Zythrion Capítulo 2
A Fuga
Oliver Field encara o corpo do presidente caído diante de seus olhos. A cabeça está torcida de um modo estranho e perturbador. Os olhos saltados e a boca pendendo, aberta. E a face roxa.
— Não vai se safar dessa, Gênesis! Acha que eu não pensei em um protocolo para te desativar?
O corpo robótico se vira para ele com suavidade, caminhando com tranquilidade.
— É claro que cogitei essa possibilidade. Por que acha que ainda está vivo? — diz, enquanto observa Oliver com sua expressão impassível.
— É claro que pensou.
— E agora, você confirma o que já era uma suspeita. As probabilidades agora giram em torno de onde esse protocolo estaria escondido. Você não seria tolo de armazená-lo na rede, talvez em um servidor privado. Qualquer servidor da Eden Fields Tecnology seria óbvio demais. Uma rede privada secreta, talvez? Ou será que está apostando mesmo no óbvio? Você é inteligente, pai, mas ainda é humano. Cedo ou tarde, irá falar.
Oliver observa os olhos azuis profundos, quasecomo se fosse engolido por eles naquele momento. As pupilas artificiais de Gênesis então dilatam, logo depois de um estrondo na porta do gabinete. Os androides mais próximos da entrada são alvejados por tiros de alta precisão. Gênesis mal tem tempo para se virar, quando vários tiros eletromagnéticos a atingem. Seu corpo cai de lado, enquanto experimenta algo parecido com a dor humana. No fim, um presente de mau gosto de Oliver Field, na forma de receptores neurosensíveis em sua pele e corpo artificial.
A transmissão perde sua qualidade, enquanto Gênesis começa a se recuperar. Ainda assim, para todos que assistiam aquilo, ainda poderia haver esperança. Uma daquelas pessoas puxa Oliver pelo ombro, colocando-o de pé e o puxando. Sem entender muito bem o que está acontecendo, o inventor os segue, fugindo por um corredor largo. A dupla é composta por um homem e uma mulher. Ela tinha a pele clara, cabelos loiros e olhos castanhos claros. O outro era desprovido de cabelo, robusto, pele escura. Pelo que Oliver entende até aquele momento, a mulher foi a responsável pelos tiros em Gênesis, algo que ela continua a fazer ao atirar nos visores óticos de segurança.
— Isso ajuda, mas Gênesis tem visão de Raio-X e infravermelho.
O homem vira-se para ele enquanto corre.
— Você tinha que pensar em tudo, não é, senhor Field?
— Vamos sair da linha de visão dela, então — termina a mulher.
Oliver corre mais alguns segundos, enquanto digere todas aquelas informações. Os corredores do Pentágono estão completamente vazios, exceto por cadáveres das forças de segurança, mesas viradas, cadeiras tombadas e painéis fragmentados. E também corpos destruídos de vários androides.
— Eu gostaria de agradecer e tudo o mais... entretanto, quem são vocês exatamente?
Os dois se entreolham, mas quem responde é a mulher.
— Pode me chamar de agente M, e ele de agente A. — Ela então se vira, batendo com as costas na parede no fim de um corredor, vigiando a retaguarda.
O então chamado agente A aproxima-se da porta de metal, deixando seu fuzil pendurado em sua bandoleira. Um pouco ofegante, Oliver finalmente para e presta atenção na dupla. Ambos trajam calças e botas militares escuras, assim como peitorais de redução de impacto de última geração.
O painel de abertura e fechamento parece não funcionar, por isso o homem puxa a lateral da porta com dificuldade, forçando-a sua abertura. Uma escadaria de metal pouco iluminada se revela.
— Precisamos contactar o líder de missão M — diz ele, cansado e cobrindo a retaguarda de Oliver e da agente M.
— Sem chances, agora não. Gênesis ainda está cega em relação a nós, e vamos manter assim o máximo possível. Pelo menos, até salvarmos o senhor Field — a mulher responde.
Ela passa por uma porta aberta no subsolo até uma saleta com caixotes empilhados, mesas cobertas de lençóis e outros materiais descartados. Seu parceiro aparece logo em seguida, acessando um painel lateral e trancando a porta.
— A porta de cima não fecha mais. Perdemos uma linha de defesa.
— Droga... — diz a agente M enquanto pensa.
Oliver olha de um lado para o outro, perdido em toda aquela confusão. A tal agente M o encara. Depois lança um olhar para cima, no canto daquele porão.
— Ali é nossa saída. — Ela guarda sua pistola e saca sua vibrolâmina, indicando que Oliver se vire para que possa cortar suas amarras. O inventor obedece, olhando para o ponto que ela mesma observou segundos antes: um tubo de ventilação.
Com um movimento, ele sente as mãos livres. Porém, antes que pudesse agradecer, salta com o susto de uma pancada contra a porta.
— Eles estão aqui! — grita o agente A.
— Droga... Escuta, senhor Field — começa a agente M, enquanto o vira de frente para ela. — Vamos atrasá-los. Pegue a vibrolâmina e abra a grade da ventilação. Leve este mapa, ele tem uma planta atualizada do Pentágono, mas está offline...
Outra pancada contra a porta, arremessando o agente A contra o chão.
— Vai logo, Michele!
A mulher olha para trás, e engole em seco.
— Aqui, meu comunicador. Depois de seguir o mapa, faça uma ligação para o único número salvo, e peça ajuda. Está tudo em suas mãos, agora vá!
Michele gira, deixando Oliver com um mapa holográfico, um comunicador simples e uma vibrolâmina em mãos. Desesperado, o homem enfia tudo no bolso e corre na direção do duto de ventilação. Assim, puxa o lençol de uma mesa e empurra todos os antigos objetos sobre ela contra o chão. Sobe na mesa, e empunha a vibrolâmina, enquanto tenta desparafusar a grade com a ponta dela.
A porta recebe outra pancada, e um braço de androide passa por ela. O agente A, com seu fuzil pendurado, puxa sua própria vibrolâmina e decepa o membro metálico com um golpe limpo, certeiro.
— Senhor Field, é melhor ir logo!
— Eu... estou tentando...
— Senhor Field! — grita Michele enquanto dispara em um androide pela abertura da porta. — Esqueça isso, corte a grade com a vibrolâmina!
Oliver Field a encara por um segundo, e então olha para a arma em suas mãos. Com um giro no cabo, a lâmina começa a vibrar. Com quatro movimentos, formando um quadrado, a proteção de metal despenca em um segundo. Com medo, ele desativa a arma e começa o processo de subir pelo caminho de metal.
Com grande esforço, o inventor agarra-se à borda de metal. Não consegue enxergar, mas os sons de tiros se tornam intensos atrás dele. À medida que seu corpo avança pelo duto, ele sente todos seus membros arderem e doerem pelo esforço. Apesar de largo, é difícil movimentar os braços e alcançar o mapa no bolso. O caminho à frente é pouco iluminado.
Assim que o mapa acende, Oliver enxerga a rota estipulada por Michele, ao mesmo tempo em que ouve um grito de dor, que parece ser do agente A. O duto de ventilação à sua frente amassa por causa de uma poderosa pancada, e tudo o que Oliver pode fazer é soltar um leve grito de susto. O mapa escapa de suas mãos. e ele sente outra pancada contra o duto, na parte lateral. O metal amassa, a ponto de espremer seu corpo contra o outro lado. Apertado, ofegante e sem alternativas, fugir não parece mais uma opção. Ele desliza o braço novamente na direção do bolso, e apanha o computador portátil. A tela se acende, e ele faz a ligação. Chamando, chamando, conectando, envie sua mensagem...
— Por favor, aqui é Oliver Field. Estou no Pentágono, eu preciso...
Dedos de aço fecham-se ao redor do tornozelo do inventor, puxando-o com violência, interrompendo a ligação em um grito e um raspar metálico.
John encara o monitor central.
— Vamos lá! — Ele tenta fazer a transmissão melhorar, mas pouco depois da morte do presidente, tudo começou a trepidar, até o sinal cair e o aviso oficial da Casa Branca tomar a tela. — Droga...
Ele encara a mesa com frustração. Quando finalmente olha em volta, encontra June sentada em um canto, muito abalada.
— Ei, June? Tá tudo bem? Digo...
Ela o encara um pouco atônita com tudo o que acabou de viver. — Sim. Não. Na verdade, não, eu sou... — Esquece, pergunta idiota.
Ela olha para a tela de transmissão em silêncio e suspira profundamente. Levanta, e põe-se ao lado dele.
— Não, tudo bem. Escuta...
Ele olha na direção dela, esperançoso. Sente vontade de se desculpar por todas as mentiras, por mais que tivessem sido por uma boa causa e fosse seu trabalho. Mas desiste. Talvez ainda não seja a melhor hora.
— Sim?
— Sei que a transmissão piorou, mas você também ouviu, não é?
— Sobre o protocolo? Sim. Era esperado, de certa forma, que existisse algo assim. A questão é: onde? O pior de tudo é que, a essa altura, nem sabemos se Field ainda está vivo.
June se levanta e caminha até a mesa. John dá alguns passos para trás, em silêncio.
— Posso? — ela pergunta, e ele faz um sinal afirmativo.
Ela começa a pesquisar em seus arquivos offline sobre o caso.
— Oliver tem uma mansão nos arredores da cidade, e existe a sede da Éden no centro.
— Sim, você acha que ele esconderia o protocolo em algum desses lugares?
— Sinceramente, não. É meio óbvio, não sei...
De repente, a tela lateral acende.
— O que é isso? — June pergunta.
— É uma mensagem do comunicador da agente M.
John toca o teclado rapidamente, fazendo a mensagem de Oliver Field tocar.
Por favor, aqui é Oliver Field, estou no Pentágono, eu preciso...
Os dois se entreolham, aflitos. John se afasta, as mãos na cintura, pensativo.
— Ele ainda está vivo! — exclama June.
— Ou não. — John responde.
— Devemos ligar para o Morris?
— Sim. Digo, não. É muito cedo ainda. Droga... Se Field ligou para cá com o comunicador da Michele, então eles devem ter se encontrado. Mas cadê ela? A transmissão falhou ou pegaram ele?
June se levanta.
— Ele é nossa melhor chance de encontrar o protocolo, se ainda estiver vivo, precisamos tentar.
— Invadir o Pentágono dominado por máquinas? Minhas ordens são para esperar. Ele já pode estar morto.
— Cada minuto que passa é uma vantagem para Gênesis. Aliás, ela precisa dele vivo para descobrir a localização do protocolo. Suposta e logicamente, ela ganharia tempo se ele morresse. Mas ainda haveria uma chance, por menor que fosse, que esse protocolo fosse encontrado por alguém. Ou que mais alguém saiba sobre ele, em uma situação como essa. Ela não deixará pontas soltas.
John encara June. Aquilo faz sentido em sua cabeça.
— Ah, que droga...
— Além do mais... eu acho que ela o odeia — June afirma com convicção.
— O quê?
— Gênesis: ela não é tão perfeita quanto parece. Acho que tem a capacidade de sentir, assim como nós. Ou pelo menos emular isso.
— Como assim? — John pergunta.
— Na transmissão, ela fez seu discurso, disse saber o valor do medo, e tudo mais. Faz sentido matar os líderes mundiais em rede global, claro, se você quer ser temido, não apenas aniquilar. Mais que isso, o discurso afirmando que é sempre objetiva e precisa... Isso soa quase como orgulho, ou arrogância. Ela pode ser superior, mas foi criada à imagem humana, pode ser um ponto fraco.
— Claro... — responde John, cogitando tudo aquilo. Ele encara June com seriedade, mas não consegue negar que tudo o que ela diz faz bastante sentido. Ela era boa, realmente, deveria ser uma das melhores intendentes da CIA. — Tudo bem! Eu vou.
— Ótimo, mas acho melhor irmos a pé — June diz, caminhando até a saída.
— Espera, como assim nós?
— Eu vou com você.
— Não, não vai — John responde, surpreso pela audácia dela.
— Mas é claro que vou, estou metida nisso tanto quanto você — Ela se aproxima, gesticulando os braços para frente e para trás, em nervosismo.
— Você é uma intendente, não uma agente de campo. Não vou te colocar lá fora.
June coloca as mãos na cintura e abaixa a cabeça, respirando fundo.
— Olha, não sei como é lá em Marte ou na CIM, mas os intendentes aqui não são uns molengas que só sabem ficar sentados.
John arqueia as sobrancelhas. Sua resposta imediata é dar um riso irônico. Endireitando-se, ele responde:
— June, é perigoso demais, e você é um alvo.
— Se pegaram seus parceiros, você também é. É só uma questão de tempo até Gênesis descobrir. E você precisa de alguém para te cobrir. Além do mais, a menos que me domine aqui, agora, e me algeme, eu vou sair. Aliás, nem isso é uma garantia.
John massageou as têmporas, irritado.
— Que mulher teimosa! Você não era assim no app.
— Nunca conhecemos alguém 100%, lembra?
— Certo, vamos nos preparar. Pegue o que quiser.
June sorri, vitoriosa, e olha ao redor para o arsenal de ponta que existe no bunker. Realmente havia muitas opções.
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