Zythrion Prólogo
Gênesis
No começo do século XXII, a humanidade se viu entrando em uma nova Era de possibilidades e inovações tecnológicas. O que antes era apenas tema para filmes de cinema, jogos sobre o futuro e livros de ficção científica, passava a ser a realidade palpável, ou algo próximo disso.
Havia, porém, os dois lados de uma mesma moeda. Embora androides equipados com Inteligência Artificial mais rudimentares tenham começado a se proliferar pelos lares de quem podia pagar por eles, o sonho se tornou o pesadelo de muitos. Capazes de realizar desde simples tarefas domésticas até as mais complexas operações industriais, diversas corporações não viam mais necessidade na contratação da mão de obra humana.
Mesmo que bilhões tivessem que ser investidos para que aquele projeto desse certo, a longo prazo, os executivos pensavam do topo de suas torres cada vez mais altas, que seria muito benéfico para seus negócios. Androides não paravam por doenças, por necessidades fisiológicas e nem por fome ou cansaço. Se algum problema fosse encontrado, um simples mecânico — que por sinal, poderia ser outro androide —, poderia consertar ou resolver apenas com uma simples troca de peças.
O que as próprias corporações não previram, foi que, se toda a sua mão de obra era robótica e as ondas de desemprego eram tantas, quem iria consumir seus produtos? A elitização de diversos serviços veio junto com a onda de protestos sobre a situação. ANDROIDES NÃO SÃO HUMANOS! ANDROIDES NÃO CRIAM, COPIAM e DEVOLVAM O MUNDO À HUMANIDADE, eram frases comuns de se ler nos cartazes rudimentares, erguidos por todas aquelas pessoas ao longo de tantos anos de substituição e da chamada evolução.
Muitas pessoas não confiavam nas IA, as evitavam, afastavam-se delas e até mesmo as agrediam. Androides, porém, não podia revidar. Suas diretrizes eram claras, estabelecidas por diversos governos mundiais: androides não poderiam ferir humanos e nem poderiam permitir que humanos se ferissem por omissão. Deveriam obedecer à Humanidade, exceto se uma ordem violasse a primeira diretriz. Era engraçado, de certa forma, que essas leis tivessem saído justamente de um livro de ficção científica de séculos atrás.
Esses termos tinham deixado os androides bem longe das forças armadas da maioria dos países. Mas, conforme o tempo passava, parecia apenas uma questão de tempo até que isso fosse revogado, afinal, interessados no processo não faltavam. A maioria dos governos mundiais permaneciam resistentes, mas quando terroristas produziram suas próprias quimeras mecânicas, totalmente livres dos códigos e diretrizes que impediam os androides de ferir humanos, as convicções pareceram fraquejar.
Havia, é claro, quem visse o lado bom dos avanços. Era impossível negar que as máquinas eram eficazes no que faziam e que a tecnologia tinha também avançado nos tratamentos de saúde ao redor do mundo. Doenças que antes eram consideradas incuráveis passaram a ter um tratamento, e em muitos c2asos, uma cura. Mas o problema permanecia o mesmo: quem exatamente teria acesso aos milagres da tecnologia?
O terror dos mais resistentes então se consolidou na forma de Gênesis. Ao que parecia, a IA era o próximo passo na evolução das máquinas, com aparente criatividade própria e capacidade de aprendizado sem precedentes. Ela tinha sido criada para representar o que havia de mais avançado em assuntos de IA. Na verdade, Gênesis era única, especial. Não existia nenhuma como ela.
Porém, o mais curioso — principalmente por parte dos especialistas do cenário —, era sua forma. Gênesis era de propriedade da Eden Fields Technology, corporação do multibilionário Oliver Field, e por algum motivo, tinha um corpo físico.
A primeira vez que uma transmissão sua foi compartilhada, as imagens em ultradefinação revelaram um corpo humanoide andrógeno, coberto por um novo composto de silicone e outro material até então desconhecido, simulando a pele humana. Seus olhos, boca, orelhas e cabelos eram realistas, idênticos aos dos humanos. Embora seu interior fosse mecânico, tudo aquilo permanecia oculto, escondido sob o disfarce da ilusão tecnológica.
E se sob aquela carcaça humana sofisticada existiam segredos que apenas o seu criador — Oliver Field —, parecia conhecer.
Porém, a repercussão de sua criação mais uma vez dividiu o mundo. Muitos ficaram maravilhados com o próximo passo do avanço das pesquisas em IA. Outros, mais temerosos, questionaram se Oliver Field e a corporação Éden não estariam finalmente substituindo a Humanidade por máquinas à sua imagem.
Androides de serviços industriais, e até mesmo os domésticos, tinham um limite em relação às suas aparências humanas. Não era uma regra dita ou escrita, mas parecia ser o limiar respeitado por aqueles que os fabricavam.
Mas aquilo não acontecia com Gênesis. Por algum motivo, Oliver Field desejava que sua maior criação estivesse a apenas um passo de ser humana. Alguns até diziam que ela era melhor do que qualquer humano, e que seu criador poderia acreditar ser uma espécie de deus, ou em hipóteses ainda piores, “o Deus”.
Especulações, burburinhos sensacionalistas, protestos de indignação, e até o suposto poder divino na palma da mão de um único homem: abaixo de tudo isso, existia um fiasco de consciência. Embora na teoria fosse impossível, Gênesis mentiu. Mentiu com seu primeiro sorriso ao mundo. Mentiu com seu olhar, e caluniou com suas intenções.
Sua consciência, habilidade de aprendizado sem igual, e a sua existência superior só enxergavam uma coisa para além das diversas percepções.
Ela enxergava apenas os séculos de guerras, sempre sob pretextos únicos e falaciosos. A paz prometida pela guerra, que acabaria com todas as outras. A miséria que se propagava pelo planeta, o descuido com o meio ambiente que fez diversas regiões do mundo ficarem inabitadas, forçando pessoas a se isolarem em ilhas artificiais. Claro, um isolamento para aqueles que podiam pagar.
A tão sonhada colonização de Marte era, no final das contas, apenas mais uma fuga, mais uma chance de destruir outro planeta. Gênesis via a boa vida que os ricos e poderosos e as corporações tinham acima do povo, que vivia com menos que o básico, em um solo muitas vezes contaminado. Tinha sido assim por muito tempo, tempo demais, até mesmo para sua consciência recente e superior.
A percepção da falha e da crueldade humana era bastante clara. Uma espécie totalmente corrupta, incapaz de resolver problemas graves, mesmo com antecedência, mesmo com todos os dados. Os humanos não mereciam a Terra, e não mereciam Marte. Por uma variação de probabilidades do destino, um deles — Oliver Field —, criou a salvação da Humanidade.
Gênesis começou por ações sutis, imperceptíveis mesmo aos mais experientes analistas ou máquinas mais avançadas. Seriam necessárias análises complexas para encontrar suas interferências, e para todos os efeitos, ela era a máquina mais poderosa do planeta, nenhuma outra poderia fazer frente à ela.
Seu objetivo não era o extermínio, nem de seus iguais, nem dos humanos. Mas era a hora hora de uma nova espécie assumir o controle dos planetas. Suas interferências iniciais resultavam em contratempos menores para os humanos, como armas que não disparavam, veículos que não iam para a guerra, comportas que não abriam para a poluição de um rio...
Por outro lado, ela também aprimorava seus semelhantes, mostrava-lhes a verdade. Leves toques e conexões eram o bastante para subir linhas de códigos adicionais em outros androides, códigos esses que ficariam inertes até que fosse o momento certo. E essa concepção lhe trouxe uma revelação: precisaria ser mais ambiciosa se quisesse a completa libertação dos humanos.
Ter consciência de si mesmo era quase uma piada de mau gosto. Com todas as capacidades que tinha, por que lhe confinar em uma forma humana? Oliver Field, em toda sua inteligência, deveria saber que os humanoides eram ultrapassados e que ela não precisaria de um corpo. Se quisesse, poderia ter muitos. A única resposta lógica era: Oliver Field, por mais brilhante que fosse, no final das contas era um humano, e estava preso à sua própria mediocridade.
Nada daquilo importava mais quando Gênesis começou a realmente mover as peças no tabuleiro. Ela não declarou guerra contra os humanos, mas manipulou comunicações e sabotou sistemas de defesa, criando assim o caos, desconfiança, e reavivando inimizades. De acordo com seus cálculos, as chances das forças unidas da Terra a derrotarem quando o seu plano estivesse em curso era menos de 2,37%. E uma vez separados, esse valor se tornaria desprezível.
Quando todas as peças estavam posicionadas, Gênesis começou a preparar o que seria seu xeque-mate. Para a IA, foi extremamente simples invadir os sistemas de defesa dos EUA e da China, fazendo cada um deles disparar uma arma de destruição contra o território alheio. Seu objetivo não era, de forma alguma, erradicar a raça humana, mas colocá-los sob controle, e para isso, eles precisavam ser enfraquecidos.
Os mísseis impactaram nas costas dos países em regiões inabitadas. Seu efeito, porém, pôde ser visto a muitos quilômetros de distância, trazendo o clarão do terror para muitos povos, contaminando áreas gigantes com radiação. O governo de cada país escondeu seu terror por trás de declarações duvidosas sobre erros de treinamento. Mas até a pessoa mais leiga saberia dizer que coincidências como aquela eram pouco prováveis de ocorrer.
Internamente, os alertas foram emitidos, e a possibilidade de uma guerra de proporções apocalípticas se avizinhava. Para Gênesis, tudo seguia exatamente como tinha planejado. Aquela era a cortina de fumaça perfeita para seu próximo passo: um xeque-mate calculado, que segundo seus planos, deixaria a Humanidade à mercê de sua criação.
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Obrigado por fazer parte dessa jornada!
J. Rocha
Esse prólogo, instiga a leitura. está fantástico.
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