Drácula Capítulo XII
DIÁRIO DO DR. SEWARD
18 de setembro — Cheguei cedo a Hillingham. Bati COM cuidado, para não acordar Lucy ou sua mãe, esperando que apenas a criada viesse abrir. Não sendo atendido, bati com mais força, várias vezes, mas em vão. Fiz a volta da casa, na esperança de encontrar algum, meio de entrar. Encontrando fechadas todas as portas e janelas, voltei para a varanda, justamente quando Van Relsing estava chegando. Dirigimo-nos para o fundo da casa e, com ajuda de instrumentos cirúrgicos do professor, conseguimos abrir uma janela da cozinha e por ela, penetramos na casa. Van Helsing não procurava esconder sua aflição.
Não encontramos ninguém na cozinha nem nos quartos das criadas, mas ao chegarmos na sala de jantar, encontramos quatro criadas caídas no chão. Não estavam mortas, pois estertoravam e o cheiro ativo de láudano mostrava o que ocorrera.
- Podemos cuidar delas mais tarde — disse Van Helsing.
Subimos até o quarto de Lucy. Como descrever o que vimos ali? Na cama jaziam duas mulheres: Lucy e sua mãe. Esta última, coberta por um lençol branco, e, a seu lado, LUCY, mortalmente pálida. As flores que tinham sido colocadas em torno do seu pescoço, estavam no peito de sua mãe e os dois pequenos ferimentos que eu notara antes estavam visíveis com um aspecto horrível.
Sem uma palavra, o professor curvou-se sobre o leito.
- Ainda não é demasiadamente tarde! — exclamou. — Depressa, a aguardente! Corri ao andar de baixo e trouxe a garrafa de aguardente e, enquanto a esfregava em Lucy, Van Helsing disse-me:
- É a única coisa que posso fazer por enquanto. Vá acordar aquelas criadas. Esfregue o rosto delas com uma toalha, com bastante força. Antes de mais nada, temos que aquecer esta infeliz.
Não tive dificuldade em despertar três das mulheres. A quarta estava pior e deixei-a no sofá, dormindo. Fui enérgico com as outras, dizendo que se não trabalhassem com presteza, sacrificariam a vida de Miss Lucy. Chorando e desculpando-se, elas correram à cozinha, onde, felizmente, o fogão estava aceso e não havia falta de água quente.
Levamos Lucy para um outro quarto que lhe fora preparado e metemos, à força, algumas gotas de aguardente em sua boca.
Quando estávamos entregues a essa tarefa, uma das criadas anunciou que tinha aparecido um cavalheiro, com um recado do Sr. Holywood e, pouco depois, ouvi a voz de Quincey Morris. Van Helsing fechou a cara, mas logo sua atitude mudou, quando me viu receber a visita efusívamente.
- Quincey Morris! Que o trouxe aqui?
- Acho que foi Art — disse ele, entregando-me o seguinte telegrama:
“Seward não me manda notícias há três dias, e estou aflitíssimo. Não posso partir. Meu pai no mesmo estado. Comunique-me como Lucy está. Não atrase. HOLYWOOD”
- Creio que cheguei no momento oportuno. Basta me dizer o que devo fazer — disse o americano.
- O sangue de um homem é a melhor coisa que existe para uma mulher em dificuldade — disse Van Helsing. — O senhor é um homem de fato, é evidente. O diabo pode trabalhar contra nós, com tudo de quanto dispõe, mas Deus nos envia ajuda, quando precisamos.
Mais uma vez, começou a transfusão. Não tenho coragem de descrever os pormenores.
Terminada a operação fui levar Quincey Morris para fora do quarto, a fim de se providenciar um cálice de vinho do Porto e alguma coisa que comer para ele e, quando voltei ao quarto, encontrei Van Helsing, tendo na mão duas folhas de papel, que me entregou, dizendo:
- Caiu do colo de Lucy.
Quando terminei a leitura, perguntei, ao professor:
- Que significa tudo isto. Ela estava ou está, doida, ou que perigo horrível está morrendo?
- Esqueça-se disso por enquanto — respondeu Van Helsing. — Saberá oportunamente. Quando acordou, à tarde, o primeiro movimento de Lucy foi enfiar a mão no colo e, para surpresa minha, tirar o papel que Van Helsing me havia dado para ler e que, naturalmente, ele tornara a colocar ali. Depois, vendo-nos junto dela, pareceu alegrar-se, mas, de repente, olhando em torno, deu um grito e cobriu o rosto com as mãos. Percebemos que se lembrara de sua mãe. Dissemos-lhe que um de nós ficaria sempre junto dela e isso pareceu reconfortá-la. Ao anoitecer, ela adormeceu e, enquanto dormia, tirou o papel do seio e rasgou-o em dois. Van Helsing retirou-o de suas mãos, mas ela continuou a fazer movimentos como se estivesse fazendo o papel em pedacinhos e depois jogando-o fora.
19 de setembro — Lucy continua muito mal. Quando dormia, parecia mais forte, e a boca aberta mostrava as gengivas brancas afastadas dos dentes, que, assim, pareciam maiores e mais aguçados que habitualmente; quando acordava, a expressão de seus olhos adoçava-lhe a fisionomia, que parecia mais suave, mas, ao mesmo tempo, a de uma moribunda. Ao meio-dia, perguntou por Arthur e telegrafamos chamando-o. Quincey foi esperá-lo na estação.
Quando ele chegou eram quase seis horas e o sol estava se pondo. Quando a viu, Arthur ficou em estado de choque com a emoção e nenhum de nós conseguiu dizer coisa alguma.
A presença de Arthur, contudo, pareceu agir como um estimulante. Lucy aquietou-se um pouco e conversou com ele melhor do que fizera desde que tínhamos chegado.
É quase uma hora da manhã e Arthur e Van Helsing estão sentados ao lado de Lucy. Vou rendê-los, dentro de um quarto de hora, e estou gravando este diário no fonógrafo de Lucy. Eles vão procurar descansar até as seis horas. Deus nos ajude.
CARTA DE MINA HARKER A LUCY WESTENRA
(Não foi aberta pela destinatária)
17 de setembro
Minha querida Lucy:
Há muito tempo que você não me escreve, mas está perdoada. Você também, estou certa, vai desculpar meu silêncio, ao saber o que sucedeu. Trouxe meu marido de volta. Em Exeter, havia uma carruagem nos esperando e nela, o Sr. Hawkins, muito embora tivesse tido um ataque de gota. Levou-nos para sua casa, onde tinha preparado para nós dois belos e confortáveis quartos e onde jantamos. Após o jantar, o Sr. Hawkins disse:
- Meus caros, quero beber à sua saúde e prosperidade. Conheço-os desde crianças e vi-os crescer, com amor e orgulho. Quero que fiquem aqui nesta casa comigo. Não tendo filhos, deixei tudo para vocês em meu testamento.
Confesso que chorei, quando eu e Jonathan apertamos a mão do bom velho. Passamos uma noite muito agradável.
Estamos, assim, instalados nesta magnífica mansão. A vista é linda do meu quarto. Não é preciso dizer que tenho estado muito ocupada com os cuidados de casa. Jonathan e o Sr. Hawkins andam atarefados todo o dia, pois, agora, Jonathan é seu sócio e o Sr. Hawkins quer que ele fique bem informado sobre todos os clientes.
E, agora, quero saber suas notícias. Quando vai se casar? Conte-me tudo, pois tudo a seu respeito me interessa.
COMUNICAÇÃO DO DR. HENNESSEY AO DR. JOHN SEWARD
20 de setembro
Prezado Senhor:
De acordo com suas instruções, envio relatório referente a tudo deixado a meu cuidado... No que diz respeito ao paciente Renfield, há mais a dizer. Teve ele uma nova crise que poderia ter sérias conseqüências, o que, felizmente, não ocorreu.
Hoje à tarde, passou, diante do hospício, uma carroça com dois homens, que se destinava à casa vizinha. Os dois homens pararam diante da porta do hospício, a fim de pedir informações sobre o caminho, que não conheciam muito bem. Na ocasião, eu estava à janela do escritório, fumando após o jantar, e vi um dos homens entrar no hospício.
Quando passou diante da cela de Renfield, este começou a injuriá-lo grosseiramente. Fiz sinal ao homem para não se importar e ensinei-lhe o caminho, pelo que ele me perguntara, com muitos bons modos.
Dirigi-me à cela de Renfield, a fim de acalmá-lo, e fiquei surpreendido ao ver que ele se mostrava bastante tranqüilo. Quando lhe falei a respeito do incidente, desconversou, fingindo não entender. No entanto, meia hora depois, fugiu, pulando a janela. Saí, acompanhado de dois guardas, em sua perseguição e conseguimos alcançá-lo perto da entrada da propriedade vizinha. A carroça que passara diante do hospício estava parada ali e vi em cima dela alguns grandes caixotes. Os dois homens estavam em cima da carroça, limpando o suor do rosto. Antes que pudéssemos impedir, Renfield atirou-se contra os homens e puxando um deles para fora da carroça, começou a bater sua cabeça no chão.
Creio que o teria matado, se eu não o tivesse agarrado. O outro homem saltou da carroça e desfechou terrível pancada com o cabo de um chicote que trazia na mão, na cabeça do louco, que, afinal dominamos, e metemos numa camisa-de-força, enquanto ele furioso gritava:
- Hei de impedir que façam isto! Não me roubarão! Não me matarão aos poucos!
Lutarei por meu Amo e Senhor!
Os dois homens a princípio ameaçaram apresentar queixa e denunciar-nos à justiça, mas acabaram se tornando mais razoáveis, depois de um copo de aguardente e de uma moeda de ouro. Tomei nota de seus nomes, para o caso de necessidade. São Jack Smollet e Thomas Snelling, e trabalham ambos para a Companhia de Transportes e Navegação Harris & Filhos, de Solio.
Comunicar-lhe-ei qualquer assunto de interesse e telegrafarei, caso se dê alguma novidade importante.
Atenciosamente, PATRICK HENNESSEY
CARTA DE MINA HARKER A LUCY WESTENRA
(Não foi aberta pela destinatária)
18 de setembro
Minha querida Lucy:
Fomos atingidos por um rude golpe. O Sr. Hawkins morreu repentinamente. Pode haver quem pense que não temos motivo para sentir muito, mas a verdade é que o estimávamos tanto que, para nós, é quase como ter perdido um pai. Jonathan está muito abatido. Diz ele, também, que a responsabilidade que recai sobre seus ombros o torna nervoso. Está começando a duvidar de si mesmo. Felizmente, eu acredito nele e isso o ajuda a ter mais confiança em si. Mas a verdade é que o grande choque por que passou o afetou profundamente. Não acho nada agradável a perspectiva de ir a Londres, depois de amanhã, pois o Sr. Hawkins, em seu testamento, disse que fosse enterrado no mesmo túmulo que seu pai. Como ele não deixou um só parente, Jonathan terá que fazer as,bonras. Vou fazer tudo para vê-Ia, meu bem, nem que seja apenas por alguns minutos.
Sua afetuosa MINA
DIÁRIO DO DR. SEWARD
20 de setembro — Sinto-me profundamente abatido com essa sucessão de mortes: a mãe de Lucy, o pai de Arthur e agora...
Rendi a Van Helsing, velando junto de Lucy. Foi com grande dificuldade que conseguimos fazer com que Arthur saísse de perto dela, para descansar um pouco. Olhei através da janela, levantando uma ponta da cortina. O jardim estava iluminado pelo luar e um grande morcego se aproximava, às vezes, da casa, sem dúvida atraído pela claridade. Lucy respirava com dificuldade e, pela boca aberta, mostrava as gengivas esbranquiçadas. Seus dentes pareciam mais compridos e mais aguçados e, em particular, devido a algum jogo de luz, os caninos pareciam maiores e mais pontudos que os outros.
Pouco depois, ela acordou e eu lhe dei alimento, conforme as prescrições de Van Helsing, mas ela muito pouco comeu. Não parecia estar dominada pela inconsciente luta pela vida que, até então, caracterizara sua enfermidade. Achei curioso o fato de que, no momento em que se tornou consciente, apertou as flores de alho de encontro ao pescoço. Não deixava de ser esquisito que, quando ficava no estado de letargia, com a respiração ofegante, empurrava as flores para longe; mas, agora, apertava-as para junto de si.
Às seis da manhã, Van Helsing veio me render.
- Levante a cortina — ordenou-me ele.
Obedeci-lhe e ele se curvou sobre Lucy, examinando-lhe o pescoço.
- Meu Deus — exclamou, recuando.
Aproximei-me e olhei, e um arrepio percorreu-me o corpo. Os ferimentos do pescoço tinham desaparecido inteiramente.
Durante cinco minutos, Van Helsing ficou olhando para Lucy, depois murmurou:
- Vai morrer dentro de pouco tempo. Para mim, haverá uma grande diferença, se ela morrer acordada ou dormindo. Vá chamar o pobre Arthur.
Arthur estava dormindo na sala de jantar e procurei preparar-lhe o espírito o melhor que pude. O pobre rapaz ficou num estado penoso.
Quando entramos no quarto, Lucy abriu os olhos e vendo o noivo murmurou:
- Arthur! Meu amor, sinto-me tão alegre por você ter vindo!
Arthur aproximou-se dela, para beijá-la, mas Van Helsing fez-lhe um sinal para recuar.
- Ainda não! — sussurrou. — Segure a mão dela. Isto a confortará mais.
Arthur ajoelhou-se junto do leito, segurando a mão de Lucy, que fechou os olhos e adormeceu.
E, então, insensivelmente, ocorreu a estranha mudança que eu observara durante a noite. A respiração de Lucy tornou-se estertorante a boca se abriu e as gengivas brancas fizeram com que os dentes parecessem mais compridos e aguçados. De modo vago, sonolento, Inconsciente, ela abriu os olhos, que tinham se tornado duros, e murmurou, com uma voz voluptuosa, que eu nunca ouvira em seus lábios:
- Arthur! Meu amor, estou tão alegre por você ter vindo! Beije-me!
Arthur debruçou-se para beijá-la, mas Van Helsing precipitou-se sobre ele, afagando-o do leito e empurrando-o para longe, com uma força que eu não podia supor.
- Por sua vida, por sua alma é pela alma dela! — exclamou.
E colocou-se entre os dois, como um leão defendendo sua presa.
Arthur ficou tão espantado que durante alguns momentos, não soube o que dizer.
Eu tinha os olhos fixos em Lucy, do mesmo modo que Van Helsing, e vi uma expressão de raiva em seu rosto. Depois, ela fechou os olhos e, quando os reabriu, pegou a mão de Van Helsing e beijou-a:
- Meu verdadeiro amigo — disse, com uma voz fraquíssima, mas emocionada. — Meu amigo verdadeiro e amigo dele também! Proteja-o, dê-lhe paz!
- Eu o juro! — disse Van Helsing, solenemente, ajoelhando-se junto ao leito. Depois voltou-se para Arthur:
- Venha, meu filho. Pegue na mão dela e beije-a na fronte e apenas uma vez.
Os olhos dos dois amantes se encontraram, em vez de seus lábios; e assim se separaram.
Os olhos de Lucy se fecharam; Van Helsing segurou Arthur pelo braço e afastou-o. A respiração de Lucy tornou-se estertorante de novo, e parou em seguida.
- Acabou — disse Van Helsing. — Está morta.
Segurei Arthur pelo braço e levei-o para o aposento vizinho, onde escondeu o rosto nas mãos e começou a soluçar.
Voltei para o lado de Van Helsing e exclamei:
Pobre moça! Afinal alcançou a paz! É o fim!
- Infelizmente, é apenas o começo! — retrucou Van Helsing, gravemente. — Mas, por enquanto, nada podemos fazer. Esperemos.
Indíce
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