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Drácula

Capítulos 27

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Drácula Capítulo VII

RECORTADO DO “DAILYGRAPH" DE 8 DE AGOSTO

(Incluso no diário de Mina Murray)

De um Correspondente:

 

(Uma das maiores e mais violentas tempestades de que se tem memória aqui, com resultados estranhos e sui generis. Na noite de sábado, o tempo estava bom. Grupos de pessoas passeavam no Bosque de Mulgrava, Baía de Robin Hood, Rig Mill, Runswick, Staithees e diversos outros lugares das vizinhanças de Whitby. Os vapores “Emma” e “Nelson” realizaram excursões pelo litoral e a cidade de Whitby estava muito movimentada. O crepúsculo foi muito bonito. Um velho marinheiro, que há mais de meio século observa os sinais do tempo no Rochedo de Leste, previu, com segurança, uma tempestade. O vento abrandou inteiramente durante a noite e, à meia-noite houve uma calmaria absoluta, calor intenso e o mormaço que fazem as pessoas sensíveis prever a aproximação de tempestade. Havia poucas luzes à vista no mar, pois mesmo os vapores costeiros que, em geral, navegam muito perto da costa, tinham ganho o mar alto e poucos barcos de pesca estavam à vista. As únicas velas visíveis eram de uma escuna estrangeira que parecia ir para oeste. A imprudência ou ignorância de seus oficiais deu motivo a muito comentário e procurou-se fazer-lhe sinal no sentido de reduzir as velas, em face do perigo.

Pouco antes de dez horas, a atmosfera se tornou opressiva e reinou um silêncio tão completo que se podia ouvir o latir de um cão na cidade. Pouco antes de meia-noite, veio um ruído estranho do mar e um uivo encheu o ar.

De repente, sem advertência, a tempestade se desencadeou. As ondas ergueram-se furiosamente. Súbito, a escuna apareceu iluminada pela luz do farol. Um grito de angústia irrompeu de todos os lábios, mesmo dos homens mais fortes e habituados com as

surpresas marítimas.

— Não escapa! — gritaram. — Vai se arrebentar de encontro aos rochedos.

Erguida por uma onda gigantesca, a escuna foi projetada no porto. Parecia um milagre.

A luz do farol a acompanhou e um arrepio percorreu todos que a contemplavam, pois, amarrado ao leme, havia um cadáver. Nenhum outro vulto era divisado na coberta.

Arrastado pelas ondas, o navio encalhou na praia. E o mais estranho de tudo foi que, logo que o navio encalhou, um cão enorme pulou da proa, caiu na areia e saiu correndo, como uma flecha, em direção ao cemitério da igreja, onde desapareceu.

O guarda costeiro que estava de serviço na zona oriental do porto foi o primeiro a subir ao navio. Embora estivesse um pouco longe, também me dirigi logo para lá. Quando cheguei, já havia grande multidão, que a polícia e a guarda-costeira tratavam de impedir entrasse na escuna. Por cortesia das autoridades, pude entrar, na qualidade de jornalista.

O que se via era inacreditável. O homem estava com as mãos amarradas na roda do leme. Entre a mão que estava para o lado de dentro e a madeira, havia um crucifixo cujo rosário fora enrolado em ambos os punhos do cadáver e na roda. Um médico, o Dr. J. M. Caffyri, que chegou logo depois de mim, opinou que ele já devia estar morto há uns dois dias. No seu bolso foi encontrada uma garrafa, cuidadosamente arrolhada, contendo um pequeno rolo de papel que parece ser um adendo ao diário de bordo. O guarda costeiro diz que o homem deve ter amarrado as próprias mãos, atando o nó com os dentes.

A tempestade já passou e os curiosos estão voltando para casa. Enviarei mais pormenores para a próxima edição.

 

9 de agosto — Verificou-se que escuna é russa, de Varna e chama-se “Demeter”. Estava navegando com lastro de areia, tendo, apenas um pequeno carregamento, constituído por um certo número de grandes caixotes de terrá. Esse carregamento estava consignado a um procurador de Whitby. Sr. S. F. Billington, de Crescent, que, esta manhã, foi a bordo e tomou posse dos bens. Também o cônsul tomou posse formal do barco e pagou os impostos devidos.

Não se fala em outra coisa na cidade a não ser no estranho acontecimento. O destino do cão tem despertado grande interesse. Alguns membros da Sociedade Protetora dos Animais o procuraram, em vão. Para desapontamento geral, ele parece ter desaparecido inteiramente da cidade. Talvez, amedrontado, tenha se refugiado nos brejos, onde ainda se encontre. Não falta quem receie que, mais tarde, ele se torne um perigo, pois é enorme.

Hoje cedo, um cão muito grande, mestiço de mastim, pertencente a um carvoeiro de perto do cais, foi encontrado morto, com o pescoço estraçalhado, mostrando que lutou ferozmente.

 

Mais tarde — Graças à amabilidade do inspetor da Câmara de Comércio, pude examinar

o diário de bordo do “Demeter”. Não registra fato algum de particular interesse, a não ser o desaparecimento de alguns membros da equipagem. O documento mais interessante é o que foi encontrado dentro da garrafa. Transcrevo, omitindo apenas alguns pormenores de ordem técnica. Parece que o capitão era maníaco e seu estado mental foi se agravando durante a viagem. Naturalmente, minhas informações devem ser aceitas em termos, pois estou escrevendo o que dita um empregado do cônsul russo, que teve a bondade de traduzir para mim, já que o tempo é curto.

 

DIÁRIO DE BORDO DO “DEMETER”

Viagem de Varna a Whitby

 

Escrito a 18 de julho. Estão acontecendo coisas tão estranhas, que farei anotações cuidadosas, a partir de agora, até chegarmos ao nosso destino.

Em 6 de julho recebemos a carga, que consiste de areia e caixotes cheios de terra. Ao meio dia, partimos. Vento de leste. Tripulação: cinco marinheiros... dois pilotos, o cozinheiro e eu próprio (capitão).

Em 11 de julho, entramos no Bósforo ao amanhecer. Inspetores aduaneiros turcos vieram a bordo. Tudo em ordem. Partimos às 4 da tarde.

Em 12 de julho, atravessamos os Dardanelos. Mais inspetores alfandegários.

Atravessamos o arquipélago à noite.

Em 13 de julho, passamos pelo Cabo de Matapari. A tripulação mostra-se insatisfeita com alguma coisa. Parece amedrontada, mas não revelaram o motivo.

A 14 de julho, fiquei preocupado com a tripulação. Todos os marinheiros eram homens corajosos, que já tinham viajado comigo antes. O imediato não pôde saber o que havia; os marinheiros apenas lhe disseram que havia alguma coisa e se persignaram. O imediato perdeu a calma com um deles e agrediu-o. Esperava barulho, mas tudo terminou bem.

A 16 de julho, o imediato me comunicou que um dos homens, Petrowsky, desapareceu.

É incompreensível.

A 17 de julho, ontem, um dos homens, Olagren, procurou-me e me avisou que acha que existe um estranho a bordo. Disse-me que, quando estava em seu posto, viu um vulto comprido e esguio caminhar ao longo da cobertura e desaparecer. Acompanhou-o, pé ante pé, mas, ao, chegar à proa, não encontrou ninguém e todas às escotilhas estavam fechadas. Está apavorado, e receio que o medo contamine o resto da tripulação.

Para tranqüilizá-lo, percorri todo o navio, de proa a popa.

Mais tarde, reuni todos os tripulantes e disse-lhes que, como estavam achando que havia alguma coisa a bordo, iríamos dar uma batida completa no navio. O imediato irritou- se, achando que aquelas idéias tolas desmoralizariam os homens. Deixei-o no leme enquanto o resto dava uma batida completa, com lanternas. Só havia os grandes caixotes, não existindo canto onde uma pessoa pudesse esconder-se. Os tripulantes ficaram

tranqüilizados.

22 de julho — Mar agitado nos últimos três dias. Os tripulantes parecem ter esquecido seus temores. Passamos Gibraltar.

23 de julho — Uma maldição parece pesar sobre este navio. Desapareceu outro homem, enquanto estava de serviço. O medo reina de novo. os homens pediram para ficar de serviço de dois em dois. Receiam ficar só. O imediato está furioso.

28 de julho — Quatro dias de inferno, tempestade furiosa. Ninguém dorme. Os homens estão exaustos. É difícil pôr alguém de serviço, pois já não há ninguém em condições. O segundo piloto se ofereceu para fazer a vigília e ficar no leme para que os homens possam dormir algumas horas.

29 de julho — Outra tragédia. Tive de fazer turnos simples, por falta de homens. Pela manhã, só encontrei o timoneiro. Estamos agora sem segundo piloto e a tripulação em pânico.

30 de julho — última noite. Felizmente estamos nos aproximando da Inglaterra. Tempo bom, todas as velas levantadas; dormi profundamente; acordei com o imediato me comunicando que tanto o homem da vigília como o timoneiro tinham desaparecido. Só restamos eu, o imediato e dois marinheiros.

1.° de agosto — Dois dias de nevoeiro e nenhuma vela à vista. Esperava que, na Mancha, pudesse pedir socorro. Estamos navegando contra o vento. O imediato tornou-se o mais desmoralizado de todos. Os marinheiros estão trabalhando com paciência e vigor. São russos, o imediato é romeno.

 

2 de agosto, à meia-noite — Acordei após Poucos minutos de sono, ouvindo um grito.

Nada pude ver na escuridão. Esbarrei com o imediato. Mais um homem desapareceu. Parece que estamos no Mar do Norte, depois de atravessar o Estreito de Dover. Deus tenha piedade de nós!

 

3 de agosto — A meia-noite, vim substituir o homem que estava no leme. O vento estava muito forte. Gritei pelo imediato que, alguns segundos depois, apareceu transtornado e murmurou no meu ouvido: “Ele está aqui, agora sei. Eu o vi, na noite passada. Debruçou- se na amurada. Aproximei-me dele e dei-lhe uma facada, mas a faca o atravessou sem feri- lo, como se tivesse cortado o ar. Mas ele está aqui, tenho certeza. Talvez dentro de uma daquelas caixas. Vou abrir uma por uma. Fique no leme”. E afastou-se, com o dedo nos lábios. Pouco depois, avistei-o subindo para a coberta, carregando uma caixa de ferramentas e uma lanterna. Deve ter enlouquecido. Não adianta contrariá-lo. Assim, deixei-me ficar aqui e escrevo estas notas. Apenas me resta ter fé em Deus e esperar que o nevoeiro passe. Se conseguir chegar a qualquer porto com esse vento, arriarei as velas e farei sinal pedindo socorro... De repente, ouvi um grito horrível e o imediato apareceu correndo, tendo no Posto, uma expressão de pavor. “Salve-me!”. “É melhor vir também, capitão, antes que seja demasiado tarde. Ele está aqui. Agora, conheço o segredo. O mar me salvará dele!” E, antes que eu pudesse dizer uma palavra, precipitou-se no mar. Creio que agora também sei o segredo. Foi esse louco que se livrou dos homens, um a um, e agora os acompanhou. Deus tenha piedade de mim. Como poderei contar todos esses horrores, quando chegar ao porto? Mas chegarei?

 

4 de agosto — Ainda o nevoeiro, que o sol não pode atravessar. Não me atrevo a deixar o leme. Esta noite eu o vi... Deus me perdoe, mas o imediato fez bem em se atirar ao mar.

Comigo, porém, o caso é diferente. Tenho de salvar minha honra de comandante. Estou cada vez mais fraco... Se o barco naufragar, talvez esta escuna seja encontrada e poderão compreender; se não... Então todos saberão que fui fiel ao meu posto. Deus, a Santa Virgem e os santos ajudem-me a cumprir meu dever...

Naturalmente o inquérito não pode contar com testemunhas. A opinião quase unânime é que o capitão foi um herói e será enterrado com toda a pompa. Assim terminará mais este “mistério do mar”.

DIÁRIO DE MINA MURRAY

 

8 de agosto — Lucy esteve muito agitada à noite passada e eu também não consegui dormir. A tempestade rugiu furiosa a noite toda. Por duas vezes Lucy levantou-se e se vestiu. Felizmente, pude ver a tempo e, sem assustá-la, fi-la despir-se e deitar de novo. É realmente curioso esse estado de sonambulismo.

Levantamos cedo e fomos ao porto, ver se acontecera alguma coisa durante a noite.

Havia muita gente. O sol estava brilhante e a atmosfera muito pura. Sinto-me realmente feliz lembrando-me que Jonathan não estava ontem no mar, mas em terra. Mas estará ele em terra ou no mar? Onde estará e como? Se eu soubesse o que fazer!

 

10 de agosto — O enterro do desventurado capitão foi emocionante. Marinheiros carregaram o féretro e uma enorme multidão o acompanhou. Eu e Lucy havíamos chegado antes ao cemitério, que é o nosso passeio favorito. Depois, chegou o enterro.

Lucy está visivelmente abatida. Naturalmente as noites de sonambulismo a deprimem.

Além isso, soubemos, também, da morte do nosso amigo, o velho marinheiro quase centenário. Seu corpo foi encontrado, hoje de manhã, no banco onde costumamos sentar, com o pescoço quebrado. Segundo disseram e de acordo com o médico, ele tinha caído, tomado por intenso terror e a expressão de pavor estampada em seu rosto fez, segundo dizem, os que o viram estremecer. Coitado! Tínhamos tomado amizade por ele.

Lucy é muito sensível e agora mesmo um pequeno acidente concorreu para deixá-la nervosa. Um dos marinheiros compareceu ao enterro acompanhado por um cão muito

manso, que o acompanha sempre. Durante o enterro, o cão não ficou junto do seu dono, mas alguns passos afastado, uivando sem parar. O marinheiro chamou-o, a principio com bons modos, depois furioso, mas o animal não atendeu, nem parou de uivar e ladrar. O marinheiro, afinal, perdeu a paciência, agarrou o pobre animal e atirou-o de encontro ao túmulo. Logo que bateu na pedra, o cão se acalmou, mas começou a tremer muito e não tentou fugir. Lucy ficou com muita pena dele. Receio que, com sua extrema sensibilidade, sonhe esta noite com o incidente.

Acho que o melhor é dar um longo passeio até os rochedos da Baía de Robin, pois, quando ela está mais fatigada não é atacada pelas crises de sonambulismo.

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