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Drácula

Capítulos 27

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Drácula Capítulo XXI

 

DIÁRIO DO DR. SEWARD

 

3 de outubro — Quando entrei no quarto de Renfield, encontrei-o estendido no chão, apoiando-se no lado direito, no meio de uma poça de sangue. Devia ter recebida ferimentos graves. Verifiquei que seu rosto em contusões, como se tivesse O batido de encontro ao chão.

- Acho que ele está com a espinha quebrada — disse o guarda, que se ajoelhara junto dele. — Veja: tanto a perna e o braço direito, como todo o lado direito do rosto, estão paralisados. Não posso compreender. Ele poderia machucar o rosto batendo a cabeça de encontro ao chão e acho que quebrou a espinha caindo da cama. Mas não posso conceber como as duas coisas ocorreram ao mesmo tempo.

- Vá chamar o Dr. Helsing e peça-lhe para vir imediatamente — ordenei ao guarda. Pouco depois, o professor aparecia, ainda de robe de chambre e chinelo.

- Um lamentável acidente — disse ele, depois de um rápido exame. — É necessário vigiar o doente e prestar muita atenção nele. Vou me vestir, mas voltarei dentro em pouco.

O enfermo respirava com dificuldade.

Van Helsing voltou logo depois, com sua valise de instrumentos cirúrgicos.

- Mande o empregado embora — disse ele. — Precisamos estar a sós com o doente, quando ele recuperar a consciência, após a operação.

Fiz o que ele pedia e passamos a fazer um exame cuidadoso do paciente. Os ferimentos do rosto eram superficiais; o verdadeiro ferimento era uma fratura do crânio, estendendo-se à direita pela zona motora. Depois de refletir um pouco, o professor observou:

- Precisamos reduzir a pressão. Toda a zona motora parece afetada. Precisamos fazer a trepanação imediatamente, senão será tarde demais.

Enquanto estava falando, bateram de leve na porta. Fui abrir e vi, no corredor, Arthur e Quincey, de pijama e chinelos.

- Ouvi chamarem o Dr. Van Helsing e resolvi ir acordar Quincey, para vir ver se, por acaso, têm necessidade de nós — disse Arthur.

Fiz-lhe sinal para entrar e fechei a porta depois que me obedeceram, Contamos-lhes, em poucas palavras, o que ocorrera.

- Temos de esperar a fim de verificar qual é o melhor lugar para a trepanação, para podermos retirar rápida e completamente o hematoma — disse Van Helsing.

Passaram-se minutos de grande ansiedade e, afinal, a respiração do paciente se tornou ofegante; podia morrer de um momento para outro.

- Não há tempo a perder — disse Van Helsing. — Suas palavras podem valer muitas vidas. Pode haver uma alma em jogo! Vamos operar acima da orelha.

E, sem dizer mais nada, iniciou a operação. O paciente continuou a respirar ofegante durante algum tempo, mas, depois, respirou fundo, dando um suspiro tão demorado. De súbito, seus olhos se abriram e ficaram fixos, com uma expressão selvagem. Algum tempo, depois, os olhos se abrandaram, numa expressão de surpresa e satisfação, e dos seus lábios saiu um suspiro de alívio. Mexeu-se, convulsivamente e disse:

- Vou ficar quieto, Doutor. Mande tirar a camisa-de-força. Tive um pesadelo horrível, que me deixou tão fraco que não me posso mexer. O que houve no meu rosto? Está inchado e doendo muito.

- Conte-nos seu sonho, Sr. Renfield — disse Van Helsing.

- É o Dr. Van Helsing — disse o doente. — Que bom ter vindo! Dêem-me um pouco de água, pois tenho os lábios secos, e vou procurar contar-lhes. Sonhei...

Parou, parecendo que estava desmaiando. Voltei-me para Quincey:

- Traga a aguardente.

Quincey saiu correndo e voltou logo com a garrafa, um copo e um frasco de aguardente os lábios do doente, que voltou a si.

- Não devo me iludir — disse ele.. — não é um sonho, mas a triste realidade. Fechou os olhos, depois os abriu e exclamou:

- Depressa, Doutor! Estou morrendo. Sinto que só tenho poucos minutos: depois tenho de voltar à morte... ou coisa pior! Umedeça meus lábios com aguardente de novo. Preciso dizer uma coisa antes de morrer. Obrigado! Foi naquela noite, depois que o senhor saiu, quando lhe implorei para me deixar ir embora. Não podia falar, então, pois sentia a língua presa, mas, a não ser isto, estava perfeitamente são, como estou agora. Fiquei desesperado, durante muito tempo, depois que o senhor saiu, depois me tranqüilizei. Ouvi os cães latirem por trás da casa, mas não onde ele estava!

- Continue — disse Van Helsing. Renfield prosseguiu:

- Ele subiu para a janela, na névoa, como eu já o vira fazer muitas vezes antes; mas não era, então, um fantasma e seus olhos chamejavam, como os de um homem quando tem raiva. Ria com sua boca vermelha e seus dentes aguçados e brancos brilhavam ao luar, quando se virou para olhar para as árvores, onde os cães estavam ladrando. A princípio, eu não lhe disse para entrar embora soubesse que ele queria. Então, ele começou a me prometer as coisas, não em palavras, mas fazendo-as surgir, como costumava fazer aparecer as moscas, quando o sol brilhava. Ratos, ratos! Centenas, milhares, milhões, e cães para come-los, e gatos também. Todos vivos, com sangue vermelho, trazendo anos de vida! Depois, uma nuvem vermelha, cor de sangue, pareceu aproximar-se de meus olhos.

E, antes que soubesse o que estava fazendo abri a janela e disse-lhe: &lquo;Entre, meu Amo e Senhor” Todos os ratos tinham desaparecido, mas ele entrou no quarto, embora a janela estivesse apenas entreaberta.

A voz do moribundo estava mais fraca e tornei a umedecer-lhe os lábios com aguardente, e ele prosseguiu; mas pareceu que sua memória continuou a trabalhar no intervalo, pois a narrativa já estava adiantada.

- Durante o dia todo esperei notícias dele, mas não me mandou coisa alguma, nem ao menos uma varejeira, e, quando a lua nasceu, eu estava furioso com ele. Quando ele entrou pela janela, que estava fechada, sem nem ao menos bater, recebi-o hostilmente.

Encarou-me desdenhosamente como se eu não existisse. Nisso, a Sra. Harker entrou no quarto.

O professor estremeceu.

- Quando a Sra. Harker veio me ver esta tarde, já não era a mesma — continuou Renfield. — Não gosto das pessoas pálidas, e sim com muito sangue, e ela parecia ter perdido o seu. Naquela ocasião, não pensei nisso, mas quando ela saiu, comecei a refletir e fiquei furioso ao saber que ele estava lhe roubando a vida. Assim, quando ele veio esta noite, ataquei-o. Ouvi dizer que os loucos têm uma força prodigiosa e acho que ia vencer, pois não queria que ele continuasse a roubar a vida dela, até que vi seus olhos. Eles penetraram-me, queimando, e perdi a força. Ele me levantou e atirou-me ao chão.

Sua voz estava enfraquecendo e sua respiração transformando-se em estertor. Van Helsing pôs-se de pé.

- Sabemos o pior — exclamou. — Ele está aqui e sabemos o que quer. Talvez não seja tarde demais. Vamos nos armar, como a noite passada, mas não podemos perder tempo, nem um instante.

Nós todos nos apressamos e fomos buscar, em nossos respectivos quartos, as mesmas coisas que levávamos conosco quando entrámos na casa do Conde.

Encontramo-nos no corredor e paramos diante da porta do quarto de Harker.

- Se a porta estiver trancada — disse Van Helsing — temos que arrombá-la. Meus amigos, quando eu virar a maçaneta, se a porta não se abrir, vocês todos metam o ombro, com força!

Girou a maçaneta e a porta não se abriu. Lançamos-nos todos contra ela, que foi arrombada e, com o impulso, quase fomos atirados ao chão. O que vi dentro do quarto fez os meus cabelos se arrepiarem.

O luar estava tão claro que mesmo através da cortina da janela iluminava bastante o interior. No leito, junto da janela, Jonathan Harker dormia profundamente, como que narcotizado. Ajoelhada na beira do leito, estava o vulto branco de sua esposa. Ao seu lado, estava de pé um homem alto e magro, vestido de preto. Tinha o rosto virado para o outro lado, mas reconhecemos imediatamente o Conde, até pela cicatriz da testa. Com a mão esquerda, segurava as duas mãos da Sra. Harker e, com a direita, a segurava pela nuca. A camisola de dormir da Sra. Harker estava manchada com sangue, que escorria, também, pelo queixo do Conde e no seu peito. Quando irrompemos no quarto, o Conde virou o rosto para o nosso lado e a expressão do seu rosto se tornou demoníaca. Empurrando sua vítima para o leito, avançou contra nós. Mas Van Helsing caminhou ao seu encontro, segurando o envelope que continha a Hóstia Sagrada. O Conde parou, de súbito, como a pobre Lucy tinha parado à entrada do túmulo, e recuou. Avançamos, mostrando os crucifixos, e ele foi recuando cada vez mais. A lua foi, de súbito, obscurecida por uma pesada nuvem e, quando Quincey riscou um fósforo e acendeu o gás, o Conde havia desaparecido e vimos apenas uma névoa, passando através das fendas da porta, que se fechara de novo. Nesse momento, a Sra. Harker deu um grito tão estridente que tenho impressão que hei de ouvi-lo para o resto da vida. Corremos para junto dela. Seu rosto estava cadavérico, de uma palidez acentuada pelo sangue que a manchava e lhe escorria pela boca, queixo e pescoço; seus olhos denotavam um pavor indizível. Escondeu o rosto nas mãos, deixando ainda ver nos punhos os sinais das garras do Conde.

- Jonathan está no estado de estupor que o Vampiro pode produzir, como sabemos — murmurou Van Helsing. — Nada podemos fazer pela pobre Madame Mina, por enquanto. Precisamos despertá-lo.

Molhou uma toalha em água fria e começou a esfregar o rosto de Jonathan, cuja esposa, enquanto isto, soluçava, com o rosto escondido nas mãos.

A lua já brilhava de novo e, olhando pela janela, vi Quincey Morris que atravessava o gramado correndo e se escondia à sombra de uma árvore. Estava imaginando qual seria sua intenção, quando ouvi a voz de Harker, que estava recuperando os sentidos, e começou a gritar.

- Em nome de Deus, que significa isto? — gritou ele. — Que aconteceu? Mina, que aconteceu? Contem-me! Que quer dizer este sangue? Meu Deus, meu Deus, ajudai-nos!

E pulando da cama, frenético, continuou:

- Dr. Van Helsing, sei que o senhor tem grande estima por Mina. Faça alguma coisa para salvá-la. Ainda deve haver tempo. Tome conta dela, enquanto eu o procuro!

- Não! — gritou Mina, esquecendo o próprio sofrimento e agarrando-se ao marido. — Não pode deixar-me, Jonathan!

Van Helsing procurou acalmar ambos.

- Não tenha mais medo, minha filha. Estamos aqui e, enquanto isto estiver junto de você, nada de mal lhe acontecerá disse a Mina, entregando-lhe um crucifixo. Está em segurança por esta noite; devemos nos manter calmos e discutirmos a situação. Ela estremeceu e ficou em silêncio; escondendo a cabeça no peito do marido. Quando se afastou, a camisa de dormir de Jonathan estava manchada de sangue, onde seus lábios tinham se encostado e onde pingara o sangue dos pequenos ferimentos do pescoço.

- Estou contaminada! — exclamou, então, soluçando. — Não devo mais encostar em meu marido ou beijá-lo! Sou, agora, sua pior inimiga!

- Deixe de tolice, Mina — retrucou Jonathan. — Não diga mais isto.

Quando a Sra. Harker finalmente se acalmou um pouco, Jonathan pediu-me:

- Agora, Dr. Seward, conte-me tudo, por favor. Sei muito bem o que se deu, naturalmente, mas desejo conhecer os detalhes.

Contei-lhe exatamente o que acontecera e ele me ouviu impassível. Quando acabei de contar, Quincey e Godalming, que também tinham saído do quarto em perseguição ao Conde, voltaram.

- Fui ao quarto de Renfield, mas a única coisa que descobri foi que o pobre coitado morreu — disse Arthur.

- E você, amigo Quincey, que viu? — perguntou Van Helsing.

- Não vi o Conde, mas vi um morcego saindo da janela do quarto de Renfield e voando em direção ao poente — respondeu o americano. — Esperava vê-lo voltar a Carfax, sob qualquer forma, mas evidentemente ele procurou outro esconderijo. Não voltará esta madrugada, pois o dia já está quase nascendo.

- E agora, Madame Mina, conte-nos, exatamente, o que aconteceu — disse o professor.

- Só Deus sabe quanto lhe queria evitar qualquer sofrimento, mas temos de saber tudo.

Depois de uma pausa, naturalmente para coordenar seus pensamentos, a desventurada Sra. Harker começou:

- Ontem, tomei o soporífero que o senhor me deu e seu efeito demorou. Comecei a pensar em coisas horríveis: na morte, em vampiros, em sangue, em sofrimento. Percebi que devia ajudar o remédio com minha vontade e fiz força para dormir. Não vi quando Jonathan se deitou. Quando me vi de novo acordada ele estava ao meu lado. No quarto havia a mesma névoa fina e branca que eu já notara antes. Aliás, creio que o senhor ainda não sabe disso, mas contei no meu diário. Senti o mesmo terror vago que me dominara antes.

Tentei acordar Jonathan, mas ele estava dormindo tão profundamente que parecia que fora ele que tomara o soporífero. Fiquei horrorizada. Depois, o horror ainda se tornou maior: junto do leito, como se tivesse saído da névoa, ou, melhor como se a névoa se tivesse transformado nele, estava um homem alto e magro, vestido de preto. Reconheci-o imediatamente, pela descrição dos outros. Quis gritar, mas ele sussurrou, apontando para Jonathan: “Silêncio! Se fizer o menor barulho, eu arrebentarei os miolos dele.” Não consegui dizer nada. Com um sorriso zombeteiro e segurando-me com força, ele desnudou- me o pescoço com a outra mão, dizendo: “Não é a primeira nem a segunda vez que suas veias apaziguam minha sede!” Sentia-me atordoada e, por mais estranho que pareça, não queria dificultar sua ação. Acho que isso faz parte da maldição que ele traz, quando toca em uma vítima. Senti minhas forças desaparecerem e fiquei meio desfalecida. Não sei quanto tempo durou aquele horror; só sei que custou muito a afastar sua boca asquerosa. Eu a vi gotejando sangue! Depois, ele me disse, em tom zombeteiro: “Você estava querendo ajudar a perseguir-me e frustrar minhas intenções. Mas, agora você é carne de minha carne, sangue do meu sangue, e atenderá ao meu chamado. Quando meu cérebro lhe disser: “Venha!” você atravessará terra ou mar para me obedecer.” E, desabotoando a camisa, abriu uma veia no peito com suas unhas aguçadas e, enquanto me segurava pelos punhos com uma das mãos, com a outra segurou-me a cabeça e apertou-me q boca de encontro ao ferimento, de modo que, para não morrer sufocada, eu tinha que engolir... Meu Deus, meu Deus! Que fiz, para merecer tal sorte? Tende piedade de mim, meu Deus!

Quando terminou sua dolorosa narrativa, o dia já estava clareando.

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