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As Golpistas-Viagem em família

As Golpistas

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As Golpistas Viagem em Família

Um ano depois.

 

— Lisa, aonde iremos? — Pergunto para minha namorada.

Essa semana era aniversário de Aime e a guarda definitiva de Léo com a Lisa. Os dois eram unha e carne, raramente se desgrudavam, apenas quando corríamos e quando estávamos estudando.

Lisa estava se esforçando muito em seu curso e eu logo poderia começar a estagiar. Nossas vidas eram calmas e estabilizadas. Esse ano as meninas participavam apenas da patrocinada, afinal era um dinheiro bom.

Agora entendia um pouco mais da mecânica das coisas e auxiliava as meninas a mexerem nos carros. Ganhamos quase todas as corridas, perdendo vez ou outra, no entanto nunca saindo do pódio.

Voltando ao foco, Lisa pediu duas semanas de dispensa para mim e também irá se ausentar. Dispensou Miyeon, nossa babá também, dando uma folga remunerada. O que me enfurecia era o fato de que ela não me contava o que iriamos fazer.

Agora estou com duas malas em sua sala. Estava esperando ela terminar de colocar as coisas no carro. Após ajeitar as bagagens, colocou as cadeiras para nossos filhos e uma térmica.

— Vamos? — Ela estende sua mão, para que pudesse pegar.

Meio contra a gosto, segurei. Quando fui impulsionada para cima, quase caí em cima dela. Lisa foi mais ágil e enlaçou minha cintura e me firmou. Dei um sorriso e um pequeno selar em seus lábios.

Escuto as crianças dando risadinha e me afasto dela. Aime usava um vestido branco, com pequenas cerejas neles, um sapatinho de boneca e um laço na cabeça. Léo usava uma bermuda jeans, um tênis branco e uma polo azul-marinho. Seus olhos verdes brilhavam e seu cabelo ruivo estava rebelde. Ambos estavam de mãos dadas.

Confesso que temi que ambos não se dessem bem, porém foi o oposto. Léo pintava junto dela, brincavam de esconder, jogavam videogame. E ainda se chamam de irmãozão e irmãzinha.

Mesmo ele sendo HIV positivo, não excluímos de nada, como acontecia com ele. Aime precisa sempre estar tocando nele, quase uma necessidade fisiológica. Quando passeávamos de carro, eles davam as mãos na cadeirinha.

— Quem está empolgado para viajar? — Lisa perguntou, olhando pelo retrovisor.

— EUUU! — Ambas crianças gritaram.

A alegria é contagiante. Mesmo emburrada por não saber para onde iremos, aproveito a deixa e sorrio junto. Lisa me olha e dá uma piscadinha antes de sairmos definitivamente.

— Quem quer ir para a Disney grita: EU AMO A TIA LISA.
— AMO A TIA LISAAAAA! —  Gritamos os três.

Qual é? Estava empolgada agora que sabia aonde iríamos. O que me intrigava era o fato de termos duas semanas de folga, sendo que levava um ou dois dias de viagem de carro. Parando para almoçar, descansar, e sei lá, tirar uma foto minha, não dá uma semana de ida e outra de volta.

— Lisa, a gente não leva esse tempo todo. — Resmungo. — Por que você quer duas semanas?

— Porque essa é nossa primeira viagem em família. — Ela respondeu, seu sorriso branco quase me cegando. — Quero ir devagar, aproveitar o máximo que conseguir.

Acabo entendendo e deixo o clima rolar. Músicas animadas tocavam no sistema de som, gerando cantoria no veículo. Lisa sempre cantava e incentivava as crianças a cantarem juntos. Era pura alegria e muitas vezes esquecia que era adulta. Mas quando dormíamos na mesma cama, ela fazia questão de lembrar.

Já fazia duas horas que ela estava dirigindo e o verde tomava conta da paisagem. Estávamos indo devagar, as crianças entretidas no PSP e Lisa segurando minha mão, enquanto dirigia focada na estrada.

Como nossa velocidade não era alta, podíamos ver alguns cartazes na estrada. Um enorme porco rosa avisava que em 5 km teria uma festa do suíno. Mais uns metros para frente havia novos cartazes.

— Tia Lisa, podemos ver os porquinhos? — Léo pediu.

Lisa olhou para mim, esperando minha confirmação. Óbvio que eu queria dizer não. Oras, é porco, lama, fedor, gente doida. Regularmente passo longe de eventos assim. No entanto, vejo os olhos de Aime, Léo e Lisa brilhando e minha resposta não poderia ser outra:

— Vamos!

Logo Lisa fez o desvio e entramos em uma estrada de terra batida. Inicialmente era só mato, mato e mais mato. Honestamente? Está parecendo que alguém quer matar e enterrar a gente e essa feira do suíno é só uma desculpa para arrumar vítimas.

Mais uns 5 minutos de mato e já me sentia a Jane, a namorada do Tarzan. Acho que agora minha filha vai se chamar Chita e o Léo de Mufasa. Lógico que Lisa agora era o Tarzan e viveríamos em harmonia no meu da floresta.

Enquanto pensava em como fazer chinelo de folha de bananeira, uma clareira apareceu. Era uma enorme fazenda, com vários celeiros. Havia diversos foodtruck ao redor e muitos carros estacionados.

Assim que saímos do Jeep, senti falta do ar puro da cidade. O ar cheirava a fritura, lama, mato, porco, mato, verde, árvore, mato. Quase me engasguei ao ver minha filha animada. Lisa trocou os sapatos de todos por galochas, menos eu. Ainda ficaria com minha bota estilosa, obrigada.

Fomos de barraca em barraca. Havia jogos como: Atire no porco. Acerte as argolas no porco. Pesque o porco. Tudo muito cafona e brega. As crianças entupiram suas veias com bacon, milho, porco no espeto e sei lá mais o que. Eu seguia minha dieta e comi apenas sanduíche de bacon com pernil e cheddar. E uma coca light.

Quando finalmente iríamos embora, após Lisa perder 300 vezes nos jogos, Aime estancou no caminho. Seus olhos brilharam em ver algo e quando vi que era uma pelúcia gigante, sorri ao lembrar o quanto ela gosta deles.

Aime aponta para que Léo visse, e o garoto deu um grito feliz ao ver o porco gigante. Essa pelúcia tinha tranquilo mais de um metro e meio, um porco rosa com um sorriso no rosto. Lembrava um pouco a Peppa Pig.

— Tia Lisa, quero aquele urso. — Léo disse. — Quero dar para a Memê.

Fomos em direção ao porco, para vermos qual era o desafio da prenda. Lisa andava na frente, empolgada com a chance de ganhar algo. Coitada, nem quis cortar suas esperanças, mas se fosse algo haver com habilidades, ela perderia. Era mais fácil comprar a pelúcia.

— Boa tarde. Qual o desafio da pelúcia? — Escutei Lisa perguntar.

— Tarde. Tem que pegar o Tonhão.

— E quem seria isso? — Perguntei, tendo um mau pressentimento sobre quem era Tonhão.

— Meu porco. — Ele disse e deu uma risada, mostrando faltarem uns pares de dentes ali.

— Como me inscrevo nisso? — Lisa perguntou.

Ela realmente iria correr atrás de um suíno? Era um rodeio de porco e ela estava animada. Só de olhar o cercado, um suor escorreu. Era um cercadinho vermelho, em forma de círculo. A lama estava úmida, o que dava aspecto de escorregadio. Lisa não entraria nisso nem fudendo.

— Você está brincando, né, Lisa? — Perguntei, segurando seu braço.

Lisa deu um sorriso travesso e levantou e baixou as sobrancelhas, animada. Juro que não acredito que ela irá se enfiar em um chiqueiro para pegar a porcaria de uma pelúcia. Quero ver ela dirigir o carro com a roupa cheia de lama.

— Já volto.

Lisa virou as costas e foi atrás do carro. Vejo ela com uma mala e indo em direção aos banheiros. Quando ela saiu, estava hilária. Vestia uma camiseta de xadrez, uma calça jeans, galocha e um chapéu em sua cabeça.

— Lisa, o que é isso? — Pergunto gargalhando.

— Estou indo atrás do sucesso, boneca.

Lisa se aproximou do pançudinho e eles apertaram as mãos. Quero fechar meus olhos e nem ver o estrago, só que não consigo. Eu e as crianças nos aproximamos do cercado e vimos Lisa entrar nele. Seu sorriso era confiante e seus polegares se levantaram para nós.

— Atenção, atenção. Temos uma competidora na área. Será que ela dominará Tonhão ou ele fará dela uma pururuca?

Sua voz ecoava no alto-falante e algumas pessoas se aproximaram para ver o que estava havendo. Uma música Country começou a tocar e berros suínos foram ouvidos. Foi feita uma contagem regressiva e quando chegou no UM, uma monstruosidade saiu de um cubículo.

Aquele bicho poderia pesar uma tonelada. Claro, estou aumentando, mas vocês não estão entendendo. O porco era enorme, passava de um metro se ficasse de pé, no mínimo. Era peludo e tinha várias pintas pretas ao redor do corpo. Aquele animal pesava fácil 60 kg.

Olho desesperada para Lisa, porém a mesma se encontra rindo. Ela bateu palmas e pediu para o público bater também. Logo todos se juntaram e incentivaram ela, fazendo com que sua confiança aumentasse.

Lisa olhou para o porco e correu atrás dele. Tonhão guinchou e correu para o lado oposto, fazendo ela deslizar e cair na lama. Não aguentei muito e comecei a gargalhar. As crianças ficavam gritando incentivos para ela, que tratou de levantar e ir atrás do porco.

Lisa deslizava na pista, o suíno grunhia, a plateia ria. O homem, que era dono do animal, ficava narrando o evento, tornando-o mais divertido. Um coro de 'Vai, Lisa' se iniciou e fiz parte dele.

Tonhão sempre desviava quando ela estava perto. Eis que ele veio para nosso lado e Lisa voou com tudo em sua direção. Ela não o pegou inteiro, mas abraçou sua traseira. Tonhão começou a correr, mas Lisa prendeu seu tronco no rabo.

Ele carregava Lisa através da lama, fazendo a terra molhada ir para seu rosto. Ela fincava a galocha no chão, tentando diminuir a velocidade e gradualmente o bichão foi ficando lento. Quando ele parou, Lisa deu um pulo e abraçou ele por completo. O narrador a declarou ganhadora, e finalmente ela soltou.

Lisa estava suja por inteira. Seu rosto melado, aparecia apenas seus olhos brancos e seu sorriso manchado de lama. Lisa pegou o porco com dificuldade e levantou, recebendo diversos aplausos.

Fui em direção da saída e as crianças pulavam em alegria.

— Parabéns, criança. Pode pegar o urso.

Ela apontou para eu pegar, e assim o fiz.

— Olha só que enorme. — Aime disse. Seu sorriso banguela era como um Sol em meus dias nublados.

— Gostou, princesa? — Lisa perguntou.

— Eu amei, tia Lisa. E você, Léo?

— Gostei de ver a tia Lisa cair.

Dei uma gargalhada gostosa com sua fala. Realmente, a Lisa caindo o tempo todo, escorregando e se enchendo de lama, era, de fato, hilariante.

— Ah, você está rindo, Jennie Kim? — Lisa olhou para mim, com um sorriso diabólico.

— Lisa... Se você encostar em mim assim, eu te mato.

Soltando uma gargalhada maléfica, Lisa veio lentamente em nossa direção.

— Vou contar até 3. — Ela disse.

Saímos correndo no meio do evento. Segurava cada criança em uma mão, e fugimos de Lisa. Claro que ela estava correndo mais devagar que o normal, era apenas uma brincadeira. Porém, o medo de ser suja era real.

Contudo, o que era mais real era o amor que estava sentindo com uma cena assim. Queria gravar esse momento eternamente em meu coração.

 


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