Drácula Capítulo XXIII
DIÁRIO DO DR. SEWARD
3 de outubro — Pareceu-nos incrivelmente longo o tempo que tivemos de esperar pelo regresso de Godalming e Quincey Morris: O professor procurou nos distrair, conversando sem parar, e notei, pela maneira com que se dirigia a Harker, que estava preocupado principalmente com ele, o que era natural.
Enquanto conversávamos, batendo na porta, com a dupla pancada característica dos estafetas telegráficos e nós todos corremos instintivamente para a entrada, mas Van Helsing, com um gesto impós-nos silêncio e foi abrir a porta. O estafeta entregou o telegrama e o professor fechou a porta de novo, e depois de olhar para todos os lados, abriu-o e leu-o, em voz alta:
“Procurem D. Agora mesmo, 12:45 acaba de sair de Carfax, apressado, em direção ao Sul. Talvez queira vê-los.
MINA
- Agora, graças a Deus, vamos encontrá-lo dentro em pouco! — exclamou Harker.
- Deus saberá agir oportunamente e como lhe parecer melhor — atalhou Van Helsing, vivamente.
Meia hora depois, bateram de novo na porta. Era uma pancada comum, como qualquer pessoa costuma bater, mas fez meu coração bater descompassadamente. Olhamos um para o outro e dirigimo-nos juntos ao vestíbulo, prontos a nos utilizar de nossos diversos instrumentos, os espirituais com a mão esquerda e os mortais com a direita.
Mas eram apenas Godalming e Quincey Morris que voltavam.
- Tudo correu bem — anunciou o primeiro. — Encontramos seis caixas em cada casa e esterilizamos todas.
- Agora, nada nos resta senão esperar — disse Quincey. — Se, contudo, ele não aparecer até cinco horas, devemos voltar, pois é perigoso deixar a Sra. Harker sozinha.
- Ele não vai demorar muito a chegar — anunciou Van Helsing. — Estejam todos preparados!
Não pude deixar de admirar como, mesmo num momento como aquele, cada um de nós manifestava as tendências de sua personalidade. Em todas as nossas caçadas e aventuras, em diferentes partes do mundo, Quincey Morris sempre organizava o plano de ação e eu e Arthur estávamos acostumados a segui-lo. O velho hábito pareceu renovar-se instintivamente. Quincey olhou rapidamente em torno e, sem dizer uma palavra, com simples gestos, colocou-nos cada um numa posição. Eu, Van Helsing e Harker ficamos atrás da porta, de maneira que, quando ela fosse aberta, o professor pudesse guardá-la, enquanto nós dois nos colocássemos entre o recém-chegado e a porta. Godalming e Quincey, perto da janela, estavam prontos a entrar em ação logo que fosse preciso.
Esperamos, com ansiedade que fazia os segundos se arrastarem com uma lentidão de pesadelo. Passos lentos, cuidadosos, se fizeram ouvir no vestíbulo; evidentemente, o Conde receava alguma surpresa.
De repente, de um pulo, ele se precipitou na sala, com um movimento de pantera. O primeiro a agir foi Harker, que se lançou diante da porta que dava para a sala da frente da casa. Ao nos ver, o Conde soltou um rugido, mostrando os dentes aguçados. Nós todos avançamos contra ele. Harker desfechou-lhe uma facada e somente sua agilidade o salvou: por uma fração de segundo, a lâmina deixou de se enterrar em seu coração. A ponta da faca abriu o casaco do Conde e, pelo rasgão, um punhado de notas e muitas moedas de ouro se espalharam pelo chão: A expressão do rosto tornou-se diabólica e receei pela vida de Harker, que investira de novo com a faca. Instintivamente, avancei para protegê-lo, levantando o Crucifixo e a Hóstia na mão esquerda. É impossível descrever a expressão de ódio que se estampou na fisionomia do Conde. Com um ágil movimento, afastou-se. Harker e, depois de ter apanhado no chão um punhado de dinheiro, atravessou o quarto correndo e pulou a janela. Entre o tilintar de vidros partidos, caiu no pátio embaixo. No meio do barulho do vidro estilhaçado, pude ouvir o tilintar de algumas moedas de ouro que caíram das mãos do vampiro.
Corremos à janela e vimo-lo levantar-se, incólume, e dirigir-se ao portão dos fundos.
- Pensam que podem me enfrentar? — gritou para nós. — Ainda vão sofrer muito!
Pensam que me deixaram sem lugar para descansar, mas tenho mais. Minha vingança está apenas começando! Suas mulheres, que vocês amam, já são minhas. E, através delas, vocês todos serão minhas criaturas.
E, com um rugido furioso, desapareceu no portão dos fundos.
- Ficamos sabendo de uma coisa — disse o professor. — Apesar de suas basófias, ele está com medo de nós. E acho que é preciso providenciar para que ele nada encontre que lhe possa ser útil, no caso de voltar.
E, assim falando, meteu no bolso o dinheiro que sobrara e colocou na lareira as escrituras e os demais objetos, ateando fogo em seguida. Godalming e Morris tinham corrido ao pátio, em perseguição ao Conde, mas ele já ia longe.
A noite se aproximava e tratamos de voltar para o hospício, onde encontramos a Sra. Harker nos esperando, aparentemente animada.
Antes dela e do marido irem se deitar, o professor preparou o quarto contra o Vampiro e assegurou-lhes que podiam ter confiança de que iriam passar uma noite tranqüila.
DIÁRIO DE JONATHAN HARKER
3-4 de outubro, quase a meia-noite — O dia me pareceu interminável. Antes de nos separarmos, discutimos a respeito de qual deve ser nossa próxima providência, mas não chegamos a acordo. A única coisa que sabemos é que resta uma caixa de terra e só o Conde sabe onde ela está. Se ele resolver ficar escondido, pode nos enfrentar durante anos. Não gosto nem de pensar numa coisa destas! Graças a Deus, Mina está dormindo tranqüilamente. Eu também preciso dormir...
Mais tarde — Devo ter dormido, pois fui acordado por Mina, que estava sentada na cama, muito assustada.
- Há alguém no corredor! — murmurou no meu ouvido.
Levantei-me, pé ante pé, e abri a porta. O Sr. Morris estava no corredor, estendido num colchão, mas bem acordado.
- Vá para a cama — disse-me ele. — Um de nós vai ficar aqui a noite toda. Não facilitamos.
4 de outubro — Mais uma vez, Mina me acordou durante a noite. Dessa vez, percebi, através das janelas, que já estava amanhecendo.
- Vá chamar o professor — disse ela. — Preciso vê-lo imediatamente.
- Para quê?
- Tive uma idéia. Creio que essa idéia surgiu durante a noite e foi amadurecendo sem que eu soubesse. Ele deve me hipnotizar antes do amanhecer e poderei falar. Vá depressa, querido. O tempo está passando.
Abri a porta. O Dr. Van Helsing estava descansando no colchão no corredor e, ao me ver, levantou-se. Dois ou três minutos depois, estava no quarto, metido em seu robe de chambre, enquanto Morris e Lord Godalming, na porta com o Dr. Seward, faziam perguntas.
- Quero que o senhor me hipnotize, antes de amanhecer, para que eu possa falar livremente — disse Mina.
Olhando fixamente para ela, o professor começou a fazer passes com as mãos. Mina ficou imóvel, sem tirar os olhos dele; o coração batia descompassadamente, pois eu receava uma crise. Pouco a pouco, os olhos dela foram se fechando e ela sentou-se e ficou imóvel.
Depois de mais alguns passes, o professor perguntou:
- Onde se encontra?
- Não sei — respondeu Mina, com uma voz muito esquisita. — É inteiramente desconhecido para mim.
- Que está vendo?
- Não consigo ver coisa alguma; tudo está escuro.
- Que está ouvindo? — O barulho da água. Pancadas de pequenas ondas.
- Quer dizer que você está num navio?
Nós todos olhamos uns para os outros. Tínhamos medo de pensar.
- Estou!
- Que mais está ouvindo?
- Homens que caminham por cima de onde estou. O ruído de uma corrente, o ranger de um cabrestante.
- Que é que você está fazendo?
- Estou imóvel, tão imóvel! É como a morte!
A voz desapareceu e Mina abriu os olhos. O sol já se levantara e estávamos iluminados pela luz do dia. O Dr. Helsing segurou Mina pelos ombros e pôs sua cabeça no travesseiro. Ela dormiu tranqüilamente durante algum tempo, depois, dando um suspiro, acordou e olhou em torno.
- Falei dormindo? — foi tudo quanto disse.
Mas parecia conhecer a situação, pois se mostrou muito interessada em saber o que tinha dito. O professor repetiu a conversa e ela exclamou:
- Então, não há um momento a perder. Talvez ainda não seja muito tarde.
O Sr. Morris e Lord Godalming fizeram menção de se encaminhar para a porta, mas o professor os conteve.
- Calma, meus amigos! — disse ele. — Aquele navio estava levantando âncora, no momento em que ela falou. São muitos os navios que levantam âncora no porto de Londres. Qual deles será? Graças a Deus, temos de novo uma pista, embora não saibamos ainda aonde ela pode nos levar. Agora, podemos compreender qual foi a idéia do Conde, quando agarrou aquele dinheiro em Piccadilly. Queria fugir. Viu que, dispondo apenas de uma caixa de terra e com um grupo de homens a persegui-lo, como cães atrás de uma raposa, não havia lugar para ele em Londres. Levou sua última caixa de terra para um navio e deixou este país. Acha que vai escapar, mas está enganado. Nós o acompanharemos. Por enquanto, vamos tratar de tomar banho, vestirmo-nos e comermos.
- Mas, se ele está fugindo de nós, para que persegui-lo? — perguntou Mina.
- Agora, minha cara Madame Mina, é que precisamos segui-lo, mesmo se fosse para as profundezas dos infernos — respondeu o professor. — Porque ele pode viver séculos e a senhora é apenas uma mulher mortal. Há tudo a temer, depois que ele deixou aquele sinal em seu pescoço.
Corri a tempo de recebê-la, desmaiada, em meus braços.
Indíce
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