Skip to main content

Fogo e Lua no Sonhar

Capítulos 10

© Todos os direitos reservados.

Fogo e Lua no Sonhar Capítulo 8

O Resgate de Essências

A Cidade de Prata, nas Terras Incógnitas, tornara-se um refúgio sagrado. Vários deuses visitavam o lugar, guiados pela esperança de reencontrar seus Scions. Trazendo bênçãos, curas e promessas, eles reacendiam o que restava de fé nos corações cansados dos sobreviventes.

Mas uma visita se destacava pelo silêncio que a acompanhava: Odin, o Pai de Todos, chegou sozinho, com passos pesados, ao leito onde jazia Loki, envolto em um casulo prateado de torpor.

Ver Loki — o imprevisível, o sagaz, o incendiário — reduzido àquele estado, era um golpe profundo até para Odin. Ainda assim, o velho deus não se abalou. Seu olho único, o olho que tudo vê, enxergava além da carne, além da forma.

Foi então que percebeu.

Em meio aos dedos enrijecidos de Loki, brilhavam duas esferas de vidro translúcidas, pulsando com uma luz suave, quase viva. Odin se aproximou. Seus dedos calejados tocaram as esferas, sentindo nelas a essência de Jasper e Anna — duas chamas ainda ardendo, mesmo após terem sido arrancadas do plano físico.

Loki, mesmo à beira do colapso, havia cumprido sua última jogada. Enganando até mesmo o próprio destino, resgatara as almas dos dois jovens, guardando-as como quem protege um segredo dentro do próprio peito.

Odin sorriu, com orgulho silencioso. Era assim que Loki operava: com ousadia, com sacrifício, e — acima de tudo — com fidelidade disfarçada de desdém.

Sem dizer uma palavra, Odin recolheu as esferas e deixou o leito. Alguns Scions olharam com estranhamento. Outros apenas assentiram. Sabiam da ligação antiga entre os dois. Loki era o espinho na carne dos deuses — mas um espinho que Odin jamais arrancou.

O caminho de Odin o levou até as raízes de Yggdrasil, a Árvore do Mundo. Ao se aproximar, a própria terra pareceu estremecer em reconhecimento. As raízes pulsavam em dourado e verde, vivas com a energia primordial da criação.

Ali, sem cerimônia, Odin depositou as duas esferas sobre as raízes. A magia ancestral imediatamente respondeu, envolvendo Jasper e Anna com fios de luz. O processo de restauração havia começado.

O Renascimento e a Jornada de Odin

Durante 27 dias e 27 noites, Odin não se afastou de Yggdrasil. Em pé, imóvel, ele sussurrava cantos antigos, em idiomas que antecediam os deuses. Magias esquecidas ecoavam pela casca da árvore, envolvendo os corpos etéreos dos dois Scions com energia primitiva.

A cada dia, Anna e Jasper ganhavam forma. Carne, osso, alma, memória — tudo reconstruído com o cuidado de um deus que já tinha visto o fim e o começo dos mundos.

Mas o renascimento não era apenas físico. Era espiritual.

Eles voltaram... mas mudados.

Suas mentes eram redemoinhos de imagens e sentimentos. O tempo não passara de forma linear naquele plano. O medo, a perda, o silêncio... tudo ainda os acompanhava.

Com cuidado, Odin os acolheu nos braços. Estavam vivos — mas frágeis. Precisariam de tempo. Precisariam de alguém.

Foi então que Odin escolheu seu destino.

Ele não retornaria à Cidade de Prata. Em silêncio, atravessou planos e fronteiras, até chegar ao Reino de Succumbus — a deusa que governava os domínios dos desejos ocultos e das transições da alma. Apenas Hella, filha da morte, sabia de seu paradeiro, pois seus corvos lhe contaram.

Succumbus, envolta em névoa e perfume, o recebeu com reverência. Não perguntou por que ele viera — ela sabia.

Naquele reino estranho e belo, onde memórias e sonhos se entrelaçavam, Anna e Jasper encontrariam descanso, orientação e — quem sabe — redenção.

Ali também residia Magda, filha de Odin e irmã de Jasper. A escolha não fora aleatória. O Pai de Todos sabia que, ao lado dela, seu filho renascido encontraria força para voltar a ser quem era... ou quem precisava se tornar.

Ecos do Sonhar

Nas sombras de um trono de veludo púrpura, duas almas recém-renascidas repousavam.

Não eram mais os mesmos. Anna e Jasper, costurados de volta à realidade pelas mãos do próprio Pai de Todos, despertavam lentamente nas Terras Incógnitas — onde a luz da lua parecia emanar de cada pedra, e o tempo deslizava como um eco distante.

Odin os observava em silêncio, ainda ajoelhado diante das raízes de Yggdrasil, onde passara vinte e sete dias e noites, velando por suas essências. Seu olhar era o de um guerreiro antigo que já vira o começo e o fim de muitos mundos — mas jamais perdera a fé na possibilidade de recomeço.

Agora, aquele recomeço estava diante dele.

Anna abriu os olhos primeiro, piscando sob a luz prateada que preenchia a câmara viva. Jasper veio em seguida, respirando fundo, como se tivesse emergido de um sonho profundo demais para ser lembrado.

Eles estavam vivos — mas ainda não sabiam o que isso realmente significava.

Odin levantou-se com solenidade e, sem palavras, estendeu as mãos, guiando os dois renascidos por um caminho de folhas que brilhavam sob seus pés. À frente, a entrada do Salão dos Succubus os aguardava — tão imponente quanto enigmática.

O Salão dos Succubus

O grande salão de mármore negro assemelhava-se a uma galeria de sombras e luz, onde cada parede refletia a presença de entidades poderosas. A luz etérea que iluminava o ambiente parecia dançar sobre as superfícies polidas, criando uma ilusão de movimento onde não havia vida. Jasper e Anna se sentiram pequenos diante da grandiosidade do local. O ar, carregado de uma energia antiga, fazia a pele arrepiar. A cada passo, o eco de suas botas reverberava, preenchendo o espaço com uma tensão crescente.

Odin, com sua postura altiva, comandava a cena como sempre. Apesar da serenidade aparente, o peso da missão se pendurava em seus ombros como um manto silencioso. Com um gesto firme, indicou para que os dois jovens se posicionassem no centro do salão. Anna e Jasper trocaram um olhar, ambos cientes de que aquele momento marcava uma nova fase em suas jornadas.

À frente deles, no trono ornamentado, sentava-se a Rainha Lena — Vix dos Succubus. Suas asas negras curvavam-se com imponência, e os olhos dourados, como âmbar líquido, pareciam conter uma luz que não pertencia a este mundo. Sua beleza possuía um viés perigoso — uma calma letal que fazia até os mais poderosos hesitarem. Observava-os com intensidade, enquanto Odin se aproximava e murmurava palavras baixas demais para serem ouvidas. A tensão, porém, era clara.

A expressão de Lena oscilava entre frustração e algo mais escuro — talvez um ressentimento antigo. Cada frase dita por Odin parecia absorvida com esforço calculado. Seus olhos faiscavam, como se por dentro algo queimasse em silêncio. Por um instante, o salão pareceu encolher, sufocante, e a quietude se tornou uma ameaça em si mesma.

Por fim, Odin fez uma breve reverência, despedindo-se da Rainha com sua majestade habitual. Ela não respondeu, apenas permaneceu em seu trono, os olhos fixos em Anna e Jasper.

Foi quando o inesperado aconteceu.

Um grupo de crianças succubus irrompeu pelo salão, suas risadas infantis ecoando pelas paredes de mármore. A leveza da cena quebrou a rigidez do ambiente. Eram sete no total, com olhos luminosos e cheios de uma curiosidade quase animal. Se aproximaram dos dois como quem observa algo exótico e raro.

Anna se agachou com um sorriso gentil, sua expressão suavizando ao ver os rostos inocentes. Duas crianças se penduraram nas pernas de Jasper, que tentou manter o equilíbrio sem perder o bom humor. Ele sorriu, surpreso com a inesperada ternura do momento.

— Por que vocês não têm asas? — perguntou uma das crianças, os olhos grandes fixos nas costas de Jasper.

— Eles parecem tão... humanos — murmurou outra, tocando o braço de Anna com os dedos finos e curiosos.

Jasper e Anna trocaram um olhar. Havia desconforto, mas também empatia. As perguntas infantis, apesar de simples, carregavam a sombra dos preconceitos que pairavam ali. Anna acariciou os cabelos de uma das meninas com delicadeza.

— Acho que nunca tive asas… mas seria legal ter — respondeu Jasper, com um sorriso calmo.

Uma garotinha ruiva, de olhos vivos, olhou Jasper de cima a baixo.

— Você é mesmo filho da Senhora Vix?!

Jasper manteve o bom humor.

— Digamos que herdei um pouco da beleza dela, não acha? — respondeu, com um meio sorriso.

Anna riu discretamente. Ela sabia que aquelas crianças ainda não haviam sido moldadas pelos julgamentos do mundo adulto. Com elas, havia espaço para leveza. Mas era impossível ignorar o que vinha das sombras maiores da corte — a desaprovação velada, os olhares silenciosos que pesavam mais do que palavras.

Lena fez um gesto suave. As crianças logo saíram correndo, despedindo-se com risadas, como um vento breve que passa antes da tempestade.

— Jasper... — disse Lena, sua voz suave como veludo, mas carregada de comando.

Ela abriu a mão e revelou uma runa. Era pequena e cintilava com uma luz interna sutil.

— Seu pai deixou isso para você.

Jasper a pegou com cuidado. Seu coração bateu mais rápido.

— E como ele está?

Lena desviou os olhos por um instante. Voltou-se para Anna, que a observava com atenção.

— Preocupado... como sempre. Disse que essa runa os protegerá dos olhos errados. Mas ela vai se desgastar... — Ela repetiu a frase, com uma ênfase estranha. — Vai se desgastar...

Jasper apertou a runa na palma, sem entender o aviso por completo, mas sentindo que ela não era só um presente — era um limite.

— Eu sinto muito, Jasper. Por tudo que não pude fazer por você — disse Lena, e seu tom agora era sincero.

Olhou para Anna, oferecendo um pequeno sorriso.

— Você poderia acompanhar as crianças? Preciso de um momento com meu filho.

Anna assentiu, um pouco insegura.

— Claro, Vossa Majestade...

Lena estendeu a mão.

— Vamos, filho.

Jasper hesitou por um segundo antes de segurá-la. Havia um peso estranho naquele gesto. Talvez um pedido de perdão nunca dito. Talvez algo mais antigo do que qualquer palavra.

Enquanto era guiado para fora, ele se perguntou: finalmente teria as respostas que procurava — ou apenas mais perguntas.

O Caminho Secreto

A Rainha dos Succubus, Lena Vix, estendeu o braço para Jasper, seus olhos azuis penetrando nos dele com uma mistura de autoridade e ternura.

"Vamos," ela disse com a suavidade de quem sabia o peso de cada palavra, mas com a firmeza de uma mãe que conhecia a urgência daquele momento.

Jasper hesitou por um segundo antes de segurar a mão da mãe, sentindo a força oculta sob sua delicadeza. O toque dela era como uma âncora no turbilhão de emoções que o consumiam.

Começaram a caminhar por um labirinto de túnis escuros, onde as paredes de pedra negra polida pareciam esculpidas da própria escuridão. O ar era denso, carregado com o cheiro de terra antiga e magia esquecida. O som de seus passos ecoava como se os próprios túnis respirassem ao redor deles.

A cada curva, Jasper sentia como se atravessasse as eras de uma história que não lhe pertencia. A sensação de ser observado, vigiado por olhos invisíveis, o acompanhava em cada passo. Por fim, chegaram a uma sala de espelhos.

A sala era imensa. Espelhos forravam as paredes, refletindo as sombras distorcidas dos dois. Lena examinou os espelhos como se buscasse algo que apenas ela pudesse ver. Com um gesto sutil, ela tocou um dos espelhos, cuja superfície brilhou levemente. Sem hesitar, atravessou-o. Jasper seguiu logo atrás.

Do outro lado, encontraram um templo antigo de mármore negro. Colunas imponentes se erguiam para o alto, iluminadas por uma luz etérea e sem fonte aparente. As paredes reluziam com joias e ouro, resplandecendo sob o brilho fantasmagórico. A atmosfera era carregada por uma energia ancestral.

À esquerda, uma estrutura reforçada com selos místicos pulsava como um coração vivo. Talvez um altar, talvez uma prisão. O lugar emanava um chamado silencioso que Jasper sentia no peito. Quando avançaram, uma neblina densa começou a se erguer do chão, ondulando como se tivesse vontade própria.

O cheiro de terra molhada e umidade tomou o ar. Jasper soltou a mão de Lena, tentando entender o que acontecia. Logo, a bruma o engoliu. Estava sozinho. “Mãe?” chamou, mas sua voz se perdeu no vazio. Deu mais um passo, e o chão tornou-se lodoso e traiçoeiro.

Começou a ouvir sussurros. Incompreensíveis, mas carregados de significado. Ele se sentia intruso, como se tivesse atravessado um limite proibido. Mesmo assim, sabia que algo o esperava ali. Algo ligado ao seu destino. E ao de outros.

Sentia-se deslocado. Um filho de Odin, em um santuário que não lhe pertencia. Mesmo assim, havia uma razão para sua presença. Tentou se concentrar. Suas mãos procuraram instintivamente pela arma que sempre carregava, mas ela não estava lá. Nenhuma das duas.

“O que está acontecendo comigo?”

Lutando contra a confusão, Jasper se obrigou a seguir. Precisava encontrar Lena. Precisava compreender. Talvez, aceitar. Uma raiva silenciosa se misturava à confusão.

Então, algo se acalmou. Uma chama de determinação brilhou dentro dele. Mesmo sem armas, sem respostas, ele sabia: enfrentaria o que estivesse por vir. Por Lena. Por Magda. Por si mesmo.

E, sobretudo, pelo futuro que ainda podia ser salvo.

0.0/5 pontuação (0 votos)
Visualizações64


  • Na Literaz, a leitura gratuita é possível graças à exibição de anúncios.
  • Ao continuar lendo, você apoia os autores e a literatura independente.
  • Obrigado por fazer parte dessa jornada!

Deixe um comentário

Faça login para poder comentar.
  • Na Literaz, a leitura gratuita é possível graças à exibição de anúncios.
  • Ao continuar lendo, você apoia os autores e a literatura independente.
  • Obrigado por fazer parte dessa jornada!