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Memento Mori

Capítulos 6

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Memento Mori Céu Profano Capítulo I

Passo alguns minutos encarando a caixa, como se fosse algo estranho, quase alienígena. Mesmo com algo dentro de mim gritando para não abrir, eu a abro. Inicialmente, tudo o que vejo é um monte de isopor. Reviro mais e só encontro isopor, até que meus dedos tocam um envelope. Retiro-o da caixa e, dentro dele, vejo um pequeno tufo de cabelos loiros e um colar com um pingente em formato de estrela, lembrança que me remete ao meu irmão mais velho.

— Merda! — sempre que me lembrava de Vlad, sentimentos conflitantes emergiam dentro de mim. Mesmo que uma parte minha amasse e quisesse mais do que tudo acreditar na inocência do meu irmão, o sentimento de ódio e dor vinham juntos. — Não é hora para isso, concentre-se! — disse a mim mesma.

Olhando com atenção, havia uma carta dentro do envelope, e mesmo já tendo feito essa ação muitas vezes desde que o Assassino Anjo começou a me mandar mensagens, não conseguia me acostumar. Era, de certo modo, curioso e assustador pensar que aquelas letras foram digitadas por um assassino. Com as mãos trêmulas, desdobro a folha de papel e me forço a ler as palavras escritas.

 

“Querida Ayla,

Sinto que faz tempo demais desde nossa última conversa e, confesso, a saudade tem me visitado mais do que gostaria. Sabe, sempre me pergunto: você pensa tanto em mim quanto eu em você? Essa ideia me fascina.

É um dilema que carrego: se deveria ou não te contar sobre meu primeiro "feito". Ele era um garoto encantador, olhos de um castanho claro quase hipnótico, cheio de vida e coragem – uma coragem que me desafiou. A sensação de tocar o fio tênue que separava sua vida da eternidade foi sublime, embora houvesse uma leve decepção. Engraçado pensar que foi um acidente, mas ainda assim, delicioso.

Esse primeiro anjinho era mais que uma vítima; era enérgico, cativante e um amigo leal. Ele, veja bem, daria sua própria vida por um amigo. E sabe o que torna esse detalhe ainda mais intrigante? Ele fez exatamente isso. Protegeu alguém muito especial – alguém que ambos conhecemos… o V. Dizer seu nome agora tiraria um pouco de graça, você não acha?

Mas, minha doce flor de cerejeira, não ache que este é um simples desabafo. Continuarei meus passos, com um único objetivo: trazer V de volta para perto de mim. Estou tão curioso para saber como ele se encontra hoje… é intrigante, não? Como o amor parece não morrer.

Ah, Ayla Nagato… ou devo chamá-la de Taylor?

Soube do seu carinho por um velho Sr. Cereja. Ele, desgastado pelo tempo, traz lembranças, não? Brincadeiras de infância, de uma inocência tão distante. E falando em V, é fascinante como ele ainda carrega um carinho por você, mesmo que velado. Pode ser risível, eu sei, mas você acredita? O que ele, de fato, ainda pensa em você? Engraçado, mas ele não é o único.

Há outra pessoa, alguém que compartilha essa dança sombria conosco. Muitos o acusaram de um crime horrível, mas posso afirmar que a única culpa que V carrega é o de tentar proteger seu amigo e também te proteger.
 Este é apenas o início do nosso jogo, uma correspondência para você entender meus próximos passos. Espero encontrá-la onde tudo começou, para encerrarmos esse ciclo.

 

Com tudo isso em mente,

Seu novo e dedicado amigo,
 Anjo”

 

Como esse cretino sabia de tantas coisas a meu respeito? Uma sensação de estar sendo perseguida se apoderou de mim. Como sabia do apelido que meu irmão mais velho tinha me dado? Era algo que somente minha família adotiva sabia, e tenho plena certeza de que Damon não faria uma brincadeira de mau gosto como essa.

— Meu ursinho? — sussurro e volto mais uma vez a atenção para aquela grande caixa cheia de isopor e, com um leve desconforto, retorno minhas mãos para dentro dela. Depois de mais alguns minutos, consegui encontrar mais um objeto e com o coração quase saindo pela boca, retiro algo há muito tempo perdido por mim. — Sr. Cereja? — em minhas mãos estava o meu antigo bichinho de pelúcia favorito.

Sei que deveria estar me focando nas novas informações, mas olhar para aquela pequena parte de minha infância era como estar hipnotizada. Aqueles botões verdes que foram tantas vezes colocados pelas pequenas e magras mãos de meu irmão, aquelas mesmas mãos que assassinaram toda a minha família. As costuras, os remendos, tudo estava perfeitamente igual à última vez que o vi.

A lembrança daquele dia surgiu vividamente em minha memória, a gritaria, os longos e fúteis pedidos de socorro de minha mãe, os urros de dor que vinham de meu outro irmão, as maldições pregadas por meu pai e meu pequeno e suplicante pedido de que tudo parasse, que tudo ficasse quieto.

Sem me dar conta, imagino meu irmão abrindo a porta cheio de sangue. Seus olhos prateados brilhando palidamente sobre a luz lunar, a frieza se dissipando quando sua visão encontra a minha. O sorriso sutil e tímido que aos poucos foi formando nos lábios delicados dele. Em suas mãos ensanguentadas trazia uma faca, a qual soltou no chão assim que me viu, e o sussurro silenciado de suas últimas palavras voltadas a mim, palavras essas que não me lembrava. E então as luzes dos carros de polícia apareceram por entre as cortinas da janela do meu quarto e logo em seguida a cena do detetive Sebastian jogando o corpo franzino de Vlad ao chão e meu irmão não fez nenhuma menção de protestar ou mesmo lutar por sua liberdade.

— LY! — uma voz forte me puxa de minhas lembranças e me deparo com os olhos brancos de meu irmão, que demonstrava preocupação. — Ayla Taylor, a terra está te chamando! — Damon cruzou os braços, fazendo seus músculos saltarem. — Ficou a noite toda aqui? De novo? — o tom reprovador tomou posse de sua fala. — O que vamos fazer com você? Sabe o quanto deixou o velho preocupado?

— Noite inteira? — volto minha visão para os arredores do departamento de investigação e percebo olhares curiosos e divertidos em nossa direção. — Mas…

— Sem nada de mais, como quer ajudar no caso se nem consegue dormir?

— Mas…

— Olha, vá para casa e… não me interrompa! — me repreende quando faço menção de que vou protestar. — Vá para casa, tome um banho e descanse e só depois, somente depois, volte, compreendeu?

— Sim, senhor! — disse a última palavra para irritá-lo, pois sabia que odiava essa formalidade entre nós. — É que eu… — mas ele me interrompe e com o dedo mostra a porta de saída do edifício.

— Vá agora!

Assim que chego em casa, vou direto para o banheiro, precisava tomar um banho quente.

Fico alguns minutos encarando meu reflexo no espelho e por mais que queira brigar com Damon, sabia que precisava descansar. Minhas olheiras estavam mais escuras e profundas, um presente do meu mais novo trabalho. Não fazia muitos meses que havia passado no concurso da polícia e, consecutivamente, sido promovida a detetive, se bem que a parte da promoção é incerta, já que estou apenas sendo aturada. Eu conseguia ver os olhares irritadiços que a maioria de meus colegas lançava em minha direção, como se tivessem inveja de mim por conseguir a atenção de um assassino em série. Sendo sincera, trocaria qualquer promoção ou dinheiro do mundo para voltar a ser a invisível Ayla novamente.

Retiro minhas roupas e ligo o chuveiro. A água quente toca minha pele, deixando-me instantaneamente mais relaxada, contudo, minha mente não seguia o mesmo caminho que meu corpo físico. Sentia cada neurônio ficar tenso sempre que pensava no caso e isso era quase que recorrente.

Desde a primeira carta que ele me mandou, me dando os parabéns por ter passado e até essa de agora me deixava com a pulga atrás da orelha. Me intrigava como ele conhecia coisas minhas que somente meu irmão e eu sabíamos, nunca tinha contado do meu apelido nem para minha família adotiva.

— Certo, pare de pensar nessas bobagens! — decido por mim mesma quando desligo o chuveiro.

Essa montanha-russa de sentimentos e pensamentos não vai me levar a lugar nenhum, exceto para um mar de depressão e, sendo sincera comigo mesma, era um lugar ao qual não queria voltar nunca.

Após colocar qualquer peça de roupa que tinha, sem me importar se estava combinando ou não, me olho no espelho e prendo o cabelo num rabo alto mal feito. Aqueles olhos prateados me olhavam através do espelho, mesmo que fossem meus, ainda assim me assustavam e me lembravam de tempos sombrios.

Meus pensamentos voltaram ao conteúdo da última carta e, por mais que eu quisesse fingir que conseguia dormir, sabia que não teria o mínimo sucesso. Depois de lutar tanto comigo mesma, enfim consegui criar coragem para encarar meu traumático passado, com mais determinação do que coragem, me forço a ir ao local de meus pesadelos.

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