Flores de Gelo: O império caído Capitulo 8 - Parte IV
O som parou de repente, como se até a caverna segurasse a respiração. O silêncio pesado foi interrompido apenas pelas gotas que pingavam do teto e pelas respirações tensas do grupo. Heather murmurou, hesitante:
— Talvez fosse só o vento...
Mas antes que pudesse terminar, algo surgiu da escuridão. Uma figura alta, de contornos indistintos, movendo-se como se estivesse parcialmente fundida à sombra. A luz dos amuletos tremulava, recusando-se a iluminar completamente sua forma, que parecia ora sólida, ora intangível.
Anya apertou os punhos, seu corpo enrijecendo enquanto o ar ao redor ficava gélido. Crystal deu um passo para trás, apertando o amuleto contra o peito.
— O que é isso? — sussurrou Heather, tremendo visivelmente.
Kikyo não respondeu de imediato, mas sua postura, sempre serena, tornou-se alerta. Victórya ergueu a espada, embora seus olhos estivessem fixos no ser com uma mistura de fascínio e receio.
— Não se mexam — advertiu Kikyo, sua voz baixa, mas firme. — Observem primeiro.
A criatura — se é que era isso — parou a poucos metros delas. Seu rosto, ou o que parecia ser um rosto, era indistinto, com um brilho opaco onde estariam os olhos. Não falou, mas o espaço foi preenchido por um som baixo e pulsante, como o bater de asas de uma mariposa gigante ou o eco de um trovão abafado.
Kael deu um passo à frente, os olhos fixos no ser.
— Não é inimigo... nem amigo — disse, quase para si mesmo. — É um errante. Um remanescente de algo muito mais antigo do que esta caverna.
— Um "errante"? — repetiu Anya, sem desviar os olhos.
Kael assentiu levemente.
— Não se importa conosco, desde que não nos tornemos uma ameaça a ele. Ou ao que guarda.
Crystal apertou o amuleto até os dedos ficarem brancos.
— E o que ele guarda?
Kael não respondeu. A figura inclinou-se para frente, como se estudasse o grupo. O movimento era lento, deliberado, mas havia algo quase instintivo em seu comportamento, como o de um predador observando presas em potencial, mas sem fome imediata.
— Ele é o espírito de alguém que morreu aqui — disse Kikyo, quebrando o silêncio. — E busca se vingar de quem matou ele.
A tensão crescia no ar. Victórya apertou o punho da espada, mas Kael estendeu a mão, impedindo-a de avançar.
— Não será vencido pela força. Nem precisa ser.
O ser deu mais um passo, e o som pulsante tornou-se mais intenso. Anya sentiu uma
pressão na cabeça, como se algo tentasse sondar seus pensamentos.
— O que ele quer? — perguntou, lutando para manter a calma.
Kael respondeu sem tirar os olhos da criatura:
— Ele quer a morte de quem o matou.
— Quem foi? — questionou Crystal, ainda recuando.
— Você acha que eu sei?
O brilho dos olhos opacos intensificou-se, lançando sombras dançantes pelas paredes da caverna. A figura não atacava, mas o ar ao seu redor parecia puxar para si a força de quem ousasse vacilar.
— Seja quem for — disse Kikyo, sua voz firme cortando a tensão. — Não lutem. Não se movam. Mostrem-se inabaláveis.
E assim, com o tempo parecendo desacelerar.o Errante. Não um inimigo declarado, mas uma força neutra e impassível, testando-os com seu silêncio e sua presença esmagadora.
Por um momento, tudo permaneceu em suspenso. O guardião não se moveu mais, mas seu olhar opaco continuava fixo no grupo, como se esperasse. O som pulsante cessou, e a pressão que envolvia o ar diminuiu, permitindo que Anya respirasse com mais facilidade.
Kikyo foi a primeira a agir, inclinando a cabeça levemente para a criatura, em um gesto quase respeitoso.
— Ele nos deixou passar — murmurou, gesticulando para que o grupo avançasse.
Victórya hesitou, segurando a espada firme.
— Tem certeza? Parece mais que está nos vigiando.
Kael, que permanecia na retaguarda, balançou a cabeça.
— Ele não vigia, princesa da espada. Ele observa. E agora está satisfeito.
Anya lançou um último olhar ao errante, que continuava imóvel como uma estátua de sombras. Algo dentro dela se revirava, como se um fio invisível ainda a ligasse àquela presença.
— Vamos logo — disse, tentando manter o tom firme.
Atravessaram a caverna, pisando com cuidado enquanto a luz dos amuletos os guiava. O ar tornou-se mais úmido, e o som de água corrente se intensificou à medida que se aproximavam de uma saída. Quando finalmente cruzaram o limiar, um mundo completamente diferente se revelou.
A caverna dava para um vale oculto, envolto por montanhas íngremes e cercado por
uma vegetação exuberante. Árvores altas com folhas brilhantes balançavam suavemente ao vento, e um rio serpenteava ao longe, suas águas cristalinas refletindo o céu acinzentado. O ar tinha um aroma fresco, mas carregava uma energia que fazia os pelos de Anya se arrepiarem.
Heather foi a primeira a falar, sua voz quase um sussurro:
— Onde estamos?
Kikyo analisou o ambiente com atenção, seus olhos verdes brilhando à luz difusa.
— Este lugar... não deveria existir. É uma terra esquecida. Um lugar que foi apagado dos mapas há séculos.
Crystal se aproximou de uma planta que crescia próxima ao rio. Suas folhas eram de um tom violeta intenso, e pequenas gotas de néctar brilhavam na luz.
— Essa planta... já li sobre ela. Dizem que cresce apenas onde o tempo se dobra sobre si mesmo.
— Isso explica por que o ar parece... diferente — disse Heather, olhando ao redor como se esperasse que o céu desabasse a qualquer momento.
Kael permaneceu próximo à entrada da caverna, observando em silêncio. Anya virou-se para ele, cruzando os braços.
— Você sabia sobre isso, não sabia? Sobre este lugar.
Kael encontrou seu olhar, mas não respondeu de imediato.
— Sabia que havia algo além da caverna. Não sabia o que era, mas agora sei, era um portal escondido.
Victórya bufou, guardando a espada com um gesto brusco.
— Útil como sempre, não é?
Antes que Kael pudesse responder, Kikyo levantou uma mão, silenciando-os. Seus olhos estavam fixos em um ponto distante, onde o rio desaparecia em uma névoa espessa.
— Não estamos sozinhos.
O grupo seguiu seu olhar, e Anya viu o que parecia ser uma figura caminhando lentamente pela névoa. Era difícil distinguir detalhes, mas parecia humana, embora seus movimentos fossem rígidos, quase mecânicos.
— Mais um errante? — perguntou Crystal, apertando o amuleto.
Kikyo balançou a cabeça.
— Não sei. Mas algo está errado.
Kael se afastou da entrada, parando ao lado de Anya.
— Seja o que for, não devemos nos aproximar sem antes entender onde estamos. Este lugar... pode ser tão perigoso quanto o que deixamos para trás.
Anya respirou fundo, sentindo o peso da decisão. Havia algo naquele vale que parecia chamá-la, mas ao mesmo tempo, cada fibra de seu ser gritava para que fosse cuidadosa.
— Vamos explorar — decidiu. — Mas com cautela. Não podemos ficar parados esperando que o perigo nos alcance.
O grupo começou a se mover pelo vale, seus passos ecoando suavemente no chão coberto de folhas. Enquanto avançavam, o som do rio crescia, e a névoa parecia se espalhar lentamente, como se os convidasse a descobrir seus segredos.
Indíce
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