Noites Sangrentas Capítulo 9
A Fronteira do Medo
A mata parecia conspirar contra eles. Cada passo que Carlos e Jonathan davam parecia mais pesado, como se o chão, úmido e escorregadio, tentasse prendê-los. O vento que se movia irregularmente entre as árvores fazia os galhos rangerem, um som desconcertante, como se as árvores estivessem se queixando da presença dos dois.
Jonathan, alguns passos atrás de Carlos, tentava manter os olhos atentos às sombras, sentindo o peso do silêncio crescente. Mas não era apenas a floresta que o incomodava. Desde o encontro com o homem estranho, Carlos parecia... diferente. Mais calado. Mais distante.
“Carlos,” Jonathan chamou, tentando quebrar o silêncio. “Você está estranho desde que aquele cara falou com a gente. O que foi aquilo? Por que ele olhou para você daquele jeito?”
Carlos não virou de imediato. Seus olhos estavam fixos à escuridão à frente, e por um momento, parecia que ele estava ouvindo algo além do que Jonathan conseguia perceber.
“Ele estava delirando,” disse Carlos, sua voz baixa, quase um sussurro. “Não pense nisso demais.”
Jonathan apertou os lábios, insatisfeito com a resposta. “Delirando ou não, ele parecia ter visto algo. Ou alguém.”
Carlos virou-se lentamente, a expressão dele quase oculta pela sombra das árvores. “E o que exatamente você está insinuando, Jonathan?”
Jonathan hesitou, recuando um passo. “Nada... só... esquece,” murmurou, desviando o olhar. O silêncio que se seguiu foi denso, pesado.
Carlos voltou a caminhar em silêncio. Jonathan não sabia mais o que pensar. Conhecia Carlos há tempo o suficiente para reconhecer quando algo estava errado, e neste momento, ele não tinha certeza se estava realmente conhecendo seu parceiro.
Mais adiante, o som de folhas secas quebrando sob seus pés indicava que haviam encontrado algo. Uma árvore caída, com marcas de garras profundas atravessando o tronco. Jonathan iluminou as marcas com a lanterna, agachando-se para observá-las com mais atenção.
“Essas garras...” Jonathan murmurou, examinando. “Estão mais frescas do que as outras. Ela passou por aqui recentemente.”
Carlos se aproximou, os olhos fixos nas marcas, como se algo ali o incomodasse. Ele tocou o tronco com os dedos, sentindo o padrão irregular dos cortes. De repente, sua cabeça latejou.
Flashbacks passaram rapidamente pela sua mente: mãos com garras afiadas, sangue escorrendo entre os dedos, um rosnado distante.
Carlos afastou a mão rapidamente, como se tivesse tocado algo elétrico. “Carlos? Tudo bem?” Jonathan perguntou, preocupado. “Estou bem,” Carlos respondeu rapidamente, virando-se para seguir adiante. “Vamos continuar.”
Mas Jonathan não acreditava mais. Algo estava mudando em Carlos, e ele sentia que, por mais que quisesse acreditar que tudo ainda estava sob controle, havia algo mais acontecendo ali.
À medida que avançavam, a floresta parecia engolir qualquer resquício de luz. As lanternas iluminavam apenas o suficiente para que não tropeçassem, mas o que havia além disso se perdia nas sombras. O silêncio se tornava cada vez mais pesado, quebrado apenas pela respiração pesada dos dois homens.
Carlos parou abruptamente, levantando a mão para que Jonathan ficasse quieto. Jonathan congelou, seus olhos arregalados de expectativa.
“O que foi?” sussurrou ele.
Carlos não respondeu de imediato. Ele fechou os olhos, os ouvidos atentos. Algo estava ali. Algo que ele podia sentir, mas não via. Havia um leve farfalhar nas folhas, quase imperceptível, como se a própria mata estivesse viva, observando cada movimento deles.
“Tem algo aqui,” murmurou Carlos, a voz tensa.
Jonathan ergueu a arma instintivamente, respirando pesadamente. “Onde?”
Jonathan franziu a testa. “E por que você acha isso?”
Carlos hesitou, olhando para os rastros à sua frente. Ele não sabia como explicar o que sentia. Era como se uma parte dele soubesse exatamente o que a criatura estava fazendo, mas ele não conseguia entender o porquê.
“Intuição”, respondeu, finalmente, encerrando a conversa.
Chegaram a outra clareira, menor que a anterior, mas com sinais claros de que algo havia passado por ali. Galhos quebrados, pegadas profundas no solo e marcas de garras nas árvores.
Jonathan iluminou uma das marcas. “Essas garras... são humanas?”
Carlos aproximou-se, examinando a marca. Ela era longa, profunda, mas havia algo estranho na forma como os cortes foram feitos. Ele passou os dedos pela madeira, sentindo o padrão irregular.
“Não sei”, disse ele, finalmente. Mas, por dentro, sabia que havia algo ali que parecia... familiar.
Jonathan suspirou, passando a mão pelos cabelos. “Isso está me deixando louco. Não tem lógica. Nada disso.”
Carlos virou-se para ele, um brilho sombrio nos olhos. “Talvez porque isso não seja apenas lógico. Há algo além disso. Algo que precisamos aceitar para entender.”
Jonathan olhou para ele por um momento, tentando decifrar o que aquelas palavras significavam.
De repente, um som quebrou o silêncio da clareira. Não um uivo ou um rosnado, mas algo mais sutil. Como um suspiro profundo vindo da floresta ao redor.
Jonathan apontou a lanterna na direção do som, mas não havia nada ali. “Você ouviu isso?”, perguntou, sua voz baixa.
Carlos assentiu. “Sim. Estamos próximos.”
Carlos abriu os olhos, mirando uma área entre as árvores. Ele começou a caminhar lentamente em direção àquele ponto, como se algo estivesse o atraindo para lá. Jonathan o seguiu hesitante, um frio na espinha, mas sem saber ao certo se deveria confiar naquele instinto que Carlos parecia estar seguindo.
“Carlos, espera! Não se afaste demais,” Jonathan tentou chamar sua atenção.
Carlos não respondeu. Ele estava completamente focado naquilo à sua frente — uma pequena cabana, encoberta por árvores retorcidas, coberta por musgo e marcas de garras profundas nas paredes.
Jonathan iluminou a entrada com a lanterna. “Que lugar é esse?”
Carlos não respondeu, seus olhos examinando a estrutura com uma sensação estranha de déjà vu. Ele sentiu um calafrio percorrer sua espinha enquanto tocava o batente da porta, sentindo as mesmas marcas que havia encontrado em outro lugar.
Jonathan entrou logo atrás, iluminando o interior da cabana. O cheiro de podridão e sangue seco era insuportável, como se o tempo ali estivesse parado há muito. Ossos espalhados pelo chão, alguns ainda manchados de vermelho escuro, adicionavam um toque de horror ao ambiente.
Jonathan engasgou. “Isso... isso é uma toca. Uma toca de algo...”
Carlos caminhou até o centro da cabana e encontrou um pedaço de espelho quebrado no chão. Ele se abaixou e pegou o fragmento, limpando-o com a manga da camisa. Quando o inclinou, seu reflexo parecia distorcido, mas foi então que algo mais apareceu. Um rosto semelhante ao seu, com olhos brilhando como brasas e dentes afiados entreabertos em um sorriso cruel.
Carlos soltou o espelho, ofegante. “Carlos, o que foi?” Jonathan perguntou, agora assustado.
Carlos passou a mão pelo rosto, tentando afastar o choque. “Nada. Não é nada.”
Jonathan olhou para ele com desconfiança crescente. “Você não está bem. Devíamos sair daqui antes que aquilo volte.”
Carlos assentiu, mas sua mente estava distante. Ele não conseguia afastar o reflexo do rosto que vira, o sorriso cruel que parecia conhecê-lo. Mas ele não sabia de onde.
Do lado de fora da cabana, o vento parecia se intensificar, como se a floresta quisesse expulsá-los dali. Jonathan, ainda tenso, observava ao redor enquanto Carlos permanecia imóvel, perdido em seus próprios pensamentos.
De repente, o uivo ecoou novamente, mais próximo do que antes. Era grave, gutural, e parecia vir de todas as direções.
Jonathan engatilhou a arma, pronto para reagir. “Ela está aqui.”
Carlos fechou os olhos por um momento, o som do uivo reverberando dentro de sua mente. Quando abriu os olhos, sua expressão estava diferente: mais focada, mais intensa.
“Vamos acabar com isso,” disse ele, a voz firme.
Jonathan olhou para ele, surpreso com a mudança repentina. “Carlos?”
Carlos começou a caminhar em direção ao som, sem hesitar. Jonathan hesitou, paralisado por um momento, antes de finalmente seguir Carlos.
Na escuridão, os olhos de Carlos brilharam por um instante, refletindo a luz da lanterna.
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