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Macunaíma

Capítulos 18

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Macunaíma: O Herói Sem Nenhum Caráter 16 - URARICOERA

No outro dia Macunaíma amanheceu com muita tosse e uma febrinha sem parada. Maanape desconfiou e foi fazer um cozimento de broto de abacate, imaginando que o herói estava hético. Em vez era impaludismo, e a tosse viera só por causa da laringite que toda a gente carrega de São Paulo. Agora Macunaíma passava as horas deitado de borco na proa da igarité e nunca mais que havia de sarar. Quando a princesa não podia mais e vinha pra brincarem, o herói até uma vez recusou suspirando:

 

– Ara... que preguiça...

 

No outro dia atingiram as cabeceiras dum rio e escutaram perto o ruidejar do Uraricoera. Era ali. Um passarinho serigaita trepado na munguba, enxergando o farrancho gritou logo:

 

– Sinhá dona do porto, dá caminho pra mim passar!

 

Macunaíma agradeceu feliz. De pé ele assuntava a paisagem passando. Veio vindo o forte São Joaquim erguido pelo mano do grande Marquês. Macunaíma deu um té-logo pro cabo e pro soldado que só possuíam um naco esfarrapado de culote e o boné na cabeça e viviam guardando as saúvas dos canhões. Afinal ficou tudo conhecidíssimo. Se enxergou o cerro manso que fora mãe um dia, no lugar chamado Pai da Tocandeira, se enxergou o pauê trapacento malhado de vitóriasrégias escondendo os puraquês e os pitiús e pra diante do bebedouro da anta se viu o roçado velho agora uma tigüera e a maloca velha agora uma tapera. Macunaíma chorou.

 

Abicaram e entraram na tapera. Vinha a boca-da-noite. Maanape com Jiguê resolveram fazer uma facheada pra pegarem algum peixe e a princesa foi ver si topava com algum arezi pra comerem. O herói ficou descansando. Estava assim quando sentiu no ombro um peso de mão. Virou a cara e olhou. Junto dele estava um velho de barba. O velho falou:

 

– Quem és tu, nobre estrangeiro?

 

– Não sou estranho não, conhecido. Sou Macunaíma o herói e vim parar de novo na terra dos meus. Você quem é?

 

O velho afastou os mosquitos com amargura e secundou:

 

– Sou João Ramalho.

 

Então João Ramalho enfiou dois dedos na boca e assoviou. Apareceram a mulher dele e as quinze famílias de escadinha. E lá partiram de mudança buscando pagos novos sem ninguém.

 

No outro dia bem cedinho foram todos trabucar. A princesa foi no roçado Maanape foi no mato e Jiguê foi no rio. Macunaíma se desculpou, subiu na montaria e deu uma chegadinha até a boca do rio Negro pra buscar a consciência deixada na ilha de Marapatá. Jacaré achou? nem ele. Então o herói pegou na consciência dum hispano-americano, botou na cabeça e se deu bem da mesma forma.

 

Passava uma piracema de jaraquis. Macunaíma agarrou pescando e distraído distraído quando viu estava em Óbidos, a montaria cheinha de peixes frescos. Mas o herói foi obrigado a atirar tudo fora porque em Óbidos “quem come jaraqui fica aqui” falam e ele tinha que voltar pro Uraricoera. Voltou e como era ainda o pino do dia deitou na sombra da ingazeira catou os carrapatos e dormiu. Tarde chegando todos voltaram pra tapera só Macunaíma não. Os outros saíram pra esperar. Jiguê se acocorou botando a orelha no chão pra ver si escutava o passinho do herói, nada. Maanape trepou no grelo duma inajá pra ver si enxergava o brilho dos brincos do herói, nada. Então saíram por mato e capoeira gritando:

 

– Macunaíma, nosso mano!...

 

Nada. Jiguê chegou debaixo da ingazeira e gritou:

 

– Nosso mano!

 

– Que foi!

 

– Você, aposto que já estava dormindo!

 

– Dormindo nada, então! Estava mas era negaceando um inambuguaçu. Você fez bulha, nhambu escapuliu!

 

Voltaram. E assim todos os dias. Os manos andavam muito desconfiados. Macunaíma percebeu e disfarçou bem:

 

– Eu caço porém não acho nada não. Jiguê nem caça nem pesca, passa o dia dormindo.

 

Jiguê teve raiva porque peixe andava rareando e caça inda mais. Foi na praia do rio pra ver si pescava alguma coisa e topou com o feiticeiro Tzaló que tem uma perna só. O catimbozeiro possuía uma cabaça encantada feita com a metade duma casca de jerimum. Mergulhou a cabaça no rio, encheu de água até o meio e despejou na praia. Caiu um despropósito de peixe. Jiguê reparou bem como que o feiticeiro fazia. Tzaló largou da cabaça por aí e principiou matando peixe com um porrete. Então Jiguê roubou a cabaça do feiticeiro Tzaló que tem uma perna só.

 

Mais pra diante fez que nem tinha reparado e veio muito peixe, veio pirandira veio pacu veio cascudo veio bagre jundiá tucunaré, todos esses peixes e Jiguê voltou carregado pra tapera depois de esconder a cabaça na raiz do cipó. Todos ficaram sarapantados com aquele mundo de peixe e comeram bem. Macunaíma desconfiou.

 

No outro dia esperou com o olho esquerdo dormindo que Jiguê fosse pescar, saiu atrás. Descobriu tudo. Quando o mano foi-se embora Macunaíma largou da gaiola com os legornes no chão pegou na cabaça escondida e fez que nem o mano. Isso vieram muitos peixes, veio acará veio piracanjuba veio aviú guarijuba, piramutaba mandi surubim, todos esses peixes. Macunaíma atirou a cabaça por aí, na pressa de matar todos os peixes, cabaça caiu numa lapa e juque! mergulhou no rio. Passava a pirandira chamada Padzá. Imaginou que era abobra e engoliu a cabaça que virou na bexiga de Padzá. Então Macunaíma enfiou a gaiola no braço voltou pra tapera e contou o sucedido. Jiguê teve raiva.

 

– Cunhada princesa, eu que pesco, seu companheiro fica dormindo embaixo da ingazeira e inda atrapalha os outros!

 

– Mentira!

 

– Então o que você fez hoje?

 

– Cacei viado.

 

– Que-dele ele!

 

– Comi, uai! Fui andando por um caminho, vai, topei rasto dum... catingueiro não era não mas era mateiro. Me agachei e fui no rasto. Olhando olhando, sabe, dei uma cabeçada numa coisa mole, que engraçado! sabem o que era! pois a bunda do viado, gente! (Macunaíma deu uma grande gargalhada.) Viado perguntou pra mim:

 

– Que está fazendo aí, parente! – Te campeando! secundei. E vai, matei o catingueiro que comi com tripa e tudo. Vinha trazendo um naco pra vocês, vai, escorreguei atravessando o ipu, dei um tombo, naco foi parar longe e tanajura sujou nele.

 

A peta era tamanha que Maanape desconfiou. Maanape era feiticeiro. Chegou bem rente do mano e perguntou:

 

– Você foi na caça?

 

– Quer dizer... fui sim.

 

– O que você caçou?

 

– Viado.

 

– Qual!

 

Maanape fez um grande gesto. O herói piscou de medo e confessou que tudo era lorota.

 

No outro dia Jiguê estava procurando a cabaça quando topou com o tatu-canastra feiticeiro chamado Caicãe que nunca teve mãe. Caicãe sentado na porta da toca puxou a violinha dele feita com a outra metade da abobra encantada e agarrou cantando assim:

 

“Vôte vôte coandu!
Vôte vôte cuati!
Vôte vôte taiaçu!
Vôte vôte pacari!
Vôte vôte canguçu!
Êh!...”

 

Assim. Vieram muitas caças. Jiguê reparando. Caicãe atirou a violinha encantada por aí, pegou num porrete e foi matar todo aquele poder de caças que estavam feito bobas. Então Jiguê roubou a violinha do feiticeiro Caicãe que nunca teve mãe.

 

Mais pra diante cantou que nem tinha escutado e veio um dilúvio de caça parando na frente dele. Jiguê voltou carregado pra tapera depois de esconder a violinha na raiz de outro cipó. Todos tornaram a se espantar e comeram bem. Macunaíma tornou a desconfiar.

 

No outro dia esperou com o olho esquerdo dormindo que Jiguê partisse, foi atrás. Descobriu tudo. Quando o mano voltou pra tapera Macunaíma pegou na violinha, fez talequal reparara e veio uma imundície de caça, viados cotias tamanduás capivaras tatus aperemas pacas graxains lontras muçuãs catetos monos tejus queixadas antas, a anta sabatira, onças, a onça-pinima a papa-viado a suçuarana a jaguatirica, canguçu pixuna, isso era uma imundície de caças! O herói teve medo daquela bicharada tamanha e saiu numa carreira mãe pinchando a violinha longe. A gaiola enfiada no braço dele ia batendo nos paus e o galo com a galinha faziam um cacarejo de ensurdecer. O herói imaginava que era a bicharia e disparava mais.

 

A violinha caiu no dente de um queixada que tinha umbigo nas costas e se partiu em dez vezes dez pedaços que os bichos engoliram pensando que era jerimum. Os pedaços viraram nas bexigas das caças.

 

O herói estourou tapera adentro feito um desesperado botando os bofes pela boca. Nem bem pôde respirar contou o sucedido. Jiguê teve ódio e falou:

 

– Agora que não caço nem pesco mais!

 

E foi dormir. Todos principiaram curtindo fome. Bem que pediam porém Jiguê pulava na rede e fechava os olhos. O herói jurou vingança. Fingiu um anzol com presa de sucuri e falou pro feitiço:

 

– Anzol de mentira, si mano Jiguê vier experimentar você, então entra na mão dele. Jiguê não podia dormir de tanta fome e enxergando o anzol falou pro mano:

 

– Mano, esse anzol é bom?

 

– Xispeteó! Macunaíma fez e continuou limpando a gaiola.

 

Jiguê decidiu ir numa pescaria porque estava mesmo curtindo fome, falou:

 

– Deixa ver si anzol é bom.

 

Pegou no feitiço e experimentou na palma da mão. O dente de sucuri entrou na pele e despejou todo o veneno lá. Jiguê correu pro matinho e bem que mastigou e engoliu maniveira, não valeu de nada. Então foi buscar uma cabeça de anhuma que fora encostada em picada de cobra. Pôs na mão. Não valeu de nada. Veneno virou numa ferida leprosa e principiou comendo Jiguê. Primeiro comeu um braço depois metade do corpo depois as pernas depois a outra metade do corpo depois o outro braço depois o pescoço e a cabeça. Só ficou a sombra de Jiguê.

 

A princesa teve ódio. É que ela andava ultimamente brincando com Jiguê. Macunaíma bem que percebeu porém imaginou: “Plantei mandioca nasceu maniva, de ladrão de casa ninguém se priva, paciência!...” E tinha encolhido os ombros. A princesa raivosa falou pra sombra:

 

– Quando o herói for passear de fome você vira num cajueiro numa bananeira e num churrasco de viado.

 

A sombra era envenenada por causa da lepra e a princesa queria matar Macunaíma.

 

No outro dia o herói acordou com tanta fome que foi espairecer passeando. Topou com um cajueiro cheio de frutas. Quis comer porém presenciou que era a sombra leprosa e passou adiante. Légua e meia depois topou com um churrasco de viado fumegando. Já estava roxo de fome porém pôs reparo que o churrasco era a sombra leprosa e passou adiante. Légua e meia depois topou com uma bananeira carregadinha de pencas maduras. Mas agora o herói já estava que vinha vesgo de tanta fome. A vesgueira fez ele enxergar dum lado a sombra do mano e do outro a bananeira.

 

– Arre que posso comer! fez.

 

E devorou todas as pencas. E as bananas eram a sombra leprosa de mano Jiguê. Macunaíma ia morrer. Então se lembrou de passar a doença nos outros pra não morrer sozinho. Pegou numa formiga saúva e esfregou bem ela na ferida do nariz, formiga já foi gente que nem nós e a saúva ficou leprosa. Então o herói agarrou a formiga jaguataci e fez o mesmo. Jaguataci ficou leprosa também. Então foi a vez da formiga aqueque devoradora de sementes e da formiga guiquém, da formiga tracuá e da formiga mumbuca bem preta, todas ficaram leprosas. Não tinha mais formigas em redor do herói sentado. Ele ficou com preguiça de estender o braço porque já estava moribundo. Esperou a visita da saúde, criou força e pegou no mosquito birigüi mordendo o joelho dele. Passou a doença no mosquito birigüi. Por isso que agora quando esse mosquito morde a gente, entra na pele, atravessa o corpo e sai do outro lado enquanto o furinho de entrada vira na bereva medonha chamada chaga-de-Bauru.

 

Macunaíma tinha passado a lepra em sete outras gentes e ficou são no sufragante, voltando pra tapera. A sombra de Jiguê conferiu que o herói era muito inteligente e quis voltar desesperada pra junto da família. Era já de-noite e se confundindo com a escureza a sombra não achava mais o caminho perto. Sentou numa pedra e berrou:

 

– Foguinho, cunhada princesa!

 

A princesa coxeando muito porque estava doente de zamparina veio com um tição alumiando caminho. A sombra engoliu o fogo e a cunhada. Berrou de novo:

 

– Foguinho, mano Maanape!

 

Maanape veio logo com outro tição alumiando caminho. E se arrastava molengo porque barbeiro chupara sangue dele e Maanape estava opilado. A sombra engoliu fogo e mano Maanape. Berrou:

 

– Foguinho, mano Macunaíma!

 

Queria engolir o herói também mas Macunaíma percebendo o que sucedera pro mano e pra companheira encostou a porta e ficou bem quieto na tapera. A sombra pedia foguinho, pedia porém não recebendo resposta se lastimou até madrugada.

 

Então Capei apareceu iluminando a terra e a leprosa pôde chegar na tapera. Sentou na cangerana da soleira e esperou o dia pra se vingar do mano.

 

De-manhã inda estava acocorada ali. Macunaíma acordou e escutou. Não se ouvia nada e ele concluiu:

 

– Arre! Foi-se!

 

E saiu passear. Quando passou pela porta a sombra trepou no ombro dele. O herói não maliciou nada. Estava padecendo de fome porém a sombra não deixava ele comer. Tudo o que Macunaíma pegava ela engolia, tamorita mangarito inhame biribá cajuí guaimbê guacá uxi ingá bacuri cupuaçu pupunha taperebá graviola grumixama, todas essas comidas do mato. Então Macunaíma foi pescar porque agora não tinha mais ninguém que pescasse pra ele não. Mas cada peixe que tirava do anzol e jogava no paneiro, a sombra pulava do ombro, engolia o peixe e voltava pro poleiro outra vez. O herói matutou: “Deixa estar que te arranjo!” Quando peixe pegou, Macunaíma fez um esforço heróico, deu um bruto dum arranco na vara de forma que o impulso fez o peixe ir parar lá na Guiana. A sombra correu atrás do peixe. Então Macunaíma gavionou mato fora no sentido oposto. Quando a sombra voltou, não achando mais o mano disparou no rasto dele. Depois de correr um pouco, atravessar a terra dos índios tatus-brancos e pegar um susto tamanho que passou sem pedir licença entre a sombra de Jorge Velho e a sombra do Zumbi que estavam discutindo, o herói fatigadissimo, olhou pra trás e viu que a sombra já vinha chegando. Estava na Paraíba e tão sem vontade de chispar que parou. Era por causa do herói estar impaludado. Perto havia uns trabalhadores destruindo formigueiros para construir um açude. Macunaíma pediu água pra eles. Não tinha nem gota porém deram raiz de umbu. O herói matou a sede dos legornes, agradeceu e gritou:

 

– Diabo leve quem trabalha!

 

Os trabalhadores estumaram a cachorrada no herói. Isso mesmo que ele queria porque teve medo e chispou bem. Na frente abria a estrada das boiadas. Macunaíma isso vinha que vinha acochado pela sombra, nem turtuveou: meteu pelo estradão. Mais adiante estava dormindo um boi malabar chamado Espácio que viera do Piauí. O herói deu um trompaço nele de tanta fúria. Isso o boi saiu numa galopada louca de susto e lá foi cego manadeiro abaixo. Então Macunaíma quebrou por uma picada sem jeito e se amoitou por debaixo dum mucumuco. A sombra escutava a bulha do marruá galopeando e imaginou que era Macunaíma, foi atrás. Alcançou o boi e pra não perder a pernada fez poleiro no costado dele. E cantava satisfeita:

 

“Meu boi bonito, Boi Alegria,

 

Dá um adeus Pra toda a família!

 

Ôh... êh bumba, Folga meu boi! Ôh... êh bumba, Folga meu boi!”

 

Porém nunca mais que o boi pôde comer, a sombra engolia tudo antes do bicho. Então o marruá foi ficando jururu ficando jururu magruço e lerdo. Quando passou pelo rincão chamado Água Doce perto de Guararapes, o boi mirou sarapantado bem no meio do areão a vista linda, um laranjal cheio de sombra com a galinhada ciscando por baixo. Era sinal de morte... A sombra desenganada cantava agora:

 

“Meu boi bonito,
Boi Desengano,
Dá um adeus,
Até para o ano!
Ôh... êh bumba,
Folga meu boi!
Ôh... êh bumba,
Folga meu boi!”

 

No outro dia o marruá estava morto. Foi esverdeando esverdeando... A sombra muito penarosa se consolava cantando assim:

 

“O meu boi morreu,
Que será de mim?
Manda buscar outro,
– Maninha,
Lá no Bom Jardim...”

 

E o Bom Jardim era uma estância do Rio Grande do Sul. Então veio vindo uma giganta que gostava de brincar com o marruá. Viu o boi morto, chorou bem e quis levar o cadáver pra ela.

 

A sombra teve raiva e cantou:

 

“Arretira-te, giganta,
Que o caso está perigoso!
Quem se arretirou amante
Faz ação de generoso!”

 

A giganta agradeceu e foi-se embora dançando. Então passou por ali o indivíduo chamado Manuel da Lapa carregado de folha de cajueiro e de rama de algodão. A sombra saudou o conhecido:

 

“Seu Manué que vem do Açu,
Seu Manué que vem do Açu,
Vem carregadinho de folha de caju!
Seu Manué que vem do sertão,
Seu Manué que vem do sertão,
Vem carregadinho de rama de algodão!”

 

Manuel da Lapa ficou muito concho com a saudação e pra agradecer dançou um sapateado e cobriu o cadáver com a folha de caju e a rama de algodão.

 

O velho já estava tirando a noite do buraco e a sombra toda confundida não via mais o boi debaixo dos flocos e da folhagem. Principiou dançando à procura dele. Um vagalume se admirou daquilo e cantou perguntando:

 

“Linda pastorinha
Que fazeis aqui?
Vim buscar meu gado,
– Maninha,
Que eu aqui perdi.”

 

Foi como a sombra secundou cantando. Então o vagalume dançando voou do tronco pra baixo e mostrou o boi pra sombra. Ela trepou na barriga verde do morto e ficou chorando ali.

 

No outro dia o boi estava podre. Então vieram muitos urubus, veio o urubucamiranga, veio o urubu-paraguá, veio o urubu-jeregua o urubu-peba o urubuministro o urubutinga que só come olhos e língua, todos esses cabeças-peladas e principiaram dançando de contentes. O mais grande puxava a dança cantando:

 

“Urubu é passo feio feio feio!
Urubu é passo limpo limpo limpo!”

 

E era o urubu-ruxama, urubu-rei, o Pai do Urubu. Então mandou um urubuzinho piá entrar dentro do boi pra ver si já estava bem podre. O urubuzinho fez. Entrou por uma porta e saiu por outra dizendo que sim e todos fizeram a festa juntos dançando e cantando:

 

“Meu boi bonito,
Boi Zebedeu,
Corvo avoando,
Boi que morreu.
Ôh... êh bumba,
Folga meu boi!
Ôh... êh bumba,
Folga meu boi!”

 

E foi assim que inventaram a festa famanada do Bumba-meu-Boi, também conhecida por Boi-Bumbá.

 

A sombra teve raiva de estarem comendo o boi dela e pulou no ombro do uruburuxama. O Pai do Urubu ficou muito satisfeito e gritou:

 

– Achei companhia pra minha cabeça, gente!

 

E voou pra altura. Desde esse dia o urubu-ruxama que é o Pai do Urubu possui duas cabeças. A sombra leprosa é a cabeça da esquerda. De primeiro o urubu-rei tinha só uma cabeça. 

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