Memento Mori Céu Profano Capítulo III
A casa de Vincent estava cercada pela polícia, entretanto não o encontrei no local. Um dos policiais que estava nos arredores me falou para ir em direção à delegacia, pois ele tinha sido levado para lá. Com o coração na mão, ligo o carro e saio apressada em direção à delegacia. Sabia que meu pai iria me matar por pegar o carro dele sem permissão, só que aquele era um caso especial, tinha que compreender o que estava acontecendo. Entro na delegacia e vou em direção à sala de interrogatório, mas Damon me para na porta.
— Onde acha que vai? — ele coloca as mãos na cintura. — Sério, custa terminar a conversa antes de sair derrubando tudo? — o tom calmo em sua voz só demonstrava o quão furioso ele estava comigo.
— Não tenho tempo para isso, preciso saber o que está acontecendo! — tento manter o controle na voz, mas sei que não estou indo muito bem.
— Se você não fosse tão apressada, acho que entenderia — resmungou. — Venha, vamos observar a conversa…
Por entre a janela, vejo Vincent e à sua frente um homem de aparência cansada e cabelos predominantemente brancos. Meu pai olhava para o outro com certa apatia, na verdade sempre foi assim quando tinha que interrogar algum suspeito, era isso que Damon me dizia. Não poderia concordar mais, o papai realmente era assustador quando queria.
— Pa…
— Shhh! — Damon colocou o dedo indicador na boca. — Fique quieta e apenas escute, okay? — as íris anormalmente brancas me fitavam com certo tom de desafio, como se duvidasse da minha capacidade de ficar quieta. A sorte desse bastardo era que era casado e não queria deixar minha sobrinha órfã e minha cunhada viúva.
— Certo! — mordo o canto da boca.
Damon se virou de lado, ainda com aquele maldito sorriso convencido no rosto. Percebi que seus cabelos brancos estavam amarrados num rabo bem malfeito, o que indicava que saiu de casa às pressas, como eu. Mas, se tinha uma coisa irritante nele, era que não importava o quão desarrumado estivesse, ainda estava uma maravilha de deus grego, chegava até a ser irritante. Ele estava com as mangas da camisa dobradas para cima, deixando à mostra partes de sua tatuagem de asa que saía das costas e terminava quase alcançando a palma das mãos. Por estar com os braços cruzados, era possível notar os belos músculos que possuía, e sem contar aquela expressão séria e centrada, o deixava ainda mais sexy. Foco! Digo mentalmente para mim mesma, tenho que me concentrar no interrogatório que está acontecendo.
— Então, quer me dizer por que a vítima saiu de sua casa? — Sebastian pergunta.
— Eu sou o professor particular dele — Vincent respondeu calmamente. — Os pais dele me pagaram para dar aulas particulares, visto que o menino não andava bem na escola.
— Me diga o que estava fazendo quando o jovem Noah Stillys desapareceu? — Sebastian resolve sentar na cadeira disposta à frente do interrogado, mas em nenhum momento tirou os olhos desconfiados do suspeito.
— Bom, creio que em casa, dormindo — disse, sustentando o olhar severo do detetive.
— Crê? — indagou Sebastian com a voz cheia de desconfiança. — Pensei que tivesse a mais absoluta certeza, Sr. Foster…
— Como posso ter certeza do que estava fazendo quando não sei a hora em que o menino foi sequestrado? — Vincent respondeu à pergunta do detetive com outra, o que foi visto como afronta aos olhos do detetive.
— O senhor está bem engraçadinho para quem está sob suspeita.
— Não estou querendo ser engraçado, caro detetive, só queria pontuar o óbvio, não foi minha intenção ser rude — desculpou-se o homem.
— Não estou aqui para ouvir desculpas suas, quero que me dê um bom motivo para achar que o senhor, Sr. Vincent, não seja o culpado! — vociferou Sebastian. — Então, tem ou não tem um álibi concreto?
— Gostaria de dizer que sim, mas como moro sozinho, creio que não… — Vincent disse meio pensativo. — Ah, eu estive numa ligação com minha mãe!
— E a que horas foi isso?
— Assim que Noah saiu da minha casa, umas 20h, e devo ter ficado conversando com ela uns 30 a 40 minutos.
— Não se importaria se fôssemos verificar? — Sebastian fez uma pergunta retórica.
— Não tenho nada a esconder, oficial — foi tudo o que Vincent respondeu.
— Está liberado, porém não se esqueça que ainda é um suspeito.
Observo atentamente Vincent se levantar e sair calmamente da sala enquanto Sebastian arrumava os arquivos que foram jogados sobre a mesa no momento da interrogação. Mal me aguento de tanta ansiedade, estava parecendo uma criança que não conseguia esperar o momento de abrir seus presentes de Natal.
Ao ver que meu pai tinha saído do local, sem esperar sequer a liberação de meu irmão, saio em disparada atrás dele, queria entender o que significava tudo aquilo. Eu só o alcanço quando já está prestes a entrar na sua sala, grito pelo seu nome e Sebastian finalmente olhou para trás. Ele estava com um olhar ainda mais cansado do que de costume, talvez o número de casos que fosse responsável tivesse aumentado.
— Finalmente parou! — sussurro de forma ofegante. — Pai, está tudo bem? Cada dia que passa você envelhece cem anos — brinco para quebrar o clima de tensão.
— Muito engraçada você, né Aly? — um sorriso brincalhão se forma em seus lábios, mas os olhos não pareciam compartilhar do mesmo sentimento. — Em que posso ser útil?
— Pare de agir assim! — digo contrariada. — Fica parecendo que só vou até você quando preciso de algo!
— Oh, sabes que não é assim, mas se dei esta impressão, peço que me perdoe, esses dias têm sido longos — respondeu com a voz falha e cansada.
— Sei disso, quantos casos está trabalhando agora? — o questiono com um pouco de curiosidade.
— Muitos — disse sem rodeios. — Porque tamanho interesse?
— Até mesmo no Assassino Anjo? — indago sem esconder meu interesse.
— Ah! — foi a única resposta que me deu e começou a adentrar o escritório e eu vou atrás dele indignada.
— Sério que é tudo o que vai me responder?
— Sei que tem um interesse mais sentimental neste caso, nem sei como o chefe deixou que fizesse parte — era notável seu desconforto com esse fato e quase palpável seu descontentamento.
— Ora! Isso não significa que o trato de forma leviana! — protesto contra o seu posicionamento. — Saiba que é justamente por ter uma ligação com esse caso que consigo pensar melhor! — comecei a ficar irritada com meu pai.
— Se pensa assim, querida, você nunca será uma boa detetive — me repreendeu, o que me deixou ainda mais irada.
— Como ousa? — digo me segurando. — Se não fosse por mim, nunca sairiam da estaca zero e o assassino poderia continuar por anos sem ser pego!
— Caso não tenha reparado, você apenas apontou um suspeito, nada mais! — tinha horas que odiava o lado racional de Sebastian. — Além de que nem sabemos onde se encontra Vlad — pontuou.
— Creio que temos provas mais que suficientes para o colocar neste lugar, não vê?
— Tudo que vejo é uma criancinha que ainda brinca de detetive — disse-me ele, o que me fez sentir ainda mais a cólera subindo e passando por cada veia do meu corpo. — Acredita mesmo que é tão simples assim?
— Algumas vezes é! E essa criancinha aqui mostrou o quão errado estava indo a SUA investigação!
— Porém, sem mais nem menos, já atribuiu um culpado só por conta de seu próprio passado! — Sebastian jogou na minha cara. — Nem tudo que acreditamos ser a verdade quer dizer que seja, cresça!
— Quer me dizer que quando Vlad matou Matt não foi a verdade? — faço uma pergunta retórica. — Sendo que o investigador daquela época era você?
— Criança…
— NÃO ME CHAME DE CRIANÇA! — grito perdendo a paciência. — Faz anos que não sou mais uma! — continuo com a voz mais baixa, essa era uma frase que deixava claro o trauma que eu carregava comigo. Por um pequeno momento, pude notar a culpa passando pelos olhos castanhos apáticos, mas sem dar tempo dele se desculpar, dou as costas e saio com passos pesados e largos.
— Sinto mu… — não consegui terminar de ouvir as desculpas dele, pois já estava longe demais para escutar.
Com a mente cheia de pensamentos voltados para meu passado, que passei a vida toda tentando esquecer. Novamente avisto aquele vulto em forma de criança, mesmo sendo apenas a sombra, não precisava chegar perto para saber quem era, já que ele vivia em meus pesadelos. Conseguia escutar a voz conhecida dele penetrando mentalmente, me fazendo tremer loucamente. Comecei a me sentir presa no lugar, por mais que quisesse me mover, era como se meu cérebro estivesse hipnotizado por aquela maldita voz. Então, sinto que o ar ao qual trago para dentro de meus pulmões não conseguia chegar ao destino. Meu pânico estava saindo de controle, havia anos que não tinha uma crise como essa. Queria gritar por ajuda desesperadamente, só que nada saia de minha garganta.
— Ayla… — escuto alguém me chamando, mas parecia tão distante. — Senhorita Ayla! — antes que desabasse, sinto mãos largas e fortes me segurando.
Sinto meu corpo muito pesado, coloco a mão sobre a cabeça, pois sinto doer fortemente. As memórias dos acontecimentos vieram como uma bomba, o jeito que meu pai adotivo falou comigo, o maldito ataques de pânico que tive logo depois e a voz que não consegui identificar quem era. Só conseguia me lembrar do aperto forte que tinha e do aconchego que estar nos seus braços me proporcionou.
Quando abro meus olhos, posso ver a luz batendo nas paredes de cores claras, quase me cegando completamente. O teto era de cor branca, com pequenos pontos luminosos que deveriam ser as luzes presentes no cômodo e dois ventiladores de teto rodopiando sem parar. Movo minha cabeça para o lado esquerdo e sou agraciada com uma brisa fresca que começa a brincar com meus fios de cabelo. Novamente movo meu rosto, desta vez para o lado direito e vejo que tinha um acesso preso no meu braço e um saquinho de soro quase acabando.
— Ah, que bom que acordou! — vejo um homem sentado perto de mim, seus cabelos castanhos que antes sempre estavam arrumados, agora estavam uma bagunça, o que dava a ele o aspecto mais jovial.
— Vincent? — chamo, começando a sentir o rosto esquentar. De todas as lembranças que tinham que vir à tona em minha mente, teve que vir justamente aquela que pensava ser calorosa? Às vezes odiava mesmo meus pensamentos. — Onde estou? — pergunto, mesmo sabendo a resposta, precisava ouvir de outra pessoa para que tudo se tornasse real.
— No hospital, não sabia o que fazer, você simplesmente desmaiou nos meus braços… — disse ele com os olhos cheios de lágrimas. — Começou a ter febre e… pensei mesmo que ia morrer… — sussurrou ele, mudando seu campo de visão para a janela.
— Eu… — não sabia o que dizer ou mesmo o que pensar. — Eu agradeço e peço desculpas por te preocupar…
— Nunca diga isso, está tudo bem, contanto que você esteja bem… — sua resposta me fez sentir ficar ainda mais vermelha. — O médico disse que teve um ataque de pânico…
— Fazia anos que não tinha um… — murmuro para mim mesma.
— Não foi o seu primeiro? — a preocupação voltou na voz dele.
— Sim, não foi meu primeiro, mas pensei mesmo que tinha superado isso… — digo, lembrando da minha infância. — Esses ataques começaram uns dois meses depois que meu irmão matou minha família…
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