Drácula Capítulo XXV
DIÁRIO DE JONATHAN HARKER
15 de outubro, Varna — Partimos de Charing Cross na manhã do dia 12, chegamos na noite do mesmo dia a Paris e tomamos os lugares que nos estavam reservados no Orient Express. Viajamos durante a noite e o dia, chegando aqui cerca de cinco horas da tarde. Lord Godalming foi ao consulado, a fim de ver se havia chegado algum telegrama para ele, enquanto nós, restantes, vínhamos para este hotel, o Odessus. Não prestei atenção na viagem.
Até que o “Czarina Catherine” chegue a este porto, coisa alguma do mundo me interessara. Graças a Deus Mina está passando bem; parece estar se fortalecendo e está mais corada. Dormiu durante quase toda a viagem. Antes do levantar e do pôr do sol, contudo, tem se mostrado muito agitada; tornou-se quase um hábito de Van Helsing hipnotizá-la nessas ocasiões. A princípio, era preciso muito esforço, mas agora o sono hipnótico vem com grande facilidade. o professor sempre lhe pergunta o que ela está vendo e ouvindo e ela responde, invariavelmente:
- Não estou vendo coisa alguma; tudo está escuro. Ouço as ondas batendo contra o navio e o ruído de velas e enxárcias.
É claro que o “Czarina Catherine” ainda está no mar, a caminho de Varna.
Lord Godalming acaba de voltar, trazendo quatro telegramas, um correspondendo a cada dia, desde que partimos e todos no mesmo sentido: O “Lloyd’s” ainda não recebeu qualquer comunicação sobre o “Czarina Catherine”. Godalming providenciou, antes de sair de Londres, que lhe telegrafassem, diariamente, transmitindo informações nesse sentido.
Deitamo-nos cedo. Amanhã iremos procurar o vice-cônsul para ver se conseguimos entrar a bordo do navio logo que chegue. Diz Van Helsing que a nossa sorte será chegar ao navio entre o nascer e o pôr do sol. O Conde, mesmo se tomar a forma de um morcego, não pode atravessar a água corrente por sua própria vontade e, portanto, não poderá sair do navio. Como não se atreverá a tomar a forma humana sem despertar suspeitas — que, evidentemente, deseja evitar — terá que ficar dentro da caixa. Assim, se entrarmos no navio depois do nascer do sol, ele ficará a nossa mercê. Graças a Deus estamos num país onde tudo se consegue com suborno, e temos bastante dinheiro.
16 de outubro — Mina continua a fazer as mesmas revelações: ondas batendo, escuridão e ventos favoráveis. É claro que chegaremos a tempo e, quando tivermos notícias do “Czarina Catherine”, estaremos em condições de agir. Naturalmente, teremos alguma notícia, quando a escuna atravessar os Dardanelos.
17 de outubro — Tudo foi providenciado, Acho que estamos em condições de receber o Conde condignamente. Godalming disse aos armadores que desconfiava que a caixa embarcada no navio continha objetos roubados de um amigo seu e que este o autorizara a abrir a caixa, por sua conta e risco. Os armadores deram-lhe uma autorização, para ser apresentada ao comandante. Além disso, puseram o agente à nossa disposição, o qua14se mostra encantado com a maneira com que Godalming o trata e está disposto a fazer tudo que estiver ao seu alcance para nos facilitar. Já combinamos tudo que devemos fazer quando abrirmos a caixa. Se o Conde estiver lá dentro, Van Helsing e Seward cortarão imediatamente sua cabeça e atravessarão seu coração com uma estaca.
Eu, Morris e Godalming impediremos a interferência de terceiros, ainda mesmo que tenhamos, para isso, de utilizar as armas que possuímos. O professor afirma que, se fizermos isso com o corpo do Conde, ele se transformará em poeira, imediatamente. Em tal caso, não haveria prova contra nós, no caso de surgir suspeita de homicídio. Mas, seja como for, estamos dispostos a executar nossa missão. Combinamos com algumas autoridades que, logo que o Catheririe seja avistado, nós seremos avisados por um mensageiro especial.
24 de outubro — Uma semana inteira de espera, Godalming recebe um telegrama diariamente, mas sempre anunciando que não há novidade. As respostas de Mina, pela manhã e à tarde, durante seu sono hipnótico, são invariáveis: barulhos de ondas e rangidos de velas e cordames.
Telegrama, 24 de outubro
SMITH, DO LLOYD’S DE LONDRES, A LORD GODALMING, AOS CUIDADOS DO VICE- CÔNSUL DE SUA MAJESTADE BRITÂNICA EM VARNA
Informou-se esta manhã “Czarina Catherine” nos Dardanelos
DIÁRIO DO DR. SEWARD
25 de outubro — Estou sentindo muita falta do fonógrafo. Escrever um diário com caneta dá muito trabalho, mas Van Helsing acha que devo escrever. Ficamos todos muito excitados ontem, quando Godalming recebeu o telegrama. Apenas a Sra. Harker não demonstrou qualquer emoção. Aliás, ela tem mudado muito, nas últimas três semanas. A letargia progride e, embora seu aspecto seja melhor e esteja mais corada, eu e Van Helsing não estamos satisfeitos. Van Helsing, segundo me disse, tem examinado seus dentes com muito cuidado, durante os transes hipnóticos e diz que, há perigo de mudança imediata. Se ocorresse tal mudança, seria necessário tomar certas medidas! Nós sabemos quais seriam essas medidas, embora não tenhamos coragem de falar sobre isto. “Eutanásia” é uma palavra confortadora!
Dos Dardanelos até aqui, de acordo com o tempo gasto pelo “Czarina Catherine” depois que saiu, o trajeto deve ser feito em cerca de 24 horas. A escuna deve chegar, portanto, pela manhã; mas, como não poderá entrar antes do meio-dia, vamos estar prontos à uma hora.
25 de outubro — Nenhuma notícia da chegada do navio. A informação hipnótica da Sra. Harker, hoje de manhã, foi a mesma de sempre. Todos nós estamos muitos excitados, com exceção de Harker; suas mãos estão frias como gelo e, há uma hora, encontrei-o amolando um facão de que não se separa.
Mais tarde — Ao pôr do sol, a Sra. Harker fez a habitual revelação hipnótica. Seja onde for que ele esteja, no Mar Negro, o Conde está se encaminhando para o seu destino. Para o seu aniquilamento, espero!
26 de outubro — Outro dia sem notícia do “Czarina Catherine”. A escuna já devia estar aqui. Parece que continua a navegar para algum lugar, pois as revelações da Sra. Harker continuam as mesmas.
27 de outubro — É estranho! Nenhuma notícia do navio. As revelações da Sra. Harker ontem à noite e hoje de manhã foram as mesmas, acrescentando: “ondas muito fracas”. Os telegramas de Londres comunicam que não chegaram outras informações. Van Helsing está aflitíssimo, com medo do Conde ter escapado de nós.
“Não estou gostando da letargia de Madame Mina”, disse ele. “As almas e a memória podem fazer coisas estranhas durante o transe.”
Eu ia pedir-lhe que explicasse melhor, mas Harker entrou nesse momento e o professor me fez um gesto significativo.
28 de outubro — TELEGRAMA. MILFUS SMITH, DE LONDRES, A LORD GODALMING, AOS CUIDADOS DO VICE-CÔNSUL E SUA MAJESTADE BRITÂNICA.
Informa-se que “Czarina Catherine” entrou em Galatz à uma hora de hoje.
DIÁRIO DO DR. SEWARD
28 de outubro — Quando chegou o telegrama anunciando a chegada do navio a Galatz, creio que ninguém sentiu o choque que seria de se esperar. Acho que, no fundo, já esperávamos coisa semelhante. Van Helsing levantou as mãos para o alto, mas não disse uma palavra. Lord Godalming empalideceu e Quincey Morris apertou o cinto, com um movimento rápido, que conheço muito bem e quer dizer: ação. A Sra. Harker ficou lívida, de tal modo que a mancha na testa pareceu estar queimando. Harker sorriu, amargamente, como alguém que tivesse perdido as últimas esperanças. Mas, ao mesmo tempo, sua mão procurou o inseparável facão.
- A que horas parte o primeiro trem para Galatz? — perguntou Van Helsing, sem se dirigir a nenhum de nós em particular.
- Às 6:30 da manhã!
Nós todos nos espantamos, pois fora a Sra. Harker quem respondera.
- Como sabe? — perguntou Art.
- Sou especialista em horários de trem — respondeu a Sra. Harker. — Em Exeter sempre tomava nota dos horários, para ajudar meu marido. Eu sabia que, se tivéssemos de ir ao Castelo de Drácula, tínhamos de ir por Galatz, ou, de qualquer modo, passando por Bucareste, de maneira que decorei os horários. Infelizmente, não há necessidade de decorar muito, pois, como já disse, o primeiro trem só parte amanhã, às seis e meia.
- Não conseguiremos arranjar um trem especial? — sugeriu Lord Godalming.
- Infelizmente, creio que não — respondeu Van Helsing. — Este país é muito diferente do seu e do meu. Mesmo se conseguíssemos um trem especial, provavelmente ele não iria partir antes do trem comum. O melhor é tomarmos logo as providências. Você, amigo Arthur, vá à estação comprar as passagens e providencie para que tudo esteja em ordem amanhã cedo. Você, amigo Jonathan, vá procurar o agente do navio e obtenha uma carta dele ao agente de Galatz, autorizando-nos a revistar o navio. Você, Quincey Morris, vá procurar o vice-cônsul e providencie para que seu colega de Galatz, facilite tudo para nós. Você, John, ficará comigo e Madame Mina, para discutirmos.
- Farei tudo que estiver em minhas mãos para ajudá-lo — disse a Sra. Harker. — Tenho a impressão de que algo se afasta de mim e sinto-me mais livre do que tenho me sentido ultimamente.
Os três rapazes mostraram-se alegres, ao ouvirem estas palavras, mas eu e Van Helsing nos entreolhamos preocupados.
Quando os três outros se retiraram, Van Helsing pediu à Sra. Harker para ir buscar uma cópia do diário de Harker escrito no Castelo e, quando ela saiu, fechando a porta, me disse:
- Amigo John, quero lhe dizer uma coisa. Vou assumir uma tremenda responsabilidade, mas acho que estou fazendo bem. No momento em que Madame Mina disse aquilo que tanto nos surpreendeu, veio-me uma inspiração. No transe, há três dias, o
Conde enviou-lhe seu espírito, para ler seu pensamento. Ele ficou sabendo, então, que estamos aqui e agora está fazendo todo o esforço para escapar de nós. Está certo de que ela atenderá ao seu chamado. E tenho esperança que nossos cérebros de homens que, não perderam a graça de Deus, possam chegar mais longe que seu cérebro de criança que jaz na tumba há séculos e que só atua para satisfazer o egoísmo e, portanto, mesquinhamente. Mas Madame Wina está voltando. Nem uma palavra a respeito de seus transes! Ela nada sabe e iria ficar desesperada, quando tanto precisa de esperança.
Indíce
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