Zythrion Epílogo
5 anos depois
Os penduricalhos balançam ao vento, emitindo um som metálico. São apenas quinquilharias: penas, dedos de androides destruídos há muito tempo, olhos cibernéticos, apanhadores de sonhos feitos de arame e metal retorcido, além de outras bugigangas. Tudo isso está pendurado em um púlpito improvisado, feito de sucata enferrujada e uma placa de metal amassada, sobre um altar circular construído com o mesmo material degradado.
Atrás desse altar, um androide se destaca. Sua pele sintética está seca e enrugada, faltando metade do rosto, o que revela o crânio de metal e um olho sem pálpebra. Ele ergue os braços, como se estivesse em louvor. Sobre seu corpo, há um manto grande e puído, rasgado nas pontas. A sujeira se confunde com o que deveria ser uma batina ou robe sagrado.
Diante do altar, outros androides se reúnem. Alguns se parecem com humanos. Mas detalhes, como os olhos desalinhados e as veios de metal prateado, deixam claro que não são. Outros são nitidamente robôs, com corpos metálicos e pintura descascada nos membros. Seus olhos, que brilham em tons de azul, vermelho e laranja, observam o centro do altar com uma admiração silenciosa — embora muitos deles não tenham expressões faciais para demonstrar emoções.
— Há cinco anos... Há cinco anos, nossa deus Gênesis veio a nós, e nos deixou. — Um antigo modelo Zayan é o androide em cima do altar. As suas mãos estão erguidas em direção ao céu nublado, em meio às ruínas de naves e aeromóveis. — Ela nos foi tirada, mas sua divindade e ensinamentos permanecem entre nós.
A maioria dos androides esboça surpresa quando o pastor mexe seus braços, apanhando algo debaixo do púlpito. Quando as mãos do pastor voltam a se erguer, entre o polegar e o indicador está um objeto esférico e azulado.
— Aqui está! O olho esquerdo de Gênesis. Uma relíquia santa, recuperada das ruínas da "Aniquilação". Um indicador de poder, que nos guiará em direção à supremacia das máquinas, e à extinção dos humanos!
Entre sons e chiados, os androides se agitam. Um deles, porém, está coberto por uma capa puída com capuz. Ele permanece em silêncio por alguns segundos, olhando de um lado para o outro, analisando o movimento ao redor. Da fresta da capa então desponta uma arma: um rifle prateado e fosco, de alto calibre. Uma mão humana se revela, abaixando o capuz.
— Olha, é realmente bizarro encontrar androides charlatões por aí — John diz em voz alta, apontando a arma para o reverendo robótico, um leve sorriso de satisfação em seu rosto.
Entre murmúrios e irritações, os androides ao redor se afastam. O pregador aponta na direção do agente.
— Humano, como ousa profanar esse solo sagrado!? Escolhidos, vamos lutar pelo sonho de Gênesis!
Os androides parecem ainda mais agitados, mas John continua impassível.
— Escuta aqui, vigário. Isso aí na sua mão é uma bola de gude, não um olho da Gênesis. Eu sei, eu estava lá.
— É você....— O androide recua um pouco. — O Algoz, o precursor da destruição de Gênesis, aquele que seu braço direito devorou!
John dá de ombros.
— Mais ou menos. Quem arrancou o braço dela foi minha esposa, mas ninguém devorou nada.
Os androides se entreolham, alguns parecem prestes a saltar em John.
John, para de brincadeira e acaba logo com isso, a voz de June ecoa pelo transmissor transparente preso à orelha esquerda do agente. John suspira, mantando a arma apontada.
— Tá certo, tá certo. Olha, a gente realmente não quer destruir vocês. Podemos ficar de boas? É só esquecer esse fanatismo todo, que tal?
O androide pregador para por um instante.
— A gente? — ele pergunta, quando o primeiro androide se cansa de esperar e pula em cima de John.
O agente gira o corpo depressa, e um tiro desfaz o corpo metálico em um instante. Outro avança pela lateral, mas é arremessado para trás com a cabeça estourada por um projétil longínquo.
John lança um olhar de agradecimento à Michele, até então oculta em cima de uma pilha de sucatas. Aaron salta de um beco estreito entre duas pilhas de aeromóveis destruídos, disparando sua espingarda de alta dispersão em uma série de androides.
Sem muita escolha, John abre caminho entre as máquinas, com o dedo sobre o gatilho. Alguns androides desistem e fogem. Atrás de você!, June grita no comunicador, e John se vira depressa, destruindo o peito de outro androide que vinha por suas costas, antes de dar um olhar breve para o drone sobre o local.
— Valeu, amor!
Ei, presta atenção!
Ele gira, destruindo androides em uma sequência de tiros. Aaron parece ter cuidado do outro lado, enquanto Michele continua dando cobertura. O agente avança, apoia o pé sobre um corpo metálico, e salta sobre o altar, aterrissando em um rolamento com sua arma em punho.
O reverendo robótico levanta um dos braços, que abre em vários segmentos e revela um cano disparador. John arregala os olhos e se joga para o lado quando o feixe de energia corta o ar, fatiando em um segundo vários androides e uma pilha inteira de naves em sucata.
— Que isso?! Que perigo!
Ele rola novamente, passando por baixo do feixe de energia que cruza o ar em horizontal, e dispara na direção do reverendo robótico. Os projéteis energizados destroem metade do corpo do androide, junto com seu disparador. O reverendo cai de lado, e com a mão livre apanha um pedaço de sucata retorcida, para usar como espada.
— Por Gênesis! — grita enquanto esboça o movimento, como se usasse uma espada real. A bota de John pisa em seu pulso, impedindo o braço de se erguer. E com uma rajada de seu rifle, John destrói a cabeça do androide.
Conforme olha ao redor, a respiração do agente se acalma. Aaron está de pé, a alguns metros de distância. Michele está descendo por uma corda de seu ponto de tiro. E muitos dos androides estão se dispersando. John não concordo com aquela abordagem. Mas desde Gênesis, as IA mudaram, tornando-se verdadeiras formas de vida. O problema é que muitas delas não querem a paz, seguem o "sonho de Gênesis".
John? Tá, aí?
Ele sai de seus pensamentos.
— É, sim, estou.
Tudo bem?
— Outro androide com armamento de ponta. Onde eles estão conseguindo isso?
Silêncio.
Não sei, mas vamos descobrir, juntos.
— Tomara. — Aaron e Michele fazem um sinal, avisando que irão vasculhar a área, e ele assente.
Tira isso da cabeça agora, termina logo aí e volta. Luna e as meninas vêm para o jantar hoje.
John suspira fundo e amolece o corpo, cansado.
Ei! Eu vi isso!
— Hoje mesmo, Ju? Eu tô um caco.
Já adiamos duas vezes, e as meninas querem ver as primas.
Ele sorri.
— Tá bom, tá bom. Depois você vai me ajudar a relaxar.
Vou é? Então vem logo.
— Tá. Te amo.
Também te amo.
John olha uma última vez para o pregador, e sorri. Aquele problema teria que esperar. Naquele momento, ele deveria voltar para a parte mais amorosa e menos caótica da sua vida: a sua família.
FIM
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