Drácula Capítulo XIII
DIÁRIO DO DR. SIEWARD
(Continuação)
O enterro foi marcado para o dia seguinte, a fim de que Lucy e sua mãe pudessem ser enterradas juntas. Tomei as providências devidas. Não havia parentes na cidade é, como Arthur teve de voltar no dia seguinte, para assistir ao enterro de seu pai, não pudemos, notificar nenhum que pudesse haver. Em vista dessas circunstâncias, eu e Van Helsing nos encarregamos ele examinar os papéis, etc. Ele fez questão de examinar os papéis de Lucy.
Tirando de uma carteira o papel que estava no colo dela e que ela rasgara dormindo, disse:
- Quando você descobrir quem é o procurador da Sra. Westenra, sele todos os papéis e escreva para ele. Quanto a mim, vou ficar aqui neste quarto e no antigo quarto de Miss Lucy, durante toda a noite, vendo o que há. Não convém que seus próprios pensamentos caiam na mão de estranhos. Arthur amanhã poderá cuidar dos papéis da Sra. Westenra, pois o enterro do pai dele foi hoje. Devemos, agora, descansar um pouco. Amanhã teremos muito que fazer, mas esta noite não precisarão de nós.
Antes de sairmos, fomos ver de novo a pobre Lucy. O quarto já estava transformado numa câmara ardente. Havia muitas flores e a morte se tornara o menos repulsiva que
pode ser. O rosto de Lucy estava coberto com um lençol e, quando o professor o descobriu, delicadamente, tanto eu quanto ele ficamos surpreendidos com a beleza da morta. Era difícil para mim acreditar que estava contemplando um cadáver.
- Fique aqui até eu voltar — disse o professor. E saiu do quarto. Voltou trazendo um punhado de alho bravo que tirara de uma caixa que estava no vestíbulo, mas que não fora aberta, e espalhou as flores sobre o corpo e em torno do leito. Depois tirou do peito um pequeno crucifixo de ouro e colocou-o sobre a boca de Lucy. Em seguida, desceu o lençol sobre a cabeça e nós nos retiramos.
- Amanhã, quero que você me traga, antes da noite, um jogo de bisturis para autópsia — disse-me Van Helsing.
- Temos que fazer uma autópsia? — perguntei.
- Sim e não. Vou lhe dizer do que se trata, mas não diga uma só palavra a ninguém.
Vou cortar-lhe a cabeça fora e retirar seu coração. Mas você, um cirurgião, ficar tão chocado! Você, que já vi fazer operações tão difíceis! Mas estou me esquecendo, caro amigo John, que você a amava. Eu preferiria fazer a operação esta noite, mas não posso, por causa de Arthur. Ele ficará livre depois do enterro de seu pai, amanhã, e há de querer vê- la... Depois que ela estiver fechada no caixão, para o dia seguinte, nós o destamparemos, faremos a operação e tornaremos a tampar o caixão, sem deixar ninguém saber.
- Mas para que mutilar o corpo da infeliz sem necessidade? É monstruoso! Amigo John — disse Van Helsing, pondo a mão em meu ombro.
- Tenho muita pena de você e, se pudesse, lhe pouparia isso. Mas há coisas que você não sabe, mas tem de saber, e deve dar graças a Deus porque as sei, embora não sejam coisas agradáveis. Você me conhece há tanto tempo! Já me viu fazer alguma coisa sem um motivo justo? Posso errar, mas acredito no que faço. Você não ficou espantado, ou talvez mesmo horrorizado, quando não deixei Arthur beijá-la? No entanto, viu que ela me agradeceu e me beijou as mãos. Pois bem. Tenho bons motivos para fazer o que pretendo. Terá confiança em mim?
Apertei-lhe a mão, prometendo. Vi-o entrar para o seu quarto e fechar a porta. Antes de entrar para o meu, vi uma das criadas entrar no quarto onde Lucy se encontrava e fiquei comovido com aquela prova de dedicação. Vencendo o medo tão natural, a pobre moça ia ficar junto da patroa, para que seus restos mortais não ficassem sozinhos...
Devo ter dormido profundamente, já era dia claro quando Van Helsing foi me acordar.
- Não precisa mais se preocupar com os bisturis — disse ele. — Não vamos mais fazer o que eu pretendia.
- Por quê?
- Porque é tarde demais, ou cedo demais — respondeu ele, gravemente. — Veja! — acrescentou mostrando o pequeno crucifixo de ouro. Isto foi roubado na noite passada.
- Roubado? Então como está com ele?
- Porque o tomei da amaldiçoada. Seu castigo virá, mas não por meu intermédio. Ela não sabe tudo que fez.
Afastou-se, então, deixando-me às voltas com um novo mistério.
O procurador da família apareceu ao meio-dia. Mostrou-se grato pelas providências que tínhamos tomado e se encarregou de tomar as que fossem necessárias dali para diante.
Durante o almoço, contou-nos que a Sra. Westenra vinha esperando, desde algum tempo, morrer de repente e pusera todos os seus negócios em ordem. Com exceção de alguns bens vinculados deixados pelo pai de Lucy e que, agora, terão de ser herdados por parentes afastados, todos os bens, móveis e imóveis, caberão a Arthur Holywood.
Arthur, agora Lord Godalming, pela morte do pai, fazia pena, quando apareceu. Sei que era muito bom filho e perder ao mesmo tempo o pai e a noiva deve ter sido um golpe terrível.
Levei-o ao quarto onde estava o corpo e levantei o lençol de seu rosto. Meu Deus, como estava bonita! Parecia estar ficando mais linda, de hora para hora. Arthur estremeceu, depois me perguntou, quase sem voz:
- Jack, ela está mesmo morta?
Assegurei-lhe que, infelizmente, essa era a verdade e disse-me que devia se despedir dela, pois o caixão tinha de ser preparado; ele beijou-lhe a mão e a testa, e levei-o, depois, para a sala de visitas, onde estava Van Helsing.
Depois de alguma hesitação, o professor perguntou-lhe:
- Sabe que a Sra. Westenra lhe deixou todos os seus bens?
- Não, coitada. Nunca pensei nisto.
- E, como tudo é seu, o senhor tem direito de fazer o que quiser. Queria que me desse permissão de ler todos os papéis e cartas de Miss Lucy. Pode crer que não se trata de mera curiosidade, mas que é para o bem de Lucy.
- Dr. Van Helsing — exclamou Arthur, com seu modo franco — pode fazer o que quiser.
Sinto que, ao dizer isto, estou fazendo uma coisa que minha querida Lucy teria aprovado.
- E tem razão — disse o velho professor. — Haverá sofrimento para todos nós, mas devemos ser corajosos e abnegados e cumprir o nosso dever.
Dormi naquela noite num sofá, no quarto de Arthur. Van Helsing passou a noite em claro, andando de um lugar para outro do quarto e sem perder de vista o quarto onde se encontrava Lucy em seu caixão, rodeada de flores de alho.
DIÁRIO DE MINA HARKER
22 de setembro — No trem de Exeter, Jonathan está dormindo. Parece que foi ontem, e quanta coisa já aconteceu... Eu em Whitby, Jonathan longe, sem dar notícias e agora eu casada com Jonathan, e o Sr. Hawkins morto e enterrado.
A cerimônia fúnebre foi muito simples. Apenas estávamos nós, os criados um ou dois velhos amigos de Exeter, seu agente em Londres é um representante da Sociedade Judiciária. Saindo do enterro, eu e Jonathan vimos um ônibus até o Hyde Park, onde estivemos durante algum tempo. Quando caminhamos de braço dado pelo Picadilly, Jonathan exclamou, de repente, apertando-me o braço:
- Meu Deus!
Olhei-o vi que se tornara lívido. Acompanhando a direção do seu olhar, percebi que estava olhando para um homem alto e magro, de nariz aquilino, bigode preto e cavanhaque, que, por sua vez, olhava para uma linda moça. o rosto desse homem tinha uma expressão de maldade e seus dentes, que pareciam mais brancos por causa dos lábios muito vermelhos, eram pontudos como os de um animal.
- Está vendo quem é?
- Não, querido — respondi. — Quem é?
Sua resposta me chocou, pois parecia que não era comigo que ele estava falando:
- É ele em pessoa!
Evidentemente, era presa de terrível emoção e creio que teria caído, se eu não estivesse ali para sustentá-lo. O homem, sem tirar os olhos da moça que passava numa carruagem, fez sinal a um carro que passava. Jonathan continuou olhando para ele e disse, como que para si mesmo:
- Acho que é o Conde, mas ficou mais jovem. Meu Deus, se for mesmo!
Estava tão preocupado que tive medo de desviar sua atenção perguntando-lhe por outras coisas e fiquei em silêncio.
Continuamos a caminhar e sentamo-nos num banco do Green Park. O dia estava bem quente para o outono. Depois de alguns minutos, Jonathan fechou os olhos e adormeceu, com a cabeça no meu ombro. Cerca de vinte minutos depois acordou e disse, jovialmente:
- Que coisa, Mina! Como dormi! Desculpe-me ter sido tão grosseiro. Venha. Vamos tomar um chá, em algum lugar.
Sem dúvida, tinha se esquecido tudo a respeito do sujeito moreno. Não me atrevi a perguntar-lhe.
Mais tarde — Que tristeza a volta à casa, ainda vazia, com a morte do Sr. Hawkins!
Jonathan anda pálido e abatido, e agora um telegrama de Van Helsing, dizendo: “Lamento comunicar-lhe que a Sra. Westenra morreu há cinco dias e que Lucy morreu
anteontem. Ambas foram enterradas hoje.” Quanta tristeza em tão poucas palavras!
DIÁRIO DO DR. SEWARD
22 de setembro — Tudo terminou. Arthur regressou a Ring, em companhia de Quincey Morris. Quincey é um bom sujeito. Acho que está sentindo tanto a morte de Lucy como qualquer um de nós. Van Helsing está descansando um pouco, para a viagem. Vai esta noite para Amsterdam, mas disse que voltará amanhã à noite. Disse que tem negócios a tratar em Londres que o reterão durante algum tempo.
Fui com ele levar Arthur e Quincey à estação e quando voltamos, Van Helsing, na carruagem, começou a rir histericamente. Riu até chorar, tornou a rir e a chorar, muitas vezes, como uma mulher.
Afinal, quando se tornou mais sério e eu interroguei, explicou:
- Estou rindo por causa da amarga ironia que há nisso tudo. Todos aqueles homens vestidos de branco, como anjos, fingindo ler os livros de reza, mas sem que seus olhos jamais encontrem as páginas e nós todos de cabeça baixa... E tudo por quê? Ela está morta, não está?
- Desculpe-me, amigo John — disse Van Helsing. — Não demonstrei meus sentimentos para os outros, mas apenas para você, amigo velho, em quem posso confiar. Se você pudesse ver dentro do meu coração, enquanto estou rindo, teria mais pena de mim que de todos os outros.
Fiquei comovido com o tom de sua voz e perguntei por quê.
- Porque sei — disse ele.
“THE WESTMINSTER GAZETTE” 25 de setembro
Um mistério em Hampstead
Está ocorrendo, nos arredores de Hampstead, uma série de acontecimentos que parecem se emparelhar com aqueles que fizeram surgir cabeçalhos berrantes como “O Horror de Kensington” ou “A Mulher de Preto”. Durante os últimos dois ou três dias, várias crianças estiveram desaparecidas durante a noite. Todas ela eram tão novas que, ao serem encontradas, não souberam explicar onde tinham estado, mas todas se desculpavam dizendo que tinham estado com uma “dama de branco”. Todas desapareceram a altas horas da noite e duas só foram encontradas na manhã seguinte. Supõe-se que a primeira criança desaparecida inventou que a dama de branco a convidou para dar um passeio e que as outras a imitaram.
Há, contudo, um aspecto do caso que parece sério, pois algumas das crianças desaparecidas à noite apresentam ligeiros ferimentos no pescoço. Os ferimentos parecem ter sido produzidos por um rato ou cão de tamanho pequeno e, embora não tenham muita importância por si mesmos, parecem indicar que o animal que os produz tem um certo método. A polícia recebeu instruções para ter o máximo cuidado com crianças encontradas sós, especialmente muito pequenas, e com qualquer cão solto pelas ruas.
“THE WESTMINSTER GAZETTE” 25 de setembro
Edição Extraordinária
O HORROR DE HAMPSTEAD A DAMA DE BRANCO
Outra criança ferida.
Acabamos de ser informados que outra criança, desaparecida durante a noite passada, só foi encontrada às últimas horas da manhã de hoje, num matagal do lado do Monte Shooter, lugar meio deserto. A criança tinha o mesmo ferimento no pescoço observado nos outros casos. Estava num estado de grande fraqueza e muito pálida. Quando melhorou, contou a mesma história, dizendo ter sido atraída pela dama de branco.
Indíce
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