Drácula Capítulo IX
ARTA DE MINA MURRAY A LUCY WESTENRA
Budapeste, 24
Minha querida Lucy:
Sei que você está ansiosa para saber notícias minhas desde que parti de Whitby.
Cheguei à noite, sem novidades, a Hull, e ali tomei o itavio para Hamburgo, de onde vim parar aqui. Não me lembro bem dessa viagem. Jonathan ocupava todos os meus pensamentos. Encontrei-o em estado doloroso, magro e abatido. Seus olhos perderam o brilho e não se lembra de coisa alguma que lhe aconteceu há muito tempo, ou, pelo menos está querendo me fazer acreditar que isso seja verdade, e não insisti. A Irmã Agatha, que é uma ótima criatura e uma enfermeira nata, me contou que seu delirio foi muito grave. Pedi- lhe para me contar o que ele dissera, mas ela persignou-se e nada quis dizer, falando que é um segredo de Deus. Mas advertiu, ao mesmo tempo, que eu não precisava ficar preocupada, pois nada do que lhe acontecera afetava o amor que me dedicava. Estou agora sentada à cabeceira de sua cama, contemplando seu sono. Ele está acordando!...
Quando acordou, pediu-me para lhe dar seu casaco, pois queria procurar alguma coisa no bolso. Pedi a Irmã Agatha, que trouxe tudo. Entre essas coisas, vi seu caderno de notas e pensei que fosse me entregar, mas ele pediu-me para ir até a janela, dizendo que queria ficar sozinho por algum tempo. Depois, chamou-me e disse, solenemente:
- Wilhelmina — compreendi que era coisa muito importante, pois só me chamou assim quando me pediu em casamento — você conhece minhas idéias a respeito da confiança mútua entre marido e mulher. Tive um grande choque nervoso, pois a febre cerebral que me atacou é uma espécie de loucura. Você poderá conhecer o segredo que envolve tal fato, está aqui e não quero conhecê-lo. Quero começar a vida agora, com o nosso casamento.
Está disposta, Wilhelmina, a compartilhar minha ignorância? Eis o caderno. Fique com ele, leia-o, se quiser, mas não converse jamais a respeito disso comigo.
Caiu, exausto, no travesseiro. Pedi a Irmã Agatha para providenciar junto à superiora,
no sentido de que nosso casamento se realize esta tarde, e estou esperando a resposta...
Ela acaba de me dizer que o capelão da missão da Igreja Anglicana está à nossa disposição. Vamos nos casar dentro de uma hora, logo que Jonathan acorde...
Lucy, tudo acabou. Jonathan acordou pouco mais de uma hora depois e tudo já estava providenciado. Mal posso falar. Sinto-me tão feliz!
Quando o capelão e as irmãs me deixaram sozinha com meu marido — é a primeira vez, Lucy, que escrevo as palavras “meu marido” — embrulhei o caderno com seu diário num papel branco, amarrei-o com uma fita azul que trazia no pescoço e selei-o com lacre em cima do nó, carimbando-o com meu anel de noivado. Prometi a Jonathan não romper o selo senão em aso de extrema necessidade, para a segurança ele próprio ou do cumprimento de um dever.
Estarei inteiramente feliz quando Jonathan estiver restabelecido de todo. Adeus, minha querida.
Vou enviar esta carta imediatamente e talvez escrever-lhe de novo em breve.
Sua afetuosa MINA HARKER
DIÁRIO DO DR. SEWARD
20 de agosto — O caso Renfield se torna cada vez mais empolgante. Durante uma semana, mostrou-se furioso, depois uma noite, quando a lua acabava de surgir, acalmou- se de repente e murmurou para si mesmo:
- Agora, posso esperar.
O guarda me comunicou e fui logo vê-lo. Ele ainda estava metido na camisa de força e no quarto acolchoado. Dei ordem para pô-lo mais à vontade. Os guardas hesitaram.
- Imagine! Acham que posso fazer mal ao senhor!
Estaria mesmo me encarando com amizade, u apenas queria me lisonjear para obter algum vor? Procurei fazê-lo falar, mas foi em vão, esmo lhe oferecendo um gato.
- Posso esperar, posso esperar — repetia.
Os guardas me contaram que ele ficou tranqüilo até certa hora, depois foi de novo presa de ma crise de fúria, à qual se seguiu uma espécie e coma.
... Há três dias que se dá a mesma coisa: violência durante todo o dia, depois calma desde o nascer da lua até o nascer do sol. Parece que há uma influência que vai e vem. Esta noite, vou fazer uma experiência. Outro dia, ele fugiu sem nossa ajuda; esta noite fugirá com ela. Vou dar-lhe uma oportunidade e meus homens prontamente o seguirão, em caso de necessidade...
23 de agosto — Renfield preferiu não fugir pela janela deixada propositadamente aberta, mas, quando o guarda foi vê-lo à noite, atirou-o por terra e correu para o corredor. Avisado imediatamente, dei ordem aos guardas para segui-lo. De novo ele entrou no terreno da casa abandonada e fomos encontrá-lo apertado contra a porta da capela. Ao me avistar, tornou- se tão furioso que, se os guardas não o segurassem a tempo, teria tentado matar-me. De repente, redobrou seus esforços, depois aquietou-se de súbito. Olhei em torno, mas nada vi. Depois, acompanhei os olhos do enfermo, que estavam voltados para o céu enluarado, mas a única coisa que vi foi um grande morcego, que voava rumo ao poente.
— Não precisam segurar-me assim — disse ele, tornando-se cada vez mais calmo. — Irei por bem.
E, sem dificuldade, voltamos. Sinto que há algo de ameaçador nesta calma e não me esquecerei desta noite...
DIÁRIO DE LUCY WESTENRA
Hillingham, 24 de agosto — Resolvi imitar Mina e escrever um diário. Só assim poderei lembrar-me de tudo que pretendo lhe contar, quando ela voltar. Na noite passada, tive a impressão de estar sonhando de novo, como acontecia em Whitby. Talvez tenha sido a mudança de ar ou o fato de estar em casa de novo. Tudo é sombrio e horrível para mim, de nada me lembro mas sou presa de um temor vago e sinto-me fraca e abatida. Quando Arthur apareceu para almoçar, ficou visivelmente impressionado ao me ver e não consegui mostrar-me animada. Vou ver se durmo hoje no quarto de minha mãe.
25 de agosto — Outra noite desagradável. Minha mãe não pareceu entusiasmada com a minha proposta. Naturalmente, como não está passando bem ficou com medo de me dar trabalho. Tentei ficar acordada até mais tarde, mas, quando soaram as doze badaladas fui despertada de um cochilo. Ouvi pancadas na janela, mas não me preocupei em saber o que era, e como não me lembro mais nada, acho que devo ter adormecido.
Hoje amanheci muito fraca, pálida e meu pescoço dói muito. Devo estar com alguma coisa no pulmão, pois respiro com dificuldade. Mas preciso mostrar-me animada, durante o almoço, para não causar preocupação a Arthur.
CARTA DE ARTHUR HOLMWOOD AO DR. SEWARD
Albemarle Hotel, 31 de agosto
Meu caro Jack:
Desejo um favor seu. Lucy não está passando bem; não tem uma doença definida, mas está piorando de dia para dia e não me atrevo a conversar a respeito disso com a mãe dela, cujo estado de saúde é grave. Peço-lhe, pois, para vir vê-la. Deposito a máxima confiança
em sua opinião. Venha almoçar amanhã, aqui em Hillingham, de maneira que sua visita não faça a Sra. Westenra desconfiar de qualquer coisa. Estou aflitíssimo e quero conversar com você, logo que a tenha examinado. Não deixe de vir!
ARTHUR
TELEGRAMA DE ARTHUR HOLMWOOD A SEWARD
1.° de setembro
Fui chamado para ver meu pai, que piorou. Escreva-me tudo hoje à noite para Ring.
Telegrafe-me, se for necessário.
CARTA DO DR. SEWARD A ARTHUR HOLMWOOD
2 de setembro
Meu caro amigo:
No que diz respeito à saúde de Miss Westenra, apresso-me em dizer-lhe que, na minha opinião, não há distúrbio funcional ou moléstia. Ao mesmo tempo, não fiquei satisfeito com seu estado, que mudou muito, depois da última vez que a vi. Parece que se trata de uma perturbação mental. Depois de muita reflexão, resolvi escrever ao meu velho amigo e mestre, o Professor Van Helsing, de Amsterdam, que conhece mais a respeito de enfermidade desse tipo que qualquer outra pessoa do mundo. Pedi-lhe que viesse examinar Miss Westenra, e expliquei a minha interferência e seus laços com Miss Westenra. Estou certo que ele virá, pois nunca deixou de atender a um pedido meu. Aparentemente, ele é um homem esquisito, arbitrário, mas isso se dá porque sabe o que diz. É um filósofo, um metafisico, um dos mais avançados cientistas de nossos dias; e tem, estou convencido, uma mentalidade muito arejada. Amanhã vou tornar a examinar Miss Westenra. Ela vai se encontrar comigo em Stores, para não assustar sua mãe.
Sempre seu JOHN SEWARD
CARTA DO DR. SEWARD A S. EXa. ARTHUR HOLMWOOD
3 de setembro
Meu caro Art.:
Van Helsing veio e já voltou. Foi comigo a Hillingham e, graças às providências de Lucy, sua mãe estava almoçando fora e ele pôde examinar a paciente demoradamente.
Vai me informar a respeito, pois, naturalmente, não estive presente durante todo o
tempo. Confesso que o achei preocupado, mas disse-me que tem de refletir sobre o caso. “É uma questão de vida ou morte, talvez mais do que isso”, disse-me ele. Quis que me explicasse melhor, mas ele não deu novos esclarecimentos. Não fique aborrecido comigo, porque a própria reticência de Van Helsing é uma prova de que seu cérebro está trabalhando intensamente para o bem de Miss Westenra. Ele dará sua opinião quando julgar oportuno. Ainda na hora de partir, disse-me:
“Telegrafe-me, dando notícias, todos os dias. Se for preciso, voltarei. A enfermidade — que, aliás, não é, de modo algum propriamente enfermidade — me interessa e aquela encantadora jovem me interessa muito, também. Voltaria por causa dela, mesmo se não fosse por causa da moléstia ou por sua causa.
Espero que seu pai esteja melhor. Sei como você se sente, preocupado com duas pessoas que lhe são tão caras. Sei que o dever o prende junto seu pai, mas, se houver necessidade, mandarei imediatamente para ver Lucy; não que, portanto, muito aflito, antes de receber qualquer notícia.
TELEGRAMA DE SEWARD, DE LONDRES, PARA VAN HELSING, AMSTERDAM
4 de setembro — Paciente continua melhor
TELEGRAMA DE SEWARD, DE LONDRES, PARA VAN HELSING, DE AMSTERDAM
5 de setembro — Paciente muito melhor. com apetite; dorme naturalmente; animada; cores voltando.
TELEGRAMA DE SEWARD, DE LONDRES, A VAN HELSING, DE AMSTERDAM
6 de setembro — Terrível mudança para pior. Venha imediatamente; não perca uma hora. Vou aguardar sua chegada para telegrafar para Holywood.
Indíce
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