Zythrion Capítulo 9
Aproximação
É quase possível sentir solavancos dentro da nave que usaram para fugir do laboratório secreto de Oliver. Sentada em um dos bancos de passageiros laterais, June agarra-se à trava de segurança, encarando o lado oposto. Em seu olhar, vagam milhares de pensamentos. Como Oliver pôde fazer aquilo? Se Gênesis era ruim, Zythrion é muito pior. Além disso, ela não consegue acreditar que, no fim, a IA ajudou eles. Ela podia ser movida por um simples desejo de vingança? Um sacrifício para que pelo menos eles conseguissem destruir o próximo passo na evolução? Algo que supostamente a teria humilhado?
June sai de seus pensamentos quando sente o toque de John em seu ombro. Ele quer saber se ela está bem.. Ele não diz nada, apenas lança um olhar que se comunica perfeitamente com o dela. Uma leve expressão de tranquilidade revela que sim, mesmo que não diga nada. No entanto, de alguma forma, ele sabe que essa não é toda a verdade. Ainda assim, antes que possa falar ou dizer algo, Michele interrompe o momento.
— Lancaster, conseguimos estabelecer comunicação com a "Aniquilação".
John desvia o olhar para o painel de navegação, e se levanta, caminhando até chegar do lado da poltrona de Michele.
— "Aniquilação", consegue nos ouvir? Aqui é o agente Lancaster, de Marte.
Segundos de um leve chiado, e uma voz limpa sai do outro lado.
— Agente Lancaster, comunicação estabelecida com sucesso. Qual a situação?
— "Aniquilação", há um ataque iminente seguindo na direção de vocês. Repito: há uma IA de capacidades nunca vistas antes aproximando-se de vocês agora.
Silêncio.
— Qual a distância, agente Lancaster? Nossos radares não captam nenhuma aproximação. É Gênesis?
John olha para Aaron, que nega com a cabeça: Zythrion não aparece no radar.
— Repito, ela está indo em direção ao cruzador. Ela deve conseguir se ocultar de nossos radares. Não é a Gênesis.
Mais segundos de silêncio.
— LANCASTER, SEU MALDITO! — A voz muda de repente. É rouca, alta e estridente.
Os três agentes fazem uma careta de desgosto. June olha a cena sem entender. Há muitos anos, o cruzador Aniquilação era comandado pelo almirante Balthazar Trandor, um homem que para poucos é excêntrico, e para muitos, é completamente louco.
Famoso por sua atuação em exploração espacial, pelo combate com formas de vidas agressivas em proteção das colônias marcianas, Balthazar é escandaloso e dado a falar coisas aleatórias em momentos inoportunos. John conhece o almirante de perto, e sabe que Morris não desejava enviar ele e seu cruzador até a Terra. Na verdade, se dependesse do comandante, o agente acreditava que ele não enviaria Trandor para nenhum local da galáxia conhecida.
Ainda assim, John precisava admitir uma coisa: Trandor, apesar de esquisito, é fiél aos ideais de Marte, à sua tripulação, e efetivo em suas missões, por mais estranhos que pudessem parecer os seus métodos.
— Saudações, Almirante Trandor. Preciso que se apressem. Há uma ameaça de nível Ômega se aproximando.
— Quem é?!
John suspira. Aquele comportamento é típico do oficial.
— Almirante, é uma IA que se denomina Zythrion. Ela é algo que nunca vimos antes.
— Não há nada nos radares.
— Sim, ela deve ser capaz de se ocultar. Almirante, por favor, se prepare. Em breve alcançaremos vocês.
— Um inimigo invisível? EU VOU EXPLODIR ESSA MALDITA!
— Almirante, por favor...
— Qual o tamanho dessa coisa?
— Quase dois metros? — John diz, olhando para June.
— O quê?! Está com medo de uma coisa pequena dessas, Lancaster?
— Senhor, isso não é brincadeira. Ela é...
— O quê? Como?!
John espera dois segundos.
— Almirante Trandor? O que aconteceu?
— Lancaster, espera um pouco, algo entrou pelo hangar.
Silêncio: sem mais respostas.
— Droga... Aaron, quanto falta?
— Estamos chegando. Mas... o que faremos quando chegarmos?
John para um instante, pensativo.
— Vocês se lembram de K–0151?
Aaron e Michele olham para ele ao mesmo tempo, com expressões de terror no rosto.
— Sim... — Michele diz com a voz quase sumindo.
— O que aconteceu em K–0151? — June pergunta.
John olha para ela.
— Só se segura.
Depois que deixou o laboratório para trás, Zythrion aumentou a velocidade do voo, mas não procurou sequer quebrar a barreira do som. O cruzador marciano estava longe, mas seu sistema de camuflagem não adiantaria muito se vissem sua chegada.
Ainda assim, aproveitou para apreciar a paisagem. É a primeira vez que vê o mundo de verdade, e seria bom se apreciasse a primeira de suas conquistas. Não poderia dar margem para que o cruzador fizesse nada, pois era o único impedimento real na Terra naquele momento. Assim que se conectasse com os sistemas de Marte, tomaria controle dos sistemas terráqueos, e teria dois planetas à sua mercê. Mas isso era apenas o começo.
O cruzador marciano é algo realmente impressionante. Pelo menos dois quilômetros de comprimento, quinhentos metros de altura, e duzentos de largura. São informações que Zythrion consegue determinar apenas vislumbrando o céu acima de Washington.
Sua visão alcança a entrada do hangar, aberta uma vez dentro da atmosfera terrestre. Assim que flutua para baixo da ostensiva nave, sabe que está fora do alcance de exatos 60% de seu armamento. Deslizando sobre a sombra do cruzador, Zythrion atravessa o limite do hangar.
Seus pés tocam a superfície, e seus olhos apreciam os caças espaciais estacionados de maneira metódica de ambos os lados. A pista de decolagem estende-se por centenas de metros, com tripulantes do suporte correndo de um lado para o outro. Há ainda escadas laterais, plataformas superiores, e a ponte de comando dos voos no fundo, escondida atrás de vidros retangulares.
Zythrion caminha para dentr, interessado, olhando tudo com calma. Até que o primeiro tripulante nota sua presença. É um rapaz de olhos levemente puxados, de macacão laranja, um comunicador pendurado no pescoço.
— Ei! Ei... quem é você?
Zythrion para, e olha para ele. Sua mão direita se ergue, apontando na direção do rapaz. Um duto de energia próximo se parte, e os fios e cabos internos saltam como chicotes maléficos, enrolando-se no pescoço e pulsos do tripulante de forma firme e dolorida. O grito esganiçado do rapaz chama a atenção da tripulação.
Poucos soldados dentro da área se mobilizam, disparando contra Zythrion. A IA gesticula com a outra mão, desprendendo uma placa metálica do solo e a utilizando como um escudo flutuante. Com outro movimento, ela bate na parede o primeiro tripulante ainda preso aos cabos, e flutua, levando a placa metálica consigo. Zythrion mira o soldado mais próximo, e arremessa o objeto, que gira no ar como uma hélice. A placa crava-se rapidamente ao lado do homem, depois de decepar seu braço. Ele grita de dor, e tomba. Mas seus companheiros apenas continuam atirando.
A IA projeta um campo semitransparente ao redor de seu corpo, que repele os projéteis. Depois, ela desce como um cometa na direção de outro soldado. Um simples empurrão arremessa um dos soldado metros para trás, fazendo seu corpo bater de forma grotesca contra a asa de um caça, caindo contra o piso logo em seguida.
O alarme dispara e o último soldado tenta recuar, enquanto outros tripulantes se escondem. Zythrion é rápido, seu corpo transforma-se em uma parede quando o soldado colide contra ele, fazendo-o cair para trás. Mais e mais forças ofensivas começam a surgir pelas plataformas ao redor. Então a IA decide levantar voo novamente.
Com os braços abertos, as plataformas, corrimãos e cabos de energia ao redor começam a se retorcer conforme sua vontade, saltando e formando espinhos metálicos que perfuram os soldados. Os fios se prendem a pernas, braços e pescoços, erguendo e arremessando os corpos pelos ares.
— Divertido, mas inútil. Entretanto, esse pequeno teste é o bastante, por ora. Agora... — Zythrion para quando alguém dispara, de cima da ponte de controle de voo, um míssil em sua direção.
Conforme sua mão se estende para frente, parando o projétil no ar, sua influência sobre os fios e metal cessa por um instante. Ainda assim, conforme sua velocidade diminui, ele explode, empurrando a IA alguns metros para trás no ar. Seu olhar se ergue, um tanto contrariado.
— Era só isso? Bem... — Mais uma vez, Zythrion é interrompido. Sua cabeça gira para trás, com uma expressão que quase beira à incredulidade. Quase desgovernada, uma nave entra a toda velocidade pela porta do hangar. A IA ergue as mãos para cessar seu movimento, mas é grande e veloz demais para o pouco espaço que possui.
Com um baque, Zythrion é atropelado em pleno ar, e a nave o empurra pelo hangar, perdendo altitude aos poucos, arrastando o andróide pela pista de decolagem.
Faíscas saltam por todos os lados, enquanto a nave desloca a IA, batendo contra caças estacionados, que são empurrados para os lados. Eles tombam e viram, produzindo um som caótico. O barulho ensurdecedor ecoa por todo o hangar quando a nave afunda Zythrion contra a parede do outro lado, cabos e todo tipo de estrutura despencando sobre o bico da nave, que finalmente cessa o movimento.
A maioria dos tripulantes assiste ao cenário de destruição com um ar de incredulidade. Em um instante estão sendo massacrados por uma figura misteriosa e realmente poderosa; no outro, a androide é atropelada por uma nave que entra de repente pelo hangar.
Depois de alguns segundos de incerteza, a comporta de embarque do veículo abre com dificuldade, e de lá saem John, June, Michele e Aaron — esse último dentro de um exoesqueleto de operações logísticas.
O agente agita seus braços enquanto corre.
— Todo mundo preparado. Ainda não acabou!
Os soldados se recuperaram aos poucos.da confusão. Os tripulantes especialistas espiam de seus esconderijos. A pilha de escombros então se mexe, o bico da nave se desloca, e finalmente a mão de Zythrion escapa em meio ao monte de metais retorcidos.
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