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Flores de Gelo: O império caído

Capítulos 39

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Flores de Gelo: O império caído Capitulo 8 - Parte II

O pequeno barco à vela oscilava violentamente nas ondas cada vez mais altas. O vento gelado cortava como lâminas, chicoteando o rosto de Klaus enquanto ele ajudava Finn a manter o controle da embarcação. O garoto demonstrava uma habilidade surpreendente para alguém de sua idade, mas o medo nos olhos dele não passava despercebido.

— Você sabe mesmo para onde estamos indo? — gritou Finn por cima do rugido da tempestade.

— Não tenho certeza! — respondeu Klaus, segurando firme uma corda para estabilizar o mastro. — Só estamos seguindo meu instinto... Anya está por aqui. Eu sei disso.

Finn não questionou mais, mas o mar parecia conspirar contra eles. A correnteza os puxava para o leste, como se algo abaixo das ondas os estivesse conduzindo. Klaus sentia um peso no ar, algo denso e opressivo, como uma presença invisível que observava cada movimento.

— Algo está errado — murmurou Finn, olhando para a escuridão ao redor.

De repente, um som baixo e gutural ecoou pelo ar, vindo das profundezas. Klaus arregalou os olhos, virando-se na direção do som.

— O que foi isso?

Antes que Finn pudesse responder, a água explodiu em um redemoinho próximo ao barco. Uma criatura emergiu das profundezas, seu corpo negro e reluzente como piche, com olhos amarelados que brilhavam na escuridão. Era como se o mar tivesse dado forma a um pesadelo.

— Pelos deuses... — sussurrou Finn, recuando instintivamente.

A criatura não parecia interessada em atacar diretamente. Ela circundava o barco, mergulhando e reaparecendo, suas garras afiadas riscando a superfície da água. Klaus percebeu que aquilo era uma provocação, um jogo para alimentar o medo deles.

— Segure o leme! — ordenou Klaus, puxando uma adaga da cintura.

Finn obedeceu, mas suas mãos tremiam. A criatura investiu contra o barco, mas não para destruí-lo — ela queria virar a embarcação. Klaus cortou a corda de uma vela solta, jogando o tecido sobre a cabeça do monstro para distrair seus movimentos.

— O que é isso? — gritou Finn, o pânico evidente na voz.

— Algo enviado para nos deter — respondeu Klaus, sua voz firme apesar do caos. Ele se lembrou das palavras na taverna sobre as criaturas das profundezas. Essa coisa não era natural. Era criação de algo mais sombrio.

A criatura rugiu e submergiu novamente, desaparecendo nas águas agitadas. Klaus respirou fundo, mantendo os olhos atentos à superfície.

— Não pare de remar! — ordenou a Finn, que lutava para manter o barco estável.

Apesar dos esforços da criatura, o barco avançava. Era como se ela não pudesse cruzar uma linha invisível no mar, forçada a recuar enquanto o pequeno barco finalmente ultrapassava a tempestade.

Quando o silêncio voltou, Klaus se permitiu relaxar por um breve momento. Ele olhou para Finn, que estava pálido, mas ainda firme no leme.

— O que era aquilo? — perguntou o garoto, a voz carregada de exaustão e medo.

— Uma sombra do que está por vir — respondeu Klaus. Ele sabia que aquilo não era um encontro aleatório. A criatura tinha sido enviada pela Noiva das Sombras. Tal pessoa que Klaus nem sabia a existência.

O barco agora navegava por águas mais calmas, mas Klaus não tinha ideia de onde estavam. Apenas seguia seu instinto, um fio invisível que o conectava a Anya.

— Estamos perto — murmurou para si mesmo. — Eu sei que estamos.

Finn o ouviu e assentiu, mas não disse nada. Ele sabia que o pior ainda estava por vir.

O silêncio das águas calmas era quase ensurdecedor após a fúria da tempestade. A lua, parcialmente encoberta por nuvens pesadas, lançava um brilho prateado sobre o mar, iluminando o rosto cansado de Finn. Klaus, porém, não descansava. Seus olhos percorriam o horizonte, atentos a qualquer sinal, seja de terra firme ou de outro perigo.

— Você confia mesmo nesse seu... instinto? — perguntou Finn, rompendo o silêncio.

Klaus não respondeu de imediato. Ele segurava firme o medalhão de Anya que trazia pendurado no pescoço, um objeto simples, mas carregado de memórias. Finalmente, virou-se para o garoto.

— Não é só instinto. É mais forte que isso. É como se... ela estivesse me chamando. Não consigo explicar, mas sei que estamos no caminho certo.

Finn balançou a cabeça, tentando compreender. Ele era jovem demais para entender plenamente os laços que guiavam Klaus, mas algo na determinação daquele camponês o fazia confiar.

— Se isso for verdade, espero que a encontremos antes que... — Finn hesitou, sem querer terminar a frase.

— Antes que seja tarde demais? — completou Klaus, lançando um olhar sério para o garoto. — É por isso que não podemos parar. Não importa o que vier, nós seguimos em frente.

Enquanto o barco deslizava pelas águas, uma leve neblina começou a se formar, cobrindo tudo com uma camada fria e úmida. Finn apertou o casaco ao redor do corpo, tentando afastar o desconforto.

— Está muito quieto — sussurrou ele, olhando para o vazio ao redor.

Klaus também notou. O mar parecia ter parado completamente, as ondas se tornaram inexistentes, e até o vento cessou. O silêncio era absoluto, opressivo, como se o próprio mundo estivesse prendendo a respiração.

— Estamos o dia inteiro nesse barco — resmungou Finn, inclinando-se contra o mastro.
— Já perdi a conta de quantas vezes remamos contra o vento. Você tem certeza de que não estamos dando voltas em círculos?

Klaus soltou um suspiro, olhando para o garoto. — Você reclama muito para alguém que se ofereceu para ajudar.

— É fácil dizer isso quando você não está sentindo as costas queimando de tanto remar
— rebateu Finn, embora houvesse um toque de humor em sua voz. Ele olhou para o horizonte, o semblante mais sério. — Além disso... nunca saí tanto da vila antes. Acho que não sou feito para aventuras.

Klaus arqueou uma sobrancelha. — Nunca saiu da vila? Nem para explorar?

Finn balançou a cabeça, desviando o olhar. — Não tinha tempo. Meu pai morreu quando eu era pequeno, e minha mãe... bem, ela trabalha demais. Sobrou pra mim cuidar das coisas em casa. Peixes, redes, o barco... você sabe como é.

— Então por que veio? — perguntou Klaus, genuinamente curioso. — Se nunca saiu da vila e não gosta de aventuras, por que arriscar sua vida comigo?

Finn deu de ombros, hesitante. — Acho que queria provar algo. Para mim mesmo, para a minha mãe... Talvez até para o meu pai, onde quer que ele esteja. — Ele fitou Klaus com um sorriso tímido. — E, bem, você parecia muito determinado. Como se nada no mundo pudesse te parar. Não sei... acho que queria um pouco disso pra mim.

Klaus ficou em silêncio por um momento, observando o garoto. Havia algo inspirador na

coragem de Finn, mesmo que ele próprio não percebesse.

— Você tem mais coragem do que pensa — disse Klaus, por fim. — Não é fácil deixar tudo pra trás e entrar no desconhecido. E sabe de uma coisa? Quando tudo isso acabar, quando Anya estiver a salvo, vou garantir que você volte para casa como um herói. Sua mãe vai se orgulhar.

Finn riu, mas era uma risada nervosa. — Vamos ver se conseguimos sair vivos primeiro, né?

— Vamos sair. Eu prometo. — Klaus estendeu a mão para o garoto, e Finn, hesitante, apertou-a.

Por alguns instantes, o peso da jornada parecia um pouco mais leve.

De repente, uma luz fraca surgiu no horizonte, brilhando como um farol na escuridão. Não era uma luz natural. Era fria, esverdeada, oscilante, como uma chama de origem desconhecida.

— Lá! — disse Finn, apontando. — É terra?

Klaus franziu a testa. Algo naquela luz o incomodava, mas ele não podia ignorá-la. Se Anya estivesse por ali, ele precisaria enfrentar qualquer coisa para chegar até ela.

— É pra lá que vamos — afirmou Klaus, firme.

— E se for uma armadilha? — perguntou Finn, tentando conter o nervosismo.

— Então seremos mais rápidos do que quem quer que esteja nos esperando. — Klaus apertou a adaga em sua cintura. — Ou mais fortes.

Sem alternativa, Finn guiou o barco em direção à luz misteriosa. A neblina parecia se fechar ao redor deles, cada vez mais densa, até que não podiam mais ver nada além do brilho fantasmagórico à frente.

À medida que se aproximavam, uma silhueta começou a surgir no meio da névoa: uma ilha. Árvores altas e retorcidas se erguiam na margem, como sentinelas sombrias. A praia era feita de pedras negras, brilhando sob a luz sobrenatural.

— Acho que chegamos — disse Finn, com um nó na garganta.

— Sim... — respondeu Klaus, com o olhar fixo na ilha. — E agora, encontramos o que viemos buscar... ou enfrentamos algo que nunca mais nos deixará sair.


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