A Jornada do Último Guerreiro Capítulo 16
O Retorno à Vila
A noite caiu sobre eles como um véu silencioso, pesado e inesperado. Tao e Shen saíram da caverna com passos incertos, como se ainda estivessem presos àquela atmosfera sombria e opressora. O ar frio da noite os envolveu, mas nem mesmo o frescor cortante parecia abalar o peso que agora residia sobre Tao. Seus ombros estavam mais rígidos, sua mente mais carregada, e algo dentro dele vibrava com uma presença estranha e perturbadora.
Ao cruzarem o limiar da caverna, ambos pararam, olhando para o céu coberto de estrelas. Era um céu familiar, mas a sensação de estranhamento persistia.
— Já é noite... — murmurou Tao, o olhar fixo no firmamento, ainda tentando processar como o tempo havia passado tão rápido sem que ele percebesse.
Shen, ao seu lado, olhava o horizonte com o cenho franzido. Ele sentia algo de errado também, mas sua natureza pragmática o empurrava a focar no próximo passo.
— Longo o suficiente — respondeu Shen, com uma voz dura, mas carregada de cansaço. Ele suspirou antes de continuar. — Vamos voltar antes que alguém perceba nossa ausência e comece a fazer perguntas.
Tao assentiu, mas seu olhar continuava perdido nas estrelas, como se buscasse ali respostas que sabia que não encontraria. Shen deu um tapinha em seu ombro, e eles começaram a descer o caminho íngreme e pedregoso que os levava de volta à vila.
Enquanto caminhavam, o silêncio entre eles era pesado, mas não incômodo. Ambos estavam imersos em seus próprios pensamentos. Tao, agora carregando o peso da entidade dentro de si, estava mais atento do que nunca. Sua mente tentava a todo custo processar o que havia acontecido na caverna
— o pacto, a possessão, e o estranho senso de poder que agora pulsava dentro dele. O sentimento de ter outra presença em sua mente era... desconcertante. Ocasionalmente, ele ouvia sussurros, ecos de pensamentos que não eram seus. Às vezes, a entidade tentava se comunicar, mas Tao se recusava a ouvir.
"O que eu fiz?", ele se perguntava repetidamente, sentindo o peso de sua decisão afundar ainda mais em sua alma.
Shen, por outro lado, caminhava em silêncio, mas sua postura era tensa. Ele também estava profundamente preocupado com o que havia ocorrido na caverna, mas diferentemente de Tao, seu foco estava em algo mais prático: a segurança da vila e os perigos iminentes. Ele havia desdenhado da entidade, mas não era tolo. Algo maior estava por vir, e Shen sabia que eles precisavam estar preparados.
Chegaram à vila após o que pareceu uma eternidade. As luzes das casas brilhavam como pequenos faróis de calor e conforto, um contraste gritante com a escuridão silenciosa que envolvia as montanhas. O som distante de conversas, risadas e atividades comuns preenchia o ar, trazendo um breve alívio para os dois guerreiros. Pela primeira vez desde que deixaram a caverna, a normalidade parecia ao alcance, mesmo que apenas por um instante.
Eles seguiram diretamente para a casa de Tao, onde Mei e Cheng, os pais dele, aguardavam ansiosos.
Tao podia sentir o olhar preocupado de sua mãe antes mesmo de avistá-la, e isso fez com que seu peito se apertasse. Ele precisaria mentir para eles. A ideia não lhe agradava, mas sabia que a verdade completa traria pânico desnecessário.
Ao avistarem o filho, os rostos de Mei e Cheng se iluminaram de alívio. Mei correu em direção a Tao, envolvê-lo em um abraço apertado.
— Tao! — exclamou Mei, segurando o rosto do filho entre as mãos e examinando-o. — Estávamos tão preocupados! Vocês ficaram fora o dia inteiro. O que aconteceu?
Cheng, que seguia com uma postura mais contida, olhou para o filho com olhos analíticos, sua testa franzida. Ele conhecia bem seu filho e, ainda que não pudesse compreender completamente, sabia que algo estava diferente. Havia um ar pesado em Tao que antes não existia.
— Vocês estão bem? — perguntou Cheng, sua voz grave cortando o momento de alívio.
— teve algum problema?
Tao engoliu seco. Ele sabia que não podia revelar tudo. A última coisa que queria era preocupar seus pais com a ameaça da entidade ou com a sombra que se aproximava da vila. Trocar um breve olhar com Shen, que assentiu discretamente, reforçou sua decisão de omitir partes da verdade.
— Está tudo bem, mãe, pai, — disse Tao, forçando um sorriso tranquilo, embora o peso da entidade o pressionasse por dentro. — Fomos até as montanhas investigar uma antiga caverna que Shen conhecia. Havia sinais de uma criatura antiga... mas conseguimos lidar com a situação. Foi mais demorado do que esperávamos, mas... estamos bem agora.
Mei o olhou com preocupação, seus olhos analisando cada centímetro do rosto de Tao, procurando por algum indício de que ele estava escondendo algo. Ela conhecia bem o filho e sabia quando ele não estava sendo totalmente sincero. No entanto, a resposta parecia suficiente para acalmá-la, pelo menos temporariamente.
— Contanto que vocês estejam bem, — Mei disse, suspirando aliviada. — Vamos preparar algo para comer. Vocês devem estar famintos.
Cheng, por outro lado, não parecia completamente convencido. Seu olhar ainda pairava sobre Tao com uma sombra de dúvida. Ele não era um homem de palavras fáceis, mas seu instinto paternal o alertava de que algo estava errado.
— Fico feliz que tenham voltado em segurança, — disse Cheng, sua voz grave soando quase como um aviso. — Mas Tao, você parece... diferente.
Tao desviou o olhar rapidamente, tentando esconder o desconforto.
— Só um pouco cansado, pai. Nada que um pouco de descanso não resolva — disse ele, com um sorriso que não alcançou seus olhos.
Shen, que havia permanecido em silêncio até então, finalmente se pronunciou, sua voz baixa e calma.
— O importante é que o perigo passou... por enquanto.
Mei e Cheng se dirigiram à cozinha para preparar uma refeição, deixando Tao e Shen sozinhos por um breve momento. Tao suspirou profundamente, permitindo-se relaxar, ainda que fosse apenas por um instante. Mas, dentro de sua mente, a entidade sussurrava constantemente, uma presença que ele sabia que não podia ignorar.
“Não pode esconder isso para sempre, Tao”, a voz da entidade sussurrou. “Eles vão descobrir, mais cedo ou mais tarde. Mas por agora... é melhor mantê-los a salvo da verdade.”
Tao franziu o cenho, tentando empurrar os pensamentos da entidade para o fundo de sua mente. Ele não queria lidar com isso agora, não ali, diante de seus pais. Mas a entidade tinha razão. O tempo era curto, e eles logo teriam que enfrentar algo muito maior do que qualquer um poderia imaginar.
Enquanto isso, nos limites da vila, uma figura encapuzada observava em silêncio. Suas roupas esfarrapadas e postura humilde o faziam parecer um simples viajante, alguém que não chamaria atenção. Mas seus olhos, escondidos sob o capuz, brilhavam com uma malevolência sombria. Ele estava ali para observar, e observar ele faria.
A figura aproximou-se de uma árvore, suas mãos trêmulas tocando o solo macio. Uma energia escura emanou de seus dedos, conectando-o a forças invisíveis ao seu redor. Seus lábios se moveram, murmurando palavras inaudíveis, e uma mensagem psíquica foi enviada, não através de palavras, mas diretamente ao plano mental.
“Lorde Feng”, a figura pensou, sua voz reverberando pelo espaço psíquico. “Estou observando a vila.
Eles voltaram. O guerreiro e o velho. Algo mudou... o jovem está diferente. Sinto a presença da entidade nele.”
A resposta foi imediata. A mente de Lorde Feng se conectou à dele com uma força esmagadora, uma presença que o viajante mal podia suportar.
“Continue a observá-los”, veio a resposta, fria. “Descubra tudo o que puder sobre o estado do guerreiro. Se ele realmente está em posse da entidade, nosso próximo passo será decisivo.”
O viajante inclinou a cabeça em reverência, embora não houvesse ninguém ali para ver.
“Como desejar, meu senhor.”
A figura recuou para as sombras, permanecendo nas trevas enquanto continuava a vigiar a vila. O destino de Tao e de todos ao seu redor estava prestes a ser selado, e as peças do tabuleiro estavam começando a se mover. O verdadeiro confronto estava próximo, e nenhum deles, nem mesmo Tao, estava totalmente preparado para o que estava por vir.
Dentro da casa de Tao, o som de panelas sendo mexidas e a voz suave de Mei preenchiam o espaço, mas o clima entre Tao e Shen era de uma preocupação silenciosa. Shen se aproximou do jovem guerreiro e colocou a mão em seu ombro.
— Precisamos ficar atentos, Tao. O que aconteceu lá dentro... — ele hesitou, a intensidade de suas palavras pesando. — Não podemos subestimar a entidade. Se você sente sua presença, isso significa que ela está se tornando mais forte.
— Eu sei, — Tao respondeu, sua voz quase um sussurro. — Mas o que podemos fazer? Não posso simplesmente abrir a boca e dizer aos meus pais que estou possuído por uma entidade antiga. Isso os mataria de preocupação.
— E se essa entidade se tornar incontrolável? — Shen questionou, seus olhos fixos nos de Tao, buscando uma resposta. — Você precisa ser honesto com eles, mesmo que isso signifique encarar a verdade mais dolorosa.
Tao baixou o olhar, lutando com seus próprios demônios internos. A decisão de abrir seu coração para seus pais era quase insuportável. Ele não queria arriscar a segurança deles, e a ideia de carregá-los com seu fardo o deixava angustiado.
— Não sei se estou pronto para isso, Shen. E se isso apenas piorar as coisas?
Shen suspirou, percebendo o dilema de Tao. Ele sabia que a situação era complexa e, ao mesmo tempo, queria proteger o amigo de qualquer dor. Mas a verdade não poderia ser ignorada por muito tempo.
— Só lembre-se: não estamos sozinhos nessa. Estamos juntos, e enfrentaremos isso juntos. — Ele deu um leve sorriso, tentando aliviar um pouco da tensão que pairava no ar.
Nesse momento, Mei e Cheng entraram na sala, trazendo uma bandeja com um jantar simples, mas reconfortante. O cheiro de arroz e vegetais assados invadiu o ambiente, trazendo um sopro de normalidade que era bem-vindo, mesmo que temporário.
— Está tudo pronto! — Mei anunciou, com um sorriso radiante. — Venham, é hora de comer.
Tao sentou-se à mesa, seu coração pesado, mas ele se esforçou para sorrir enquanto olhava para seus pais. A refeição era um lembrete de que, por mais complicada que fosse sua vida agora, ainda havia momentos de felicidade que podiam ser compartilhados. Enquanto conversavam e comiam, as risadas e histórias enchiam o espaço, mas dentro dele, a luta continuava.
A presença da entidade era como uma sombra em sua mente, sussurrando segredos, promessas e ameaças, mas Tao se recusava a deixar que isso interferisse em seu momento de paz. Pelo menos por agora.
Enquanto a noite avançava, o viajante encapuzado ainda observava, aguardando pacientemente o momento certo para agir. A escuridão se tornava mais densa, e as estrelas no céu pareciam assistir, silenciosas, ao desenrolar dos eventos que se aproximavam. O destino estava se aproximando, e a batalha que estava por vir exigiria coragem, sacrifício e, acima de tudo, união.
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