiu a cabeça com descrença — Nunca! — a indignação de Sarah fez Daniel sentir-se um pouco melhor.
— Ela deve achar que vai namorar algum possível médico, ou então um nerd fedorento, cheio de espinhas e que joga LoL o dia inteiro!
— E babacas que vivem com o nariz enfiado nos livros igual ela!
Os gêmeos deram risada. Direcionar essa energia para a raiva ao invés da tristeza parecia muito melhor.
— Que se foda a Lis! Que se foda essa droga de amor! — ele sentou na cama, deixando as pernas caírem na lateral.
— Isso! — Sarah abriu um sorriso para ele — Você é gato demais pra sofrer por aquela menina. Ela tem cheiro de livro velho.
— Adoro o cheiro dela — admitiu. Lembrando de quantas vezes a observou estudar e Lis distraída nunca notou seus olhares. Seus olhos se encheram de lágrimas de novo. — Mas você tem razão.
— O que você tem que fazer é focar em outras coisas. Você já tem o rosto bonito, já pensou se de tanto treinar acaba ficando fortão! É isso que você tem que fazer, entrar numa academia! A Lis vai ficar doida quando ver o que perdeu! — Sarah falou de um jeito diabólico. Seus olhos estavam cintilando como se formulasse algum plano de vingança.
Daniel observou a irmã sentada em estilo indiano. O cabelo dourado puxado para cima em um coque bagunçado, os olhos da mesma cor que os dele, o rosto bonito. Nem em um milhão de anos ela levaria um fora de quem quer que fosse, por isso não conseguia entender. Não tinha vingança. Lis simplesmente não gosta dele da mesma forma, então só o que resta é seguir em frente.
— Vai no negócio de amanhã? — Daniel mudou de assunto, querendo pensar em qualquer outra coisa que não envolvesse a vizinha.
Sarah puxou a barra da calça legging que usava com uma camiseta folgada do filme ghostface, jogando a cabeça de um lado para o outro.
— Acho que sim. Pode ser divertido. — respondeu. Sair com os meninos era sempre divertido. — Acho até que vou levar alguém.
— Quem?
É preocupante o fato de Sarah quase não falar com outras pessoas da idade deles. Ela simplesmente não tinha interesse em interações humanas.
— Ah, você conhece quem vou levar… — falou de maneira misteriosa.
— Não é a Lis, é? — perguntou com firmeza. Tinha planos de se manter afastado dela por um tempo. De repente mudar de casa não parecia tão ruim assim, deixar de ser vizinho dela talvez fosse a melhor coisa que poderia acontecer aos dois.
Sarah riu dando um tapinha afetuoso no ombro do irmão para que deitasse na cama com ela, ele precisava relaxar um pouco, tirar essa menina da cabeça. O que está planejando vai ser bom para ele.
— Não. Mas tenho certeza que o Dimas convidou. Você devia ter dito ao seu “irmão” que não quer a sua namoradinha por perto. — ela disse a palavra como se fosse algo depreciativo. Tinha ciúmes das amizades dele.
Daniel deitou de costas ao lado dela, quase não cabiam mais na cama tipo solteirão.
— Ele tá ocupado — falou pegando a mão de Sarah. — Tá sabendo da menina que tá ficando com ele?
— É da escola? Não lembro de ter visto.
— Vou fingir que não sei que você escuta as nossas conversas — Daniel disse vendo a irmã dar de ombros sem se importar. — Ela não é do colégio. É a vizinha de baixo. Ainda não vi a cara dela, mas parece que é gata.
— Vocês tem tesão em vizinhas, hein! — Sarah ergueu metade do corpo.
Daniel ignorou a alfinetada.
— Parece que ela quer fazer o Dimas se apaixonar — disse, sugestivo. — Pelo que entendi não sai da cola dele. E faz tudo por ele.
Sarah piscou. Quer dizer que Dimas estava ficando sério com alguém. Sarah nunca imaginou que aquele garoto avoado fosse encontrar alguma menina que gostasse dele. Mas pra ser justa, o garoto é bonito, com seus cachinhos e o sorriso frouxo de lábios grossos, e tem a vantagem de ser engraçado, o que agrada algumas pessoas.
— Que bom ele gosta de alguém! — Sarah estava decepcionada por não ter descoberto sozinha, só que não ia demonstrar isso.
— Gostar é uma palavra muito forte — os irmãos trocaram um olhar e riram.
— Amanhã a gente descobre se isso vai dar em namoro ou não — ela voltou a deitar, recostando-se no travesseiro. — Vai ser muito divertido, Daniel. Prometo.
Daniel sabia que a irmã estava tramando alguma coisa, mas tudo bem desde que ninguém saísse machucado. E ela foi tão meiga ao ficar do lado dele nesse momento de fragilidade, era um alívio tê-la, sua irmã gêmea, a única garota que poderia amar de verdade. O am
o da sua vida. E ver os planos dela distraía seus pensamentos sobre certa garota de cabelos ondulados que mora na casa ao lado.
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