Sussurros do Mar Capítulo 1
A Marca da Lua
Era um dia comum, mas algo estava diferente. O vento não era o mesmo, e a brisa salgada, que costumava ser suave, parecia acariciar meu rosto com mais força. O som das ondas, que sempre foi reconfortante, se transformou em uma melodia incerta. Algo me puxava, uma vontade inexplicável de correr. Senti a areia fria entre meus dedos, e sem pensar, comecei a correr. A sensação de liberdade que invadiu meu corpo foi intoxicante. O mar, sempre presente, parecia mais distante e ao mesmo tempo mais íntimo. Eu e ele, sozinhos, com o mundo ao redor desaparecendo.
A chuva começou como uma leve garoa, mas logo se intensificou, cobrindo tudo ao redor. As gotas pesadas se misturavam aos meus cabelos e à minha pele, tornando o cenário ainda mais mágico, como se o universo estivesse conspirando. Foi então que o vi. À distância, um homem se aproximava com um pequeno barco. O mar, imprevisível, balançava-o com força, mas ele lutava contra as ondas, equilibrando-se com dificuldade, carregando uma caixa em cada mão. Seu esforço era cômico e, de alguma forma, encantador. Aquela figura desajeitada me arrancou um sorriso.
Ele parecia tão perdido, e eu, por um momento, fiquei curiosa. Mas o ensinamento de minha mãe, Água, sempre ecoava na minha mente. “Não se envolva com humanos.” Essa regra simples, mas poderosa, falou mais alto do que qualquer impulso.
Antes que ele pudesse me perceber, corri em direção ao mar. O frio das águas me abraçou, e uma sensação familiar de transformação tomou conta de mim. Minha forma humana cedeu à minha verdadeira natureza. A correnteza me envolvia com carinho, e a certeza de que ele não me vira me acalmou. Eu estava segura, invisível em meu reino, observando sem ser vista, como sempre fui.
O som da água me absorveu, mas não pude afastar o pensamento sobre aquele homem. Lembrei-me das palavras de meu pai, ecoando em minha mente: “Douglas, trabalhe com o que ama, e terá sempre amor com você.” Como filho de um faroleiro, me tornei biólogo marinho. E, sim, gosto do que faço. Mas carregar caixas como aquelas? Existiria uma maneira mais fácil? Talvez com um barco maior.
De repente, algo chamou minha atenção. “O que é isso? Uma mulher, sozinha na praia, no meio da chuva?” Vi uma figura feminina correndo em direção ao mar agitado, desaparecendo nas ondas. A cena foi rápida, mas eu a senti profundamente. Um pensamento fugaz passou pela minha cabeça: Deveria reportar isso? Mas não, provavelmente era apenas alguém da ilha.
Voltei ao trabalho. Encontrei alguns peixes para analisar. Entre eles, uma escama diferente. Interessante, pensei. Isso vale a pena levar para o laboratório. Mas, mesmo enquanto guardava os peixes e a escama na caixa, a imagem da mulher, correndo em direção ao mar, persistia na minha mente. Algo estranho e misterioso naquele momento, mas eu sabia: não podia me distrair. O trabalho sempre foi meu foco, e hoje não seria diferente.
Na manhã seguinte, o sol banhava as pedras com uma luz dourada, revigorante. A lembrança do toque das ondas na minha cauda ainda estava fresca. Avistei o mesmo pequeno barco à distância. Uma curiosidade crescente se apoderou de mim. Aquela sensação, de alguma forma, era familiar. Quem era aquele homem, e o que fazia ali, indo e voltando com aquele barco desengonçado?
A canção da liberdade ecoou em minha mente, como um reflexo de minha essência. Eu não podia deixar de cantar, como sempre fiz. A melodia que se espalhou pelo ar era pura e sincera, um reflexo da minha verdadeira natureza.
Canção da Liberdade:
No mar, eu sou livre, meu lar é imenso,
As ondas me guiam num eterno balanço.
O sol beija a água, me envolve em calor,
No abraço das ondas, sou feita de amor.
Correr na areia, sentir a brisa,
O vento me chama, minha alma avisa.
No horizonte distante, um barco a flutuar,
Um mundo de mistérios, desejo desvendar.
Liberdade, meu canto, meu lar,
Nas águas profundas, meu coração a pulsar.
Sob o céu infinito, minha voz a ecoar,
Sou sereia, sou vento, sou mar.
A melodia fluiu através das ondas, uma expressão pura do que sou. Mas uma dúvida persistia, insistente como o mar: quem era aquele homem? E o que ele fazia aqui? Algo me dizia que o destino de nossos caminhos estava entrelaçado de uma maneira que eu ainda não entendia. Mas, por ora, deixei essa curiosidade de lado e me entreguei à liberdade do mar, cantando minha canção de vida.
Mas, como todas as ações, até as mais simples têm suas consequências. A canção atravessou a distância até Douglas, encontrando seu caminho até sua mente. Ela não era apenas uma melodia — era um chamado.
Passaram-se dias, e Douglas se viu perdido em sonhos. A canção o consumia, inundando sua mente. Ele a ouvia até em seus devaneios, como uma chama eterna, atraente e impossível de ignorar. Ele via o mar em sua mente, nadando livremente, experimentando a imensidão das ondas e a sensação de liberdade. Essa obsessão tomava conta de sua vida, e ele não conseguia mais focar em suas atividades.
Aquela simples melodia tornou-se sua prisão, uma prisão que o afastava de tudo que conhecia, até mesmo de seu trabalho. O laboratório, onde antes encontrava consolo, agora parecia um cárcere.
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