Flores de Gelo: O império caído Capitulo 15
A nova Azuris
A nova Azuris
As meninas chegaram ao reino de Azuris, exaustas, mas vitoriosas. O sol dourado iluminava seus rostos marcados pelo cansaço e pela batalha. Suas roupas, rasgadas e sujas, traziam resquícios do confronto, mas os olhares carregavam o brilho de quem havia superado desafios. A brisa suave do mar, característica de Azuris, soprou gentilmente sobre elas, quase como um acolhimento do reino. Victórya ajeitava o capuz de sua túnica azul, Crystal limpava uma pequena mancha de sangue do rosto de Heather, enquanto Anya olhava adiante, determinada a chegar ao castelo.
Ao cruzarem os portões do salão principal, o ambiente pareceu ainda mais frio do que o habitual. Apenas Cassandra as aguardava. A rainha estava de pé no centro do salão vazio, suas mãos cruzadas diante do corpo, e uma expressão dura e sombria estampava seu rosto. Seus olhos focaram imediatamente em Anya, ignorando as outras.
— Vocês voltaram — disse Cassandra, sua voz cortante ecoando pelas paredes. Seus olhos azuis, outrora acolhedores, agora eram gélidos. — Como pôde fazer isso comigo, Anya? Trair sua própria mãe?
Anya parou, as palavras atingindo-a como um golpe. Ela tentou responder, mas o nó em sua garganta a impediu. Antes que ela pudesse reagir, Heather deu um passo à frente, posicionando-se protetoramente ao lado da amiga. Seus olhos brilhavam com fúria, e uma pequena chama começou a dançar entre seus dedos.
— Você ousa falar de traição, Cassandra? — Heather questionou, sua voz carregada de desprezo. — Depois de tudo o que fez?
Cassandra estreitou os olhos, erguendo o queixo como se tentasse manter a autoridade.
— Eu fiz o que era necessário! — gritou ela, sua voz ganhando força. — Para proteger este reino, para proteger você, Anya!
Heather não recuou. Sua fúria crescia a cada palavra. O fogo em suas mãos intensificou- se, cercando Cassandra em um círculo ardente. — Mães falsas aqui não têm lugar! — declarou Heather, antes que as labaredas a consumissem. Cassandra soltou um grito, que ecoou por todo o salão, antes de desaparecer em cinzas.
O silêncio que se seguiu era pesado. Heather virou-se, com um sorriso satisfeito, como se tivesse acabado de corrigir uma injustiça antiga. — Acho que agora podemos realmente chamar este lugar de lar.
Victórya, que observava tudo em silêncio, arqueou a sobrancelha. — Que tal tornarmos isso ainda mais especial? — perguntou, sua voz calma, mas cheia de intenção.
Anya, confusa e ainda abalada pelo que acabara de acontecer, olhou para ela. — O que você quer dizer?
Victórya estendeu as mãos para o chão, fechando os olhos. Uma energia poderosa começou a emanar dela. O castelo tremeu levemente, as paredes vibrando com a força da magia. Anya percebeu o que Victórya estava tentando fazer e imediatamente uniu sua magia à dela. Juntas, começaram a erguer o castelo do solo, separando-o da terra. Pedra por pedra, o castelo flutuava, sustentado por um enorme pedaço de terra que se desprendia lentamente.
— Transformaremos este lugar em algo único! — disse Victórya, um sorriso audacioso iluminando seu rosto.
Quando o castelo finalmente estabilizou-se nos céus, sustentado como uma ilha flutuante, as meninas gritaram de alegria. A visão do reino de Azuris lá de cima era deslumbrante. No entanto, o momento de celebração foi interrompido por um som de passos apressados. Klaus entrou no salão, com Finn em seus braços. O menino estava inconsciente, com o rosto pálido e um ferimento aberto no peito, do qual o sangue ainda escorria.
— Ele está morrendo! — gritou Klaus, os olhos desesperados enquanto olhava para Anya. — Faça algo, por favor!
Anya sentiu o coração apertar ao ver o estado de Finn. A lembrança de uma antiga lenda ecoou em sua mente. — Há uma chance... a flor Scarlet. Ela pode curá-lo — murmurou.
— Então vamos agora! — exclamou Klaus, sem hesitar.
Eles saíram às pressas, deixando o castelo. A floresta mágica que circundava Azuris era um labirinto de árvores altas e raízes retorcidas, mas Anya liderava o caminho. Sua determinação era a única coisa que a mantinha firme. Klaus carregava Finn com cuidado, sussurrando palavras de encorajamento ao garoto inconsciente.
Finalmente, chegaram a uma clareira iluminada por uma luz prateada. No centro, um pequeno arbusto exibia uma flor de pétalas vermelhas brilhantes, como se estivesse viva. — É a Scarlet — disse Anya, com um suspiro de alívio.
Ela se ajoelhou diante da flor, murmurando um feitiço antes de colhê-la com cuidado. A magia emanava da flor, aquecendo suas mãos. Ao voltar para Klaus, ela posicionou a Scarlet sobre o ferimento no peito de Finn. Assim que a flor tocou a pele ensanguentada, suas pétalas começaram a se abrir, envolvendo o ferimento com uma luz dourada. Lentamente, a carne rasgada se fechou, e a respiração de Finn tornou-se mais regular.
— Ele está salvo... — sussurrou Klaus, aliviado.
— Sim, ele está! — Comemorou Anya
— Ele tá vivo!!! — Comemorou Klaus mais ainda, se deixando levar pela emoção e depositando um beijo em Anya. Logo, ele voltou rapidamente para trás.
— Desculpa. — Sussurrou envergonhando.
— Peça desculpas por ter parado. — Disse Anya, puxando Klaus para outro beijo.
Então, um beijo intenso tomou início, mas teve seu fim breve.
— Vamos para de se pegar em cima de mim. — Disse o garoto recém acordado.
— Finn!! — Responderam os dois em uníssono.
Mais tarde, Anya desceu do castelo flutuante, em busca de um momento de paz. O peso da responsabilidade, as batalhas, e a revelação de verdades sombrias ainda a envolviam como uma névoa espessa. Quando seus pés tocaram o solo do jardim, agora isolado do resto do reino, um suspiro de alívio escapou-lhe. O aroma das flores noturnas a envolvia, e a suave brisa carregava consigo o murmúrio das folhas, criando uma atmosfera serena, como se o próprio jardim a convidasse a se esquecer, mesmo que por um breve instante, do turbilhão que a cercava. Ela se sentou no banco de madeira, as mãos tremendo ligeiramente enquanto olhava para o céu estrelado, um vasto manto de escuridão pontilhado de luzes tão distantes e inalcançáveis quanto os próprios sonhos que a atormentavam.
O silêncio que a envolvia parecia absoluto até que uma leve brisa tocou seu rosto, e uma voz suave a alcançou, como um sussurro do vento:
— Você lutou bem, Anya.
O coração de Anya deu um salto, e ela virou-se rapidamente, quase como se tivesse sido chamada de volta à realidade. À sua frente, com a mesma postura serena que sempre a marcara, estava Kikyo. Seus olhos, normalmente tão serenos e repletos de sabedoria, agora brilhavam com uma luz cálida, quase etérea. A figura de Kikyo parecia mais translúcida do que de costume, mas sua presença era inconfundível.
— Kikyo? — Anya murmurou, a incredulidade tomando conta de seu rosto. — Você está... viva?
Kikyo balançou a cabeça suavemente, com um sorriso triste, mas reconfortante. Seus olhos pareciam pesar com a profundidade de algo que Anya ainda não conseguia compreender. — Não exatamente. Eu sou apenas uma alma agora. Uma alma que, de algum modo, ainda precisa ajudá-la a encontrar o que falta. Há muito mais para você saber, Anya.
Anya se sentou mais ereta, um misto de curiosidade e apreensão em seu peito. — O que mais eu preciso saber?
Kikyo deu um passo à frente, sua figura irradiando uma calma quase sobrenatural. Ela olhou para Anya com uma suavidade que parecia carregar a sabedoria de todas as suas jornadas. — As bruxas que você conheceu, como eu, Crystal, Victórya, Heather... nós não somos as únicas. Existem outras linhagens de bruxas espalhadas pelo mundo, cada uma com dons únicos, com poderes que você nem consegue imaginar ainda. As sonorecentes, por exemplo, podem manipular o som, transformando-o em formas físicas que podem tanto curar quanto destruir. Elas controlam a vibração do ar como um maestro rege uma orquestra.
Anya absorvia cada palavra, como se estivesse desvendando um segredo antigo, uma verdade que tinha sido oculta até aquele momento. Mas, antes que pudesse processar tudo o que Kikyo lhe revelara, ela deu um passo à frente. Sua expressão, antes tranquila, agora parecia quase... melancólica. A mulher olhou para ela com um olhar penetrante, quase como se estivesse compartilhando uma parte íntima de sua própria alma.
— Mas há algo mais, Anya. Algo que talvez você não estivesse preparada para ouvir. — Kikyo fechou os olhos por um instante, como se fosse difícil dar o próximo passo. — Sempre soube que você era uma bruxa. Porque, na verdade, eu nunca fui apenas Kikyo.
Antes que Anya pudesse reagir, o corpo de Kikyo começou a brilhar. Era uma luz suave, quase quente, que se espalhava por sua pele, iluminando o espaço ao redor. Seus cabelos ruivos, antes soltos e brilhantes, começaram a escurecer, transformando-se em um tom castanho profundo. Seus olhos verdes se tornaram castanhos escuros, e a postura serena se modificou, assumindo uma familiaridade reconfortante. Uma sensação de reconhecimento, como se uma parte dela tivesse voltado para casa. A mulher diante de Anya não era mais Kikyo, mas Haledi.
Anya sentiu o chão desaparecer sob seus pés. O coração pulou em sua garganta, e ela ficou sem palavras. Não sabia se deveria se aproximar, se gritar, ou se simplesmente se deixar levar pelas emoções conflitantes que tomavam conta de seu corpo.
— Haledi? — a palavra escapou de seus lábios como um sussurro, incrédula. Ela levantou as mãos até a boca, tentando entender o que seus olhos não podiam aceitar. — Você sempre foi... você me observava esse tempo todo?
Haledi sorriu, mas havia uma tristeza profunda em seu olhar. Seus olhos, agora humanos e plenos, estavam cheios de amor e arrependimento. — Sempre. Desde o momento em que você nasceu, eu soube que você era especial. Eu sabia que tinha que estar perto de você, não importando o quanto isso custasse. Não podia deixar que você se perdesse para as sombras, como tantas outras. Eu... eu te protegi, Anya. Mas talvez você ainda não tivesse o que precisava para entender o quanto o mundo pode ser cruel.
Uma lágrima rolou pela face de Anya, mas era uma lágrima de alívio, de compreensão. Haledi... a mulher que sempre a guiou, que esteve ao seu lado, se revelava agora como algo mais do que ela imaginava. Algo mais do que uma amiga. Era a mãe que ela nunca teve, a mentora que sempre precisou. Anya sentiu um calor crescer em seu peito, como uma chama que acendia seu coração. Ao mesmo tempo, havia uma dor imensa, pois sabia que Haledi teria que partir. Sua forma estava começando a se tornar translúcida, se desfazendo lentamente, como uma sombra sendo absorvida pela luz.
Antes que Anya pudesse dizer mais alguma coisa, Haledi começou a desaparecer, sua forma suavemente se desvanecendo no ar. A luz que a envolvia foi enfraquecendo, até que, finalmente, sua figura se dissolveu por completo, como se nunca tivesse existido, deixando para trás apenas uma leve brisa e o eco das palavras finais.
— Lembre-se, Anya, o mundo ainda guarda segredos, e você é mais forte do que imagina. Não tema o que está por vir.
E, assim, Haledi se foi, deixando Anya sozinha no jardim, com o coração dilacerado, mas também imensamente grata. Ela não sabia o que o futuro lhe reservaria, mas agora tinha uma força renovada. Ela sabia que, de alguma forma, Haledi sempre estaria com ela, mesmo que como uma sombra suave, guiando-a nos momentos mais sombrios.
Anya, agora sozinha em meio à penumbra da noite, sentia o peso das palavras de Harya como uma âncora em seu peito. As sombras mencionadas pela bruxa ainda se arrastavam pelas suas lembranças, uma presença invisível que parecia cobrir tudo ao seu redor. Com a determinação pulsando em suas veias, ela não poderia simplesmente deixar aquilo se arrastar por mais tempo.
Com um movimento calculado e uma intenção clara, ela recitou as palavras antigas que seus ancestrais lhe haviam ensinado. A energia mágica, suave como um suspiro, envolveu seu corpo em uma luz brancacenta e etérea. A luz cresceu, quase como uma chama purificadora, até que as sombras começaram a se descolar de sua pele. Eram como fios de fumaça, ondulando no ar, escuros e traiçoeiros, tentando se agarrar a ela. Mas, com força, ela os viu se libertarem e flutuarem no espaço, como espectros que buscavam um novo destino.
Porém, antes que o último vestígio pudesse se dissipar, algo estranho aconteceu. As sombras, como se tivessem vida própria, começaram a se retorcer e a mudar de direção. Não mais presas a Anya, elas se esticaram, ganhando velocidade e crueldade, se lançando para o alto em um movimento inesperado. Como serpentes negras guiadas por um instinto implacável, elas dispararam diretamente em direção a Heather.
Heather, que estava absorta na vista do castelo flutuante, a mente ainda perdida em suas próprias questões, não percebeu o perigo a tempo. As sombras a atingiram como um golpe, um frio gélido e cortante que se espalhou por sua pele, penetrando profundamente em seu ser. Ela sentiu um arrepio intenso, como se uma parte de sua alma tivesse sido tocada por algo sombrio e invisível. As sombras escorregaram por seus braços, como correntes geladas, deixando um rastro de inquietação.
Ela cambaleou, suas pernas cedendo por um instante, antes de se recompor. Suas mãos tremiam levemente, não de medo, mas de uma sensação estranha, como se a própria escuridão tivesse deixado uma marca, um vestígio. Seus olhos se fixaram nas mãos, o pânico crescente refletido na leveza de seus gestos. O que era aquilo? Por que sentia como se algo estivesse a devorar sua luz interior? As sombras, agora absorvidas por ela, ainda dançavam nas pontas dos seus dedos, uma presença inusitada e perturbadora.
A inquietação a tomou por completo, mas, antes que pudesse se render a ela, Heather respirou fundo. "Não...", sussurrou para si mesma, recusando-se a sucumbir ao medo. A escuridão talvez tivesse tentado tocá-la, mas ela não permitiria que se alojasse em seu coração.
Ou Permitiria?...
Indíce
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