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Auto da Barca do Inferno

Capítulos 9

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Auto da Barca do Inferno Cena 2

Aparece um Onzeneiro, (*) e pergunta ao barqueiro do Inferno, dizendo:

 

[(*) Indivíduo que vive a emprestar dinheiro aos outros e a cobrar depois juros altos. Eram os banqueiros da altura.]

 

ONZENEIRO

 

Para onde navegais?

 

DIABO

 

Oh! Em que má hora chegais, Onzeneiro, meu parente!

Porque tardastes vós tanto?

 

ONZENEIRO

 

Mais ainda eu quisera tardar...

 

Na safra do apanhar, (Na tarefa de ganhar dinheiro)

 

Deu-me Saturno(*) o quebranto. (a morte)

  

[(*)Saturno era o deus romano do Tempo.]

  

DIABO

 

Ora muito me espanto por ver Não vos salvar o dinheiro!...

 

ONZENEIRO

 

Nem para o barqueiro

 

Me deixaram ficar com algo…(*)

 

[(*) O Onzeneiro refere-se novamente às mitologia grega, segundo a qual os mortos teriam que atravessar o rio Aqueronte, pagando uma moeda ao barqueiro, de nome Caronte, pela passagem. Queixa-se ele de que não o deixaram levar nenhum do seu dinheiro consigo, quando morreu, nem para pagar ao tal barqueiro da lenda.]

  

DIABO

 

Ora então entrai, entrai aqui!

 

ONZENEIRO

 

Não hei eu de aí embarcar!

 

DIABO

 

Oh! Que gentil recear,

 

E que divertido para mim!...

 

ONZENEIRO

 

Ainda agora faleci!

 

Deixa-me escolher um batel!

 

DIABO

 

Oh São Pimentel! Porque não irás aqui?...

 

ONZENEIRO

 

E para onde é a viagem?

 

DIABO

 

É para onde tu hás de ir.

 

ONZENEIRO

 

E vamos já partir?

 

DIABO

 

Não penses em mais linguagem. (Deixa-te de mais conversas)

  

ONZENEIRO

 

Mas para onde é a passagem?

 

DIABO

 

Para a infernal comarca.

 

ONZENEIRO

 

Dix! Não vou eu em tal barca. (uma interjeição de espanto)

 

Aquela outra tem avantagem (melhor aspeto)

 

Dirige-se à barca do Anjo, e diz:

 

ONZENEIRO

 

Oh da barca! Olá! Ó! Haveis já de partir?

 

ANJO

 

E onde queres tu ir?

 

ONZENEIRO

 

Eu, para o Paraíso vou.

 

ANJO

 

Pois quanto a mim, muito fora estou (não contes comigo)

 

De te levar para lá

 

Aquela outra barca te aceitará; Ali vai quem enganou!

 

ONZENEIRO

 

Porquê?

 

ANJO

 

Porque esse bolsão Ocuparia todo o navio.

 

ONZENEIRO

 

Juro a Deus que vai vazio!

 

ANJO

 

Não no teu coração.

 

ONZENEIRO

 

Lá me ficou de roldão (perdida)

 

A minha fazenda e alheia (riqueza)

 

ANJO

 

Ó onzena, como és feia (ozena = usura, avareza)

 

E filha da maldição!

 

Torna o Onzeneiro à barca do Inferno e diz:

 

ONZENEIRO

 

Oh da barca! Oh Demo barqueiro! Sabeis vós no que me fundo? (penso)

Quero lá voltar ao mundo E trazer o meu dinheiro. Aquele outro marinheiro,

Porque me viu vir sem nada,

Deu-me tanta borregada, (insultos)

 

Como os barqueiros lá do Barreiro.

 

DIABO

 

Entra, entra! E remarás! Não percamos mais a maré!

 

ONZENEIRO

 

Todavia...

 

DIABO

 

Por força assim é!

Como fizeste, cá entrarás! Irás servir Satanás,

Porque sempre ele te ajudou.

 

ONZENEIRO

 

Oh triste de mim... Quem me cegou?

 

DIABO

 

Cala-te que depois chorarás.

 

Ao entrar o Onzeneiro no batel, encontra o Fidalgo embarcado e diz tirando o barrete:

ONZENEIRO

 

Santa Joana de Valdês!

 

Também está cá vossa senhoria?

 

FIDALGO

 

Dê ao demo a cortesia!

 

DIABO

 

Que ouvi? Falai vós em ser cortês! Vós, fidalgo, que penseis?

Que estais na vossa pousada? Dar-vos-ei tanta pancada

 

Como a um remo que renegueis!

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