© Todos os direitos reservados.
Meu Tritão Capítulo 6
A praia se estendia diante deles, iluminada pela luz prateada da lua. O som das ondas quebrando contra a areia era agora um lembrete distante do mundo que Carbius havia deixado para trás. Seu peito subia e descia pesadamente, o corpo ainda se ajustando à forma humana que lhe fora concedida pelo ritual dos anciões. Ele sentia a terra firme sob seus pés de uma maneira que nunca experimentara antes. Era estranho, desconfortável, mas ao mesmo tempo, fascinante.
Athos caminhava ao seu lado, lançando-lhe olhares constantes, preocupado com seu estado. O tritão exilado parecia perdido em seus próprios pensamentos, os olhos fixos na imensidão do oceano que agora não lhe pertencia mais.
— Você está bem? — Athos perguntou, sua voz suave, mas carregada de preocupação.
Carbius demorou alguns segundos para responder. Quando o fez, sua voz saiu rouca, como se estivesse se acostumando com o próprio som.
— Eu… estou diferente — admitiu ele, observando suas próprias mãos. Os dedos eram longos, fortes, mas não tinham mais a textura escamosa a que estava acostumado. — Nunca pensei que sentiria o vento dessa forma…
Athos sorriu de forma encorajadora, tentando aliviar a tensão do momento.
— É uma sensação boa, não é? Diferente do fundo do mar, onde tudo parece mais… denso. Aqui, o vento toca seu rosto, seu corpo. Você vai se acostumar.
Carbius desviou o olhar do oceano e fixou-se em Athos. Os olhos escuros do ex-tritão continham um brilho indecifrável, como se estivesse absorvendo cada detalhe do novo mundo em que fora forçado a habitar.
— E agora? — Carbius perguntou, a incerteza evidente em sua voz. — O que faremos? Athos apontou para a trilha estreita que subia pelo pequeno monte rochoso à frente.
— Vamos até o meu navio — disse ele. — Eu o deixei ancorado do outro lado da ilha antes de explorar este lugar. Se ainda estiver lá, poderemos partir para o continente.
Carbius assentiu lentamente, dando um último olhar ao oceano antes de virar-se para seguir Athos.
***
A caminhada pela trilha foi silenciosa, mas não desconfortável. Carbius estava ocupado explorando a sensação de ter músculos humanos, de sentir o atrito da areia em seus pés e o ar fresco contra sua pele. A cada passo, ele percebia que seu corpo era mais pesado do que antes, que precisava de um equilíbrio diferente para se mover. Ele tropeçou algumas vezes, mas Athos sempre estava perto para apoiá-lo.
— Não se preocupe — Athos disse, segurando o braço de Carbius após um tropeço particularmente ruim. — Logo você vai se acostumar a andar.
Carbius bufou, frustrado.
— No oceano, eu era ágil, veloz. Agora, sou… desajeitado. Athos riu baixinho.
— Bem-vindo à vida na superfície. Todos nós já tropeçamos no começo.
Eles continuaram subindo até chegarem ao topo da colina. Dali, podiam ver a outra extremidade da ilha, e para a surpresa de ambos, o navio de Athos ainda estava lá, intacto, ancorado nas águas calmas da enseada.
Carbius arqueou uma sobrancelha.
— Você esperava que estivesse destruído? — perguntou ele. Athos cruzou os braços e lançou-lhe um olhar intrigado.
— Depois de tudo que passei nessa ilha? Sim, eu esperava. Mas parece que a sorte está ao nosso lado.
Eles desceram com cuidado em direção ao barco. Ao chegarem perto, Athos verificou os cabos de amarração e a estrutura do casco.
— Está tudo em ordem — disse ele, satisfeito. — Podemos partir assim que estivermos prontos.
Carbius olhou para o mar, hesitante.
— Eu não sei como será… estar em um navio. Nunca precisei de algo assim para viajar. Athos sorriu e estendeu a mão para ele.
— Então essa será sua primeira experiência como humano navegando. Venha, eu vou te mostrar.
Carbius pegou a mão de Athos e subiu a bordo. O ex-tritão se sentiu instável sobre a madeira balançando sob seus pés, mas Athos guiou-o com paciência. Ele mostrou os detalhes do convés, como funcionavam as velas e os equipamentos de navegação.
— Tudo isso é para domar o mar — explicou Athos. — Mas você já era parte dele… talvez um dia, você encontre uma nova maneira de navegar.
Carbius suspirou e olhou para Athos com gratidão.
— Obrigado por não me deixar para trás.
Athos apertou a mão dele, seu olhar sincero.
— Eu nunca faria isso.
Com um último olhar para a ilha que agora ficava para trás, Athos ajustou as velas, preparou o leme e, juntos, eles zarparam em direção ao desconhecido. O oceano, que antes pertencia a Carbius, agora era apenas um novo caminho para uma nova vida ao lado de Athos.
***
O navio cortava as ondas suavemente, impulsionado pelo vento que enchia as velas. Athos estava no leme, seus olhos fixos no horizonte, enquanto Carbius permanecia no convés, observando o oceano com uma mistura de nostalgia e apreensão. A sensação de estar em um navio ainda era estranha para ele, mas, aos poucos, ele começava a se acostumar com o balanço das ondas sob o casco de madeira.
— Já estamos perto? — perguntou Carbius, sua voz carregada de curiosidade. Athos olhou para ele e sorriu.
— Sim. Em breve, veremos o continente.
Carbius assentiu, seus olhos ainda fixos no mar. Ele sentia uma pontada de saudade, como se o oceano o chamasse de volta. Mas sabia que não poderia voltar. Sua nova vida estava começando, e ele precisava encarar o desconhecido.
Poucas horas depois, o contorno do continente surgiu no horizonte. Carbius ficou impressionado com a visão. Ele nunca havia visto algo assim antes. A costa era uma linha irregular de praias, rochas e, mais adiante, colinas verdes que se estendiam até onde os olhos podiam ver.
— É… enorme — murmurou Carbius, sua voz cheia de admiração.
Athos riu baixinho.
— Bem-vindo ao continente. Aqui, as coisas são bem diferentes do oceano.
Conforme se aproximavam da costa, Carbius começou a notar os detalhes. Havia pequenas embarcações pesqueiras espalhadas pela água, e, mais adiante, ele viu o que parecia ser uma vila à beira-mar. As casas eram construídas com madeira e pedra, e ele podia ver pessoas caminhando pela praia e pelo cais.
— Aquela é a vila de Portosmar — explicou Athos. — É onde costumo parar para reabastecer o navio antes de seguir viagem.
Carbius ficou fascinado. Ele nunca havia visto tantos humanos juntos. No oceano, sua interação com os humanos era rara e, na maioria das vezes, violenta. Ver tantas pessoas vivendo em harmonia era algo completamente novo para ele.
— Eles… vivem assim? Todos juntos? — perguntou Carbius, sua voz cheia de curiosidade. Athos assentiu.
— Sim. Os humanos se organizam em comunidades. Trabalham juntos, constroem coisas juntos… é assim que sobrevivemos.
Carbius ficou em silêncio, absorvendo as informações. Ele não conseguia imaginar como era viver em um lugar assim, mas estava ansioso para descobrir.
Quando o navio finalmente atracou no cais, Athos amarrou os cabos e ajudou Carbius a descer. O ex-tritão sentiu a madeira do cais sob seus pés e olhou ao redor, maravilhado com o movimento ao seu redor. Havia pessoas carregando caixas, pescadores arrumando redes, crianças correndo pela praia… era um mundo completamente novo.
— Vamos — disse Athos, colocando uma mão no ombro de Carbius. — Precisamos encontrar um lugar para ficar.
Carbius seguiu Athos pela vila, seus olhos captando cada detalhe. Ele viu lojas cheias de mercadorias, pessoas negociando, cavalos puxando carroças… tudo era tão diferente do que ele conhecia.
— Como eles fazem tudo isso? — perguntou Carbius, apontando para uma carroça cheia de sacos de grãos.
— Trabalho em equipe — respondeu Athos. — Cada um tem uma função, e juntos, eles çconseguem fazer coisas incríveis.
Carbius ficou impressionado. No oceano, os tritões viviam em pequenos grupos, mas nunca em algo tão organizado quanto aquilo. Ele começou a entender por que os humanos eram tão adaptáveis e resilientes.
Enquanto caminhavam, algumas pessoas olhavam para Carbius com curiosidade. Ele era alto, com uma presença imponente, e seus olhos escuros e cabelos longos chamavam a atenção. Athos notou os olhares e sorriu.
— Eles não estão acostumados a ver alguém como você — disse ele. — Mas não se preocupe, logo eles se acostumam.
Carbius assentiu, mas ainda se sentia um pouco desconfortável com a atenção. Ele não estava acostumado a ser observado dessa forma.
Finalmente, eles chegaram a uma pequena pousada à beira-mar. Athos entrou primeiro, seguido por Carbius. O interior era aconchegante, com uma lareira acesa e algumas mesas espalhadas pelo salão. Um homem robusto estava atrás do balcão, limpando um copo.
— Athos! — exclamou o homem, reconhecendo-o. — Há quanto tempo!
— Bom te ver, Gregor — respondeu Athos, cumprimentando-o com um aperto de mão. — Preciso de um quarto para mim e meu amigo.
Gregor olhou para Carbius, levantando uma sobrancelha curiosa.
— E quem é esse?
— Este é Carbius — disse Athos, sem hesitar. — Ele é… um viajante. Vai ficar comigo por um tempo.
Gregor pareceu aceitar a explicação e entregou a Athos uma chave.
— Quarto no final do corredor. Espero que se sintam em casa.
Athos agradeceu e levou Carbius até o quarto. Era simples, mas confortável, com duas camas e uma janela que dava para o mar.
Carbius olhou ao redor, ainda maravilhado com tudo.
— Isso é… incrível — disse ele, sentando-se em uma das camas. — Vocês humanos constroem coisas assim tão facilmente?
Athos riu.
— Não é tão fácil quanto parece, mas sim, nós construímos. E você vai aprender também. Carbius olhou para Athos, seus olhos cheios de gratidão.
— Obrigado por me trazer aqui. Eu não sei o que faria sem você. Athos sorriu e sentou-se ao lado dele.
— Você não precisa agradecer. Estamos nisso juntos, lembra? Carbius assentiu, sentindo-se mais confiante.
0.0/5 pontuação (0 votos)
Visualizações10
-
Na Literaz, a leitura gratuita é possível graças à exibição de anúncios.
-
Ao continuar lendo, você apoia os autores e a literatura independente.
-
Obrigado por fazer parte dessa jornada!