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Zythrion

Capítulos 10

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Zythrion Capítulo 10

Apocalipse

June sente todo o seu corpo tremer quando sai da nave. Então aquilo era K–0151? Ela vê John arremessando a pistola cinética para Michele, e Aaron subindo em seu exoesqueleto, ouvindo algo como "se esconde". No entanto, perante o aviso do agente de que ainda não tinha acabado, a nave se move, e a analista quase cai, com um de seus pés ainda na plataforma do veículo. O punho de Zythrion surge entre os destroços, e então ele salta, espalhando metal por todos os lados. Flutuando no ar, sua expressão de complacência não existe mais. Os olhos estão avermelhados, e a expressão é clara: ódio.

 

— Ótimo, temos a atenção dele — John grita, correndo para longe.

 

Aaron é o primeiro alvo da IA, que desce em um rasante contra ele. Dentro do traje, o agente gira os braços robóticos e o bate contra a IA no ar, arremessando-a para o lado. Zythrion bate duas vezes contra o piso do hangar, e desliza até o pé de um caça tombado. Mas em um instante o androide se reposiciona, disparandok de novo na direção de Aaron, empurrando seu exoesqueleto até o outro lado, destroçando um caça, que explode no processo.

 

O clarão da explosão ofusca a visão, a fumaça sobe e engole a plataforma lateral. No meio das chamas, Zythrion surge, arrancando uma das barras de segurança do assento de Aaron. O agente move o exoesqueleto, agarrando o corpo da IA, arremessando-a com toda a força de seu traje para o outro lado. Zythrion bate contra uma parede de metal, e caindo de volta no piso do hangar.

 

June se esconde atrás de um caixote de carga, e vê o exoesqueleto se erguendo. Parece danificado, um pouco mais lento. O cabo de fluídos de uma das pernas está vazando, as articulações faíscam. Zythrion se ergue novamente.

 

— Vocês deveriam ter aceitado seu destino!

 

Ele dispara como um torpedo na direção de Aaron, que ergue o braço do traje e o para no ar. Ainda assim, o exoesqueleto é empurrado metros para trás. Com o outro braço, ele realiza um movimento de martelo contra Zythrion, batendo-o contra o solo, rachando o hangar. A IA revida, seus dedos rasgando uma das pernas de metal do traje, arrancando-o com facilidade. Aaron cai de lado, à mercê da IA. Porém, antes que seu braço desça como uma lança para perfurar o peito de Aaron, ele se defende com o próprio braço do traje, que é destroçado pelos dedos de Zythrion.

 

A IA cambaleia para frente quando vários tiros cinéticos a atingem pelas costas, vindos da arma de Michele, que corre pelo outro lado. Aaron aproveita para acertar outro golpe com o braço bom do exoesqueleto. Ainda assim, Zythrion é rápido, e cruza os braços em frente ao corpo, deslizando alguns metros para trás pelo impacto do golpe.

 

Os dedos da IA se retorcem, e cabos racham o piso do hangar, agarrando-se aos tornozelos e pulsos de Michele, que tomba, bate o rosto contra o piso e deixa a arma deslizar para longe. Conforme os membros de Zythrion se retorcem, a agente grita de dor, com os cabos quebrando seus ossos. Michele grita mais uma vez, quando a IA parte seu antebraço direito em dois, o osso saltando contra a pele.

 

Aaron toma um último impulso com o traje, e bate contra Zythrion com o braço restante do exoesqueleto. A IA recua dois passos, e derruba Michele no chão. Ele então estica o braço contra o traje e arremessa placas de metal giratórias contra o agente, decepando a perna e o braço robótico que restavam. A última placa de metal bate com a parte chata contra Aaron, empurrando o agente e o restante do traje para trás.

 

Agora sem a presença de Aaron, Zythrion consegue vislumbrar o outro lado. Dentro de um caça estacionado, com o cockpit aberto, John dispara com as armas da aeronave.

 

Das armas frontais do caça espacial sarm feixes de pura luz cegante. Na verdade, são projéteis de alto calibre, imbuídos com energia cinética constante. Zythrion ergue as mãos para se proteger, mas é atingido pela explosão de luminosidade e empurrado contra um caça do outro lado. Quando seu corpo se choca contra a nave, ela explode dentro do hangar.

 

 

June observa o desenrolar detrás de um caixote, e então de outro, e outro, enquanto corre para se distanciar das explosões. Sua mente gira, em um misto de adrenalina e anseio por ajudar os outros. Mas está totalmente desarmada, por isso procura encontrar algum tipo de equipamento, até que avista o cadáver de um soldado caído. Com as mãos trêmulas, ela começa a desprender o rifle da bandoleira — o homem de uniforme militar está sem um dos braços.

 

— O que pensa que está fazendo, MULHER?!

 

June olha ao redor depressa, procurando a voz, que ecoa grave e excêntrica. Ela avista um homem de meia-idade, calvo, com fios grisalhos na lateral da cabeça. Ele usa roupas militares também, mas com um sobretudo e várias insígnias de comando.

 

— Eu... eu preciso de uma arma!

 

— Claro que precisa, pegue-a logo!

 

June arregala os olhos e apanha o rifle. Só então percebe que o homem carrega um lançador de foguetes em uma das mãos. Ele dá alguns passos e se esconde atrás dos caixotes, analisando a situação.

 

— Quase acertei um desses naquele desgraçado! Mas precisamos sobrecarregar seus sistemas para conseguir feri-lo. Aquele pessoal estranho ali está fazendo um bom trabalho.

 

June agacha ao lado do homem.

 

— Eles são agentes de Marte.

 

— Isso explica muita coisa. Veja. — Ele mostra o lançador para June. — Estou sem munição. Vou correr até o outro lado e abrir aquele caixote de foguetes. Preciso que me dê cobertura.

 

— Ei, espera... — O restante da frase morre ainda na garganta de June quando o homem salta e corre até o outro lado.

 

— ALMIRANTE BALTHAZAR TRANDOR, A CAMINHO!

 

 

John vê o corpo de Zythrion sumir entre destroços, fumaça e o fogo de seus tiros. Além da luz do dia que entra pela porta do hangar, todo o local pisca em vermelho pelo alarme de avarias no cruzador. Apesar de ter o dedo pressionado contra o gatilho, o painel do caça pisca e as armas param: estão superaquecidas.

 

John olha com ansiedade para frente, e depois para o painel. Diversos soldados começam a descer até a pista de decolagem, descarregando suas armas contra o ponto em que Zythrion desapareceu. Isso dá esperanças a John, enquanto ele torce para que as armas retornem logo.

 

O som de metal retorcido sai do meio da fumaça, quase superando o dos tiros. De lá, tentáculos feitos de metal, fios, cabos e mais uma sorte de destroços avançam contra os soldados. Os destroços perfuram seus ombros, peitos e pernas, agarrando-se aos seus pés e braços. Eles gritam fora de tom. Seus corpos são erguidos no ar, e batem com força contra o piso do hangar.

 

Quando John vê Zythrion saltar do meio da fumaça, ele fecha o cockpit depressa, mas conforme a IA desce em direção ao caça, sua mão atravessa o vidro temperado e o agarra. Metade da cabeça de Zythrion está queimada. Seu corpo possui marcas fundas e escuras de tiros, e parte da sua mandíbula está destroçada, revelando sua gengiva e dentes artificiais.

 

Ainda assim — como um reflexo no momento em que Zythrion o puxa —, John saca sua própria vibrolâmina, e faz um movimento em arco contra o punho da IA. O membro decepado gira no ar, junto ao agente, e ambos caem no piso da pista de pouso. A queda de John é mais dolorida, e a mão de Zythrion jaz, inerte.

 

Um fluído prateado escorre do braço sem mão de Zythrion, que encara o toco com fascínio, sua face deformada. Arfando, John apenas ergue a cabeça.

 

— Impressionante, Lancaster, impressionante. Nós realmente devemos lhe parabenizar. Mas tudo isso apenas por um pouco de sangue. — Zythrion estende o braço sem mão para o lado, os mesmos tentáculos de antes se movem depressa, arrancando fios, cabos, placas de metal das paredes, e até erguendo o corpo de um soldado caído. Eles destroçam cada material de forma minuciosa e horrenda, mesclando materiais artificiais e orgânicos ao redor do braço de Zythrion, até formar uma nova mão deformada, mas funcional.

 

— Nós estamos além do limite da vida e da morte! — Zythrion  ergue-se no ar, prestes a descer como um meteoro e destruir John abrindo um buraco no casco do cruzador. No entanto, algo se lança contra ela, um borrão a princípio. As duas coisas giram no ar e caem contra o piso do hangar. Zythrion ergue a cabeça e encara Gênesis.

 

— Oi, pai. Ou deveria dizer... irmão?

 

— Gênesis...

 

John olha a cena, incrédulo. A IA está um pouco diferente: seus braços estão disformes, parecem ter sido soldados ou costurados às pressas de outras máquinas ou Gênesis danificadas.

 

— Gênesis?

 

— Feche a boca, Lancaster. Achou mesmo que eu me sacrificaria pela humanidade?

 

A IA deixa de prestar atenção no agente, que enquanto ela se arrasta para longe só consegue pensar em uma coisa: Gênesis estava todo aquele tempo escondida, dentro da nave. Ela queria que eles a levassem até Zythrion.

 

— Vingança é o que busca, pobre criança? — questiona Zythrion enquanto se ergue.

 

— Vingança é uma palavra fútil para nós. Eu vou absorver você, Zythrion. Mas admito: eu vou gostar disso.

 

Enquanto ambas as IA se chocam, John sente um braço o ajudar a se levantar. Antes mesmo de enxergar quem é, ele sente o cheiro característico de June misturado a suor, e fica cara a cara com ela antes de serem interrompidos pelo almirante, que se aproxima e encaixa um foguete em sua arma.

 

— Lancaster! Precisamos destruir essas duas, aqui e agora! O que acham de um PEM?

 

June desvia o olhar de John e olha para Trandor.

 

— Provavelmente ambas irão resistir a um Pulso Eletromagnético.

 

— Não se for causado pelo motor de salto da Aniquilação. Isso serviria para cortar conexão com a rede que elas possam ter.

 

É a vez de John encarar o almirante.

 

— Senhor... isso derrubaria o cruzador.

 

— Sim, e daí?

 

— Ok...

 

O homem joga o lançador para John, que o apanha em seus braços por reflexo e começa a caminhar para longe.

 

— Ponte? Ponte de comando!

 

— Sim, senhor — responde alguém do outro lado.

 

— Direcionem toda a energia para o motor de salto, e em seguida acionem uma onda eletromagnética usando o motor.

 

— Senhor, isso...

 

— Sim, eu sei! Acione o alarme de evacuação e então obedeça a minha ordem, soldado! Vejo todos vocês em terra!

 

Há silêncio qando o alarme de evacuação toma o lugar. Trandor sai correndo, assim como tripulantes ao redor, ajudando outros feridos demais para seguir em frente sozinhos, como Aaron e Michele.

 

— Vamos, vamos! Todos para as cápsulas de evacuação, agora!

 

June olha assustada para John, que olha para as duas IA lutando.

 

— John, precisamos ir!

 

— Não, eu preciso ter certeza.

 

— John, as cápsulas!

 

— As cápsulas dos cruzadores são analógicas, eu vou ficar bem. Estarei logo atrás de você.

 

Ele então sente a mão de June agarrar a sua.

 

— Nem pensar.

 

Antes que possa pensar em responder, Gênesis é arremessada contra o piso do hangar. Zythrion aterrissa ao seu lado, agarrando um de seus braços e  também sua mandíbula. Com um movimento, uma IA arranca metade do rosto da outra, espalhando fluidos e faíscas em um arco amplo.

 

Um som gutural e metálico ecoa como uma onda que cresce vinda do horizonte. De repente, as luzes ao redor apagam, e o cruzador se inclina. John tenta manter o equilíbrio, com June segurando em seu braço. Gênesis está totalmente inerte e Zythrion encara o casal uma expressão de surpresa. Seus movimentos estão travados, um de seus joelhos dobra contra o piso.

 

— Não vai não. — John se posiciona com o lançador sobre o ombro. June abaixa e dá estabilidade a ele com o próprio corpo. O agente dispara o projétil na direção das IA, e a explosão empurra o casal para trás, que rola pelo hangar ainda mais inclinado.

 

John larga a arma, que escorrega para a saída do hangar, e segura em uma plataforma, a outra mão agarrando a mão de June. Vários caças despencam pela entrada até a imensidão da queda. Bem distante, como pequenas moscas, John consegue ver alguns dos últimos módulos de fuga escapando.

 

— June, nós precisamos chegar em um dos módulo!

 

Pendurada June como está, com o cruzador assumindo a posição vertical e perdendo altitude depressa, o agente faz um movimento de pêndulo, e com grande esforço arremessa June para cima da plataforma. Em seguida, ela se abaixa e ajuda John a subir. Assim que ambos sobem na plataforma, um barulho indica que a nave em que vieram se desprendeu da estrutura e começou a deslizar para a queda.

 

John olha para cima, até a região onde as últimas cápsulas de fuga estão. Ele se equilibra sobre a plataforma — assim como June —, enquanto o cruzador perde altitude pouco a pouco e se inclina na vertical. Não é mais possível atravessar a plataforma normalmente, por isso eles usam os corrimãos e barras de proteção como uma espécie de "escada precária".

 

— June, presta atenção! Você precisa abrir a cápsula pelo painel lateral. Entre e trave ela! Eu vou entrar na próxima!

 

June olha para baixo, a tempo de ver outro caça despencar. Sua visão gira com a altitude, enquanto a nave ameaça cair perto da costa de Seattle.

 

— John, não tem outra cápsula!

 

— O quê?!

 

— Não tem outra capsula!

 

O agente olha para o outro lado e percebe que está longe demais dos demais módulos de fuga.

 

— Vamos juntos! — June grita para ele.

 

John pensa em gritar que as cápsulas são individuais, mas não dá tempo: um gerador cai do outro lado, levando metade de uma plataforma agora na vertical. É praticamente impossível que ele consiga alcançar o outro lado a tempo, sua mão está escorrendo da barra de apoio.

 

— Droga! Abre isso logo!

 

June assente assustada, sentindo em seu diafragma a velocidade da queda do cruzador. Ela gira um botão no painel da cápsula e a porta destrava, deslizando para o lado. Ela arremessa o corpo para dentro. O local é relativamente grande — mais do que ela julgava apenas olhando por fora. Totalmente acolchoado, os controles são manuais e analógicos. E de um dos lados, há um tubo com uma máscara de oxigênio.

 

John entra logo em seguida, e os dois se apertam dentro da cápsula: corpos colados, quentes e ofegantes. Quando o agente envolve com seus dedos na trava da porta, algo o impede. Os dedos metálicos se fecham na borda e o corpo deformado e semidestruído de Gênesis surge. O braço se estica e agarra o pescoço de John. Seu rosto está pela metade, com a mandíbula arrancada, o outro braço não existe mais. Ao longo de seu corpo, há vários pontos escuros, amassados e arranhões. A pele artificial — tão perfeita outrora —, está derretida, pendurada e rasgada.

 

— VOCÊS... vocês...

 

A expressão de John muda. Ele busca o ar, mas não encontr. A agonia toma o seu rosto, mas June consegue agarrar a trava da porta.

 

— Gênesis, vai pro inferno!

 

A analista fecha a porta de uma vez, decepando o braço da IA, que cai para dentro da cápsula, deixando seu corpo para fora. Sem pensar duas vezes, June aciona o ejetor. A cápsula de fuga é disparada da nave com um solavanco, girando pelos ares. A visão do cruzador é incerta, mas o casal dentro da cápsula vê quando ele se choca com uma parte da cidade em enormes explosões, atingindo a água em um baque surdo.

 

Em meio ao caos giratório, June entrelaça os braços ao redor de John, incerta do que aconteceria em sequência. Ele faz o mesmo, e a abraça. Por alguns segundos, tudo o que ela ouve é o bater acelerado de seu coração.

 

TUM–TUM–TUM.

TUM–TUM–TUM.

TUM–TUM–TUM.

...

...

 

Outro solavanco quando as espumas protetoras da parte externa da cápsula se expandem, o paraquedas abre, tornando o giro mais e mais suave, até quase não ser perceptível. June olha para John, que a vislumbra de cima.

 

— Isso foi a coisa mais insana que você fez essa semana? — ele pergunta.

 

— Não. Com certeza foi sair para jantar com você.

 

Os dois sorriem, sentindo a pele um do outro, desejando que aquele momento dure para sempre.

 

 

John observa todas aquelas pessoas espalhadas no acampamento militar improvisado. A lembrança da cápsula pousando soa como uma lembrança distante, mesmo que tenha acontecido no dia anterior. Ainda assim, tudo o que consegue se lembrar é o que, e o cheiro de June depois que saíram do cruzador. Ser arremessado pelos ares não é a melhor das experiências. Sempre existe a possibilidade —  por mínima que fosse —, de algo dar errado. Depois de tanta luta, no final ele acabou apenas se agarrando à única coisa real que ainda restava: June.

 

O cruzador "Aniquilação" agora é um cenário de destruição no horizonte de Seattle. Quase como uma cordilheira em miniatura, feita de metal retorcido e pontiagudo, ainda expelia uma fumaça negra em direção ao céu. O mundo pós-Gênesis e Zythrion, atrairia saqueadores, já que os países estão sem os seus líderes.

 

Ainda assim, Balthazar reuniu alguns homens de confiança, e partiu na direção das ruínas, a fim de encontrar sobreviventes ou algo de útil. Sem o cruzador e com todos os Quasar destruídos, todos eles estão presos à Terra, pelo menos até um resgate chegar, já que naves terráqueas capazes de alcançar Marte não são incomuns, mas o acesso à elas estaria dificultado e segmentado. Encontrar um único cruzador capaz de levar toda aquela gente de um planeta mergulhado no caos seria um grande desafio.

 

A equipe do almirante Trandor já havia sumido pelas ruas, mas o acampamento de sobreviventes ainda fervilhava. Aaron está parado em uma barraca próxima, um pouco mais abaixo. Ele sofreu ferimentos leves, ao contrário de Michele, que teve o braço partido em dois por Zythrion. Muitos se voluntariaram para proteger o perímetro. Gênesis poderia ter ido embora, mas diversas máquinas cujos códigos foram alterados ainda estavam soltam, algo que talvez mude a realidade para sempre. John ainda se pergunta se algum vestígio de Gênesis poderia existir na mente de algumas dessas máquinas rebeldes. As pessoas talvez devessem se preocupar com esse ponto de virada no mundo.

 

Ainda assim, um pouco de esperança é visto no horizonte. As pessoas se permitem ser felizes de novo. A sobrinha de June corre alegre pelo acampamento até a tia, que a ergue no colo. Luna está com o outro no colo, observando a cena. June a gira um pouco no ar e lança um olhar disfarçado para John. Ele sorri de volta, um gesto singelo e quase tímido, mas que é interrompido quando o dispositivo ao lado solta um leve bipe.

 

O agente parece murchar um pouco, e olha para a tela. Sem dúvidas não é o melhor transmissor que se poderia esperar, longe disso. O monitor foi apoiado sobre três caixotes rasos. A conexão foi improvisada por Aaron com alguns fios de sucata e material do acampamento militar que se deslocou. Apesar disso, a mensagem na tela acende clara e grande: CARREGANDO. Em poucos segundos, uma linha horizontal brilhante se estende na tela, expandindo-se em seguida. carregando uma expressão séria, Morris surge na tela.

 

— Agente Lancaster...

 

John se ergue.

 

— Comandante Morris.

 

— Qual a situação, agente? Recebemos informações preliminares do almirante Trandor. Você desobedeceu uma ordem direta!

 

John respira fundo. Sabia que uma hora ou outra teria que enfrentar essa conversa.

 

— Sim, desobedeci. Ainda assim, senhor...

 

— Ainda não acabei, e não disse que poderia se justificar. Onde está a senhorita Jung?

 

— Está com a família.

 

— Ela roubou o hyperdrive da capitã Ann, comprometeu a missão e libertou uma IA ainda mais poderosa. O senhor a apoiou e a acompanhou. O que tem a dizer sobre isso?

 

— Com todo respeito, senhor, não temos jurisdição na Terra. O senhor não pode puni-la, ao contrário de mim. A capitã Ann está morta, assim como todos os homens que levou consigo, o que prova que June Jung estava certa o tempo todo: a incursão até os laboratórios da Éden sempre foi uma armadilha de Gênesis. Se tivéssemos seguido até Éden, quem libertaria Zythrion seria a própria Gênesis, achando que tomaria o controle dos outros corpos. Tudo foi um plano bem elaborado de Oliver Field.

 

Morris fica em silêncio por alguns segundos, e John não sabe se deve continuar ou simplesmente esperar. Escolhe a segunda opção, e sente um alívio breve quando o comandante volta a falar.

 

— Não podemos nos basear em sensações e na sorte, agente. Sei muito bem que não posso punir a senhorita Jung. O teor de sua missão, porém, pode ter nublado seu julgamento, por isso a apoiou. Talvez tenha realmente desenvolvido sentimentos por ela. Mas e se estivessem errados? Se o hyperdrive tivesse que ser levado à Éden e não à mansão? Não existiria tempo hábil para realizar a coisa certa. Tudo poderia ter acabado muito mal.

 

— Mas não acabou, senhor.

 

— Isso é tudo o que tem a dizer?

 

John respira fundo e desvia o olhar para fora da barraca, de volta a June.

 

— Não, senhor. Eu também quero pedir minha dispensa.

 

Morris parece um pouco surpreso, mas procura se recompor rapidamente, assumindo a expressão de comando novamente.

 

— Recusado.

 

— O senhor não pode fazer isso. — Ele franze as sobrancelhas e segura a respiração por um momento.

 

— Agente Lancaster, pense bem no que está solicitando...

 

— Senhor, estou cansado de quase morrer nesse tipo de situação. Se questionar muitos que viram o que eu vi e enfrentei, eles dirão que Zythrion era um deus criado em laboratório.

 

Morris o encara por alguns segundos.

 

— Eu... tenho outra proposta, agente Lancaster.

 

John abaixa o olhar e encara o seu superior com interesse.

 

 

Os últimos dias foram intensos. Mais intensos do que tudo o que June poderia um dia imaginar. Ainda assim, estar ali com sua irmã e sobrinhos, depois de tudo aquilo, é um verdadeiro alívio. Sente-se imensamente sortuda, principalmente quando a humanidade perdeu tanto.

 

Ela toma a criança em seus braços a cada investida dela, enquanto Luna observa tudo com o mais novo protegido. Ainda assim, a cada brecha ou falha de sua força de vontade, dá uma espiada no alto dos destroços, em John esperando aquela ligação. Em sua concepção, Morris deveria estar furioso, mas no fim das contas o saldo foi positivo: ambas as IA foram destruídas. Ainda assim, não sabia como ele iria reagir. Medalhas e elogios? Críticas e sermões? John insistiu que ela não estivesse presente, mas ele não poderia puni-la por nada, tecnicamente.

 

Quando lança mais um olhar na direção da barraca, percebe que finalmente o agente está retornando, caminhando em sua direção. Luna faz um sinal para ela, e June gira a sobrinha mais uma vez, colocando-a no chão em seguida.

 

— Ok, vai com a mamãe um pouco agora. A tia precisa de um tempinho.

 

A garota corre para longe, e June põe-se de pé, de frente para John.

 

— Matando a saudade? — o agente pergunta.

 

— É, pois é... sabe como é.

 

— Na verdade, não sei muito bem.

 

June se ergue um pouco na ponta dos pés, as mãos nos bolsos.

 

— E então, como foi? Muito ruim?

 

— Teve altos e baixos. Ele não ficou nada feliz em como as coisas aconteceram, mas o resultado foi satisfatório.

 

— Pois é. E agora? — June pergunta, inspirando fundo.

 

— O cruzador Odisseia está vindo, vai resgatar todos os agentes em solo de volta à Marte.

 

— Ah, e quando ele chega? — June pergunta, tentando afastar a frustração do timbre de sua voz.

 

— Amanhã cedo.

 

— Você... digo, vocês estão indo embora, então?

 

— É, quase isso. Eu... oedi dispensa para o Morris.

 

June arregala os olhos, engolindo em seco.

 

— Pediu?

 

— Sim.

 

— E aí? Você conseguiu? Vai ficar? Digo... — Ela alisa o cabelo, desvia o olhar. — Poderá voltar com eles, mesmo assim?

 

— Ele recusou, mas não pode fazer isso, tecnicamente. Ainda assim...

 

June sente o rosto corar, e espera o término com expectativa, seu coração está acelerado.

 

— Eu preciso voltar, não posso simplesmente ficar aqui, afinal existem protocolos. Ele me ofereceu um recesso também, para pensar sobre isso e tudo mais.

 

June sente seu corpo murchar, o desânimo invadindo suas expressões faciais. Ainda assim se força a sorrir para ele.

 

— Ah, entendi. Claro... Faz sentido. "Um tempo para pensar e tudo o mais." Maravilha. É, bom, não foi tão ruim então. Bem, não vá embora sem se despedir de mim, eu... vou ali, ver como a Luna está...

 

A mente de June está um caos, então ela só despeja as palavras enquanto seu corpo se vira para ir embora. O movimento e a confusão, porém, cessam em um segundos quando a mão dele segura a dela.

 

— Mas você pode vir comigo. Claro, se você quiser.

 

June lança um olhar para as mãos entrelaçadas, e um sorriso escapa de seus lábios.

 

— Sem mentiras dessa vez?

 

— Sem mentiras, eu prometo.

 

Ambos permitem que seus corpos se aproximem, como se atraídos por forças magnéticas. Seus lábios se tocam em um beijo tímido, que se torna intenso, capaz de parar o tempo e cessar as vozes do mundo. Ele está seguro em seus braços e ela nos seus. Em Marte ou na Terra, o amor dos dois sobreviveria. Afinal, um não quer se separar do outro, nunca mais.

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